Da Lata: a MPB <i>made in England</i>

Quarteto que tem como vocalista a brasileira Liliana Chachian chama a atenção da crítica internacional com seu disco de estréia, Songs From The Tin, mas não nutre expectativas para o Brasil

Silvio Essinger
23/01/2001
Nem só de Bebel Gilberto vive a nova música brasileira no exterior. Quem acompanha as revistas inglesas e americanas especializadas em dance music não deixou de reparar recentemente nos elogios dispensados pelos críticos a Songs From The Tin (leia a crítica), álbum de estréia de uma banda com nome singular: Da Lata. "Verdadeiramente inspirador", carimbou a revista Muzik. "Uma interpretação da música brasileira repleta de fé e profundamente cheia de alma", atestou a Straight No Chaser. Por trás dessa expressão tipicamente carioca (que remete ao final da década de 80, quando o navio Solano Star despejou na orla latas com maconha de excelente qualidade — e tudo o que era bom passou a ser conhecido, na gíria, como "da lata"), encontra-se um quarteto: os europeus Chris Franck, Patrick Forge e Oli Savill e a brasileira Liliana Chachian, que responde pelos vocais e composições e pelas letras — em português — de faixas como Prá Manhã, O Mago e a Borboleta, Rio Vida e Cores.

Lançado em junho passado no exterior e há poucos meses no Brasil, pela Trama, esse disco traz notícias da paulistana Liliana, que há 18 anos foi para Londres estudar Psicologia, mas acabou enveredando pela música e não voltou mais. Criada no meio da bossa nova e da música africana, ela participou, como percussionista, de trabalhos com a dupla dance Pet Shop Boys (inclusive a turnê brasileira, em 1994). Também acompanhou pela Europa músicos brasileiros como Airto Moreira e Dom Um Romão (com a sua banda paralela, o Arakatuba).

De passagem por São Paulo — trouxe a filha para ver o avô —, a cantora conversou com CliqueMusic e falou um pouco sobre o sucesso com o Da Lata e sobre como a música brasileira tem sido apreciada na Inglaterra. "É super interessante a forma com que ela está acontecendo", diz. "Os DJs tocam uma variedade de música brasileira, muita coisa dos anos 60 que teoricamente não tocaria num club. Tem muita porcaria também, é claro. Mas lá você encontra pessoas que entendem mais de música brasileira do que muita gente por aqui".

As raízes do Da Lata estão no Batu, projeto que Chris Franck e Patrick Forge (dois apaixonados por música brasileira) tinham por volta de 1992. Oli Savill, com quem Liliana dividia a percussão nos shows dos Pet Shop Boys, a apresentou à dupla em 95. Em pouco tempo, os quatro estariam juntos na primeira encarnação do Da Lata. O primeiro projeto foi uma versão house de Ponteio, de Edu Lobo, que fez algum sucesso nas pistas inglesas. "Era mais um projeto de estúdio", conta Liliana. Depois, cada músico foi para seu lado.

Smoke City no caminho
Discotecando no Rio de Janeiro, a convite de Joyce, Patrick conheceu a cantora brasileira Nina Miranda (filha do artista plástico Luiz Áquila), que pouco tempo antes havia gravado com o inglês Marc Brown o trip hop de sotaque brasileiro Underwater Love, que fez muito sucesso na trilha de um comercial da Levi's. De volta à Inglaterra, Patrick, Nina, Marc e Chris Franck iniciaram o projeto Smoke City, que lançou em 97 um álbum intitulado Flying Away (milagrosamente lançado no Brasil pela Virgin). Ele trazia Underwater e mais duas faixas que tiveram bom êxito: Mr. Gorgeous e a versão trip hop de Águas de Março.

O Smoke City chegou a gravar um segundo álbum, que ainda não foi lançado (segundo Liliana, ele está sendo refeito para sair agora no começo do ano). Nesse meio tempo, a vocalista do Da Lata chegou até a participar, como percussionista e cantora, de uma turnê com o Smoke, mas os planos do Da Lata não foram abandonados. Em meados de 1998, Liliana, Chris, Patrick e Oli gravaram um single, o da música Pra Manhã, que teve uma excelente repercussão, em especial no Japão. O nome do quarteto ficou tão em alta que surgiu a proposta para gravar um disco na Palm Pictures, gravadora que acabava de ser criada por Chris Blackwell, fundador do lendário selo Island (de Bob Marley e U2).

Songs From The Tin foi todo composto por Liliana, Oli e Chris (Patrick atua mais como DJ). Mas não dava mais para seguir apenas como projeto de estúdio. "Eu sou uma cantora acostumada a cantar ao vivo", conta a brasileira. E veio a idéia de transformar o Da Lata numa banda, imediatamente aceita pela gravadora. Antes mesmo que o álbum chegasse às lojas, os músicos já estavam na estrada, percorrendo Europa, EUA (tocaram no Central Park, em Nova York, no evento Body & Soul), Canadá e Japão, que foi onde o Da Lata teve sua mais surpreendente acolhida. "Eles cantavam em português e choravam. Um japonês me disse: 'Não entendo o que vocês estão falando, mas entendo o que vocês querem falar'", conta Liliana.

A banda agora segue pelos festivais de jazz da Europa — e ainda não tem planos de se apresentar no Brasil —, mas a cantora esclarece que o público do Da Lata é bem amplo: "Tem o de jazz, tem o que freqüenta a noite, por causa do trabalho de divulgação do Patrick [como DJ], tem o de música brasileira... Por sorte, nosso disco pegou todos esses públicos." No que o tempo permite, Liliana ainda grava esporadicamente com outros artistas, compõe (para projetos como o Masters At Work) e continua os trabalhos com o Arakatuba e com outro grupo, o Negrocan. Ela ainda está iniciando com Olie um selo fonográfico, ainda sem nome, para gravar jazz, grupos de percussão e som contemporâneo.

Apesar do lançamento de Songs From The Tin no Brasil, ela não nutre muitas expectativas quanto ao sucesso do Da Lata (que é percussivo, mas traz muita delicadeza no som) por aqui. "Essa é a minha terra, foi daqui que eu levei tudo o que eu faço. Mas o público lá fora é muito diferente do daqui." Será que o exemplo de Bebel Gilberto (que hoje freqüenta as trilhas de novela) não valeria para a banda? "É mais fácil para o tipo de música que ela faz", acredita Liliana, que, apesar dos pesares, se mostra animada com o momento musical em seu país: "Independentemente do que se esteja fazendo, os brasileiros estão ouvindo mais música brasileira — coisa que eles não ouviam quando saí daqui. Esse é o caminho para que eles sejam mais seletivos e formem um gosto musical."