D2 e De Castro: hip hop e samba pop

Marcelo D2 recebe Max de Castro no Projeto Ponte Aérea, promovido pelo Sesc, em noite de balanço black e afirmação popular

Silvia D
29/03/2001
Marcelo D2 mostrou mais uma vez, na noite de quarta-feira 28, no Rio de Janeiro, que se encontra num momento especial. Promoveu o primeiro show de hip hop para uma platéia sentada de que se tem notícia na cidade, interrompeu uma música, improvisou, entreteve o público com comentários espertos entre as canções e, como bom anfitrião, esquentou as turbinas para que Max de Castro fosse recebido calorosamente.

Acompanhado de Tuca Bezerra da Silva na percussão, Seu Jorge nos vocais, percussão, cavaquinho e clarinete e do DJ Babão, este se apresentando ao lado de D2 pela primeira vez, o líder do Planet Hemp parece cada vez mais em casa quando está sobre o palco. Seu carisma atrai como ímã e sua dicção é clara, enquanto mistura números do disco solo (Eu Tiro É Onda amostras de 30s , 1998, Sony Music) com versões suavizadas de sucessos de sua banda. Queimando Tudo, por exemplo, virou um trip hop elegante, com solo de clarinete. Mas o DJ se enrolou, levando Marcelo a meter a mão no prato, rodar o disco ao contrário, parar tudo e afirmar: "Dizem que só o James Brown interrompeu uma música no meio do show." Na verdade, o próprio rapper já havia desligado o equipamento de outro DJ numa apresentação ao vivo, no Video Music Brasil da MTV há um par de anos. Logo recomeçaram de onde haviam parado e queimaram tudo até a última ponta.

Mantenha o Respeito 2 segue a linha mais tranqüila de Queimando... De paninho com cores da Jamaica na mão, D2 chamou Bira Show da Mangueira para tocar pandeiro em Batucada, um dos bons exemplos da mistura de samba e hip hop perseguida pelo inquieto astro carioca. "Parece mesmo um auditório", ele disse, quase espantado de constatar que sua música dançante pode ser devidamente apreciada com calma, atenção e um leve balançar de pés e cabeças. Depois de uma infeliz incursão pelo hino do Flamengo, Baseado em Fatos Reais acalmou os ânimos dos torcedores de outros times. A bela Samba de Primeira ("é hip hop que vem do Rio de Janeiro/uma batida de funk, um DJ e um pandeiro/ (...) tem samba no meu hip hop porque eu sou brasileiro") permitiu que o set de Marcelo terminasse num descompromissado pagode, com ganzá, pandeiro e cavaquinho, tipo fundo-de-quintal.

Ben é bom para todos
Enquanto D2 terminava sua apresentação, os músicos de Max de Castro foram entrando no palco e promovendo uma troca de equipamento extremamente sutil e veloz. Max se juntou à turma e todos juntos tocaram uma versão de Fazendo Efeito, misturada com Nega do Cabelo Duro (Rubens Soares/ David Nasser) e Charles Anjo 45 (Jorge Ben). Esta foi a primeira menção jorgebeniana numa noite que seria marcada por constantes citações e canções inteiras do maior ícone dos novos artistas da música brasileira.

Max de Castro tem uma aparência frágil, com sua Gibson Les Paul preta e pesada. Acompanhado por Eugênio Lima (DJ), Tuto Ferraz (bateria), Sérgio Carvalho (baixo), Marcos Xuxa (teclados) e o lendário Luis Carlos de Paula (percussão, membro da Banda do Zé Pretinho em fases áureas), no entanto, a impressão de fragilidade se desfaz. Suave, sim, mas sólido, também, em função da cama perfeita produzida pelos músicos da sua banda.

Enquanto D2 descia do palco direto para a platéia, lata de cerveja na mão, Max emendava com AfroSamba, e já no começo de seu set, o público fez questão de acompanhar. As músicas do disco de Castro, Samba Raro amostras de 30s, ganharam uma nova perspectiva, com menos detalhes e barulhinhos, substituídos pelos instrumentos que fornecem o formato de canção, conseqüentemente mais popular. Ela Disse Assim e Pra Você Lembrar ganharam coro dos espectadores, para alegria e surpresa de Max.

Platéia na mão
Com menos tecnologia e mais suor, seus sambas pop apresentaram um vigor que não existe no disco. Daí vem o sample da introdução de Os Alquimistas Estão Chegando precedendo 2 Bailarinas, e a presença espiritual de Jorge Ben chega para não mais sair. Max resolveu homenagear Marisa Monte, "ela deve gostar dessa música", levando uma versão de O Homem da Gravata Florida, emendada com Que Maravilha. Mas o melhor de Max de Castro está em sua própria lavra. Samba Raro, a canção, contou com o coro do público desde os primeiros acordes e terminou em ovação. Utilizando as expressões notabilizadas em apresentações ao vivo de Ben, Max pedia: "quero ouvir o coral", "piano play", e terminava os números com o tradicional "em cima", codificado pelo autor de País Tropical.

O refrão "já chegou/samba raro já chegou", cantado em peso pelo teatro lotado, foi enfeitado por Menina Mulher da Pele Preta, Que Pena e Mas Que Nada, mais uma vez com vocais da platéia que estava nas mãos do filho de Wilson Simonal. Onda Diferente ganhou trechos de Aviso aos Navegantes (Lulu Santos), seguida por A Minha Alma (A Paz Que Eu Não Quero), "do meu amigo, grande letrista, Marcelo Yuka", disse de Castro, sem deixar de trazer mais uma de Ben: Charles Jr. Foi a deixa para que voltassem Marcelo D2 e seu grupo. Todos reunidos para uma versão relaxante de Contexto, do disco A Invasão do Sagaz Homem Fumaça amostras de 30s (Planet Hemp), com direito a cuíca de boca "tocada" por Tuca.

A última surpresa ficou por conta de Seu Jorge, convidado a cantar São Gonçalo, música de seu antigo grupo, Farofa Carioca. Acompanhado em peso pelos presentes, deixou preparado o terreno da expectativa para o disco solo que será lançado ainda no primeiro semestre, cujo título provisório é Samba Esporte Fino. O saldo final do encontro entre Marcelo D2 e Max de Castro é a indicação de novos caminhos para a música brasileira, provando que pode ser ao mesmo tempo sofisticada e popular, radiofônica e alternativa.