Dado Villa-Lobos e seus novos caminhos

Músico fala de sua trilha para o filme Bufo & Spallanzani, encara sua carreira solo, fala de Legião Urbana e Herbert Vianna

Marco Antonio Barbosa
07/09/2001
A música também escreve certo por linhas tortas. Foi preciso um convite para compor a trilha sonora de um filme - Bufo & Spallanzani, fita de Flávio Tambellini baseada no romance homônimo de Rubem Fonseca - para que Dado Villa-Lobos resolvesse assinar seu primeiro trabalho "oficial" desde o fim da Legião Urbana, em 1996. Mesmo sendo um trabalho - supostamente - feito de encomenda, trata-se da real estréia solo do guitarrista da Legião. Para essa aventura individual, Dado cercou-se alguns de amigos providenciais (Cássia Eller, Toni Platão, Fausto Fawcett, Humberto Effe) para criar os temas densos e climáticos ouvidos em Bufo. O resultado: o filme acabou sendo premiado no Festival de Miami por sua trilha sonora, que mereceu também elogios da crítica. Bufo & Spallanzani, o disco (que ostenta o crédito "Trilha sonora original do filme / Música de Dado Villa-Lobos) sai agora pela RockIt! (selo do próprio Dado), com distribuição da Universal Music. O álbum é o retrato da atualidade do ex-legionário, agora um artista maduro, que quer construir aos poucos sua trajetória individual. Em entrevista ao Cliquemusic, no pequeno estúdio da RockIt!, Dado falou sobre o trabalho na trilha e sua carreira solo; do traumático acidente com o amigo Herbert Vianna, que abalou sua vontade de fazer música; e também sobre o legado da Legião Urbana.

Cliquemusic: Para começar: como é que você se envolveu com o filme Bufo & Spallanzani, e como você abordou o desafio de compor para cinema pela primeira vez?
Dado: Foi o (diretor) Sérgio Espírito Santo, que é um amigo que eu e o Flávio temos em comum. Ele soube que o Flávio estava para dirigir seu primeiro filme, fez a sugestão de que eu fizesse a trilha... e ele topou. Isso foi mais ou menos no final de 1999. Daí foi o tempo para eu ler o livro, depois o roteiro teve de ficar pronto, e teve a filmagem, aquela coisa toda - cinema demora muito! Enfim, só quando ficou pronta a primeira montagem, o copião, é que eu fui assistir para fazer as marcações, ver em que pontos entraria a música. Não foi fácil, porque o filme vai e volta muito no tempo, a edição é toda picotada, tem muito diálogos... Meu trabalho se baseou não apenas nas imagens, mas também no livro, no roteiro e na colaboração que eu tive com o Flávio - captar o sentido que ele, como diretor, quis dar para aquele drama. Isso tudo foi se enquadrando para que eu pudesse incorporar todas essas referências à música, para canalizar toda a emoção das cenas direto para o espectador.

Cliquemusic: Você chegou com alguma idéia na cabeça? Já tinha pensado antes em encarar um trabalho como este?
Dado: Não tinha a mínima idéia... O Flávio me sugeriu que assistisse ao filme Ghost Dog (do americano Jim Jarmush), eu fui e achei o filme ótimo. Mas o que me impressionou é que a trilha do filme, apesar de ser toda de hip hop e rap, não tem vocais - só entram as batidas, o instrumental. Essa foi a única referência real que eu tive, mas nem sei se cheguei a usar isso conscientemente. A primeira música que eu fiz para foi justamente a que encerra o filme (Bufo & Spallanzani: Dentro de Ti), antes mesmo de ver as imagens, só pensando no roteiro e no livro. Cheguei para o Humberto Effe, que fez a letra da música, e pedi para ele pensar justo naquela parte da história em que o (personagem) Gustavo Flávio finalmente consegue escrever a primeira página do livro que ele estava tentando escrever - que se chama Bufo & Spallanzani. Daí o Humberto leu aquilo e ficou com aquela idéia na cabeça: "preciso marcar a minha existência no mundo, não posso parar..."

Cliquemusic: O álbum é cheio de participações especiais. Além do Fausto Fawcett, da Cássia, do Toni e do Humberto, também há a cantora e atriz Thalma de Freitas - e a presença do músico Gustavo Dreher em quase todas as músicas. Como esses parceiros foram sendo agregados?
Dado: Quando eu estava na iminência de fazer a trilha, eu estava trabalhando com muita coisa ao mesmo tempo - o disco dos Devotos, o do Toni Platão - e precisava de alguém para me dar uma mão aqui no estúdio. O Gustavo foi chamado para isso, ser o engenheiro de som e co-produtor. Então eu ia criando os temas, e ele ia apoiando, fazendo o trabalho braçal, técnico da coisa toda. Os outros foram vindo por pura afinidade. Eu comecei a pensar nos outros parceiros quando fui finalizar o CD. Porque eu queria dar uma vida própria ao CD, ainda que no filme não apareça nenhuma música cantada. É óbvio que é a trilha do filme, mas o disco fica independente, com algo mais. Pensei no Fausto logo de cara para o tema do detetive Guedes (O Mal É Contagioso), o Fausto arrebenta sempre... E os outros, o Humberto, o Toni, a Cássia... bom, eu adoro todos eles, além de serem muito meus amigos. Já a Thalma de Freitas (que canta em Natureza) é uma grande amiga do Victor Kelly, que trabalha comigo, e ele sistematicamente me falava da voz dela, que ela canta muito bem... foi feito o convite e deu supercerto.

Cliquemusic: A sonoridade do disco tem muitos elementos de música eletrônica. Você acha que os fãs da Legião vão se surpreender com este seu "novo" lado?
Dado
: Será...?

Cliquemusic: Não é exatamente o tipo de som que estamos acostumados a ouvir de você...
Dado
: Eu sempre ouvi essas coisas, música eletrônica... Não me importo muito com rótulos, o que conta é que me senti bem fazendo aquelas músicas. Olha aqui (aponta para a mesa de som do estúdio): isso tudo aqui é digital, 100% eletrônico. Não existe fita cassete aqui. Eu lido com uma troca de informações entre instrumentos analógicos, antigos - como isso aqui (mostra um amplificador), uma coisa velha, do tempo do onça - e toda essa modernidade, computadores. É legal brincar com essa ambiguidade e esquecer um pouco esses conceitos. Se você pega essa groovebox (aponta um moderno sintetizador sobre a mesa), você faz o diabo com isso, tem um monte de recursos. O Universo é tão variado, te proporciona um horizonte inatingível de possibilidades musicais e sonoras. E o disco é exatamente isso. Tem o lado eletrônico, kraftwerkiano, os barulhinhos, as batidas... e vai também para o mais acústico possível. Natureza, por exemplo, só tem um violão de nylon, um pandeiro, um bandolim, uma escaleta e um contrabaixo - e a voz angelical de uma mulher cantando. Foi legal ir fazendo dessa forma. A música com o Fausto é um rock básico, bateria, baixo e guitarra, só...

Cliquemusic: E acabou que a trilha fez o maior sucesso - ganhou até prêmio - e é sempre citada como um ponto forte do filme. Qual era a sua expectativa quanto à recepção a seu trabalho?
Dado
: Não esperava absolutamente nada, estava focado no trabalho de adaptar a música ao filme e só. Fazer um bom CD depois, chamar as pessoas certas para cantar. Quando fui convidado, eu mesmo me impus uma expectativa - e uma responsabilidade - que até me angustiou. "Caramba, vou ter que fazer a música para um filme inteiro, uma hora e meia"... isso gerou uma certa ansiedade. Mas o trabalho foi indo, as coisas foram se acertando. O Flávio me incentivando, elogiando, e a inspiração veio vindo de acordo. Apesar de ser um universo novo para mim, eu sempre tive na cabeça que música é música, não importa para que ela está sendo composta. Se conseguir botar alguma coisa para fora, me expressar com música, está ótimo, não interessa se é para um filme, para um disco, ou seja lá o que for. Quando eu terminei, e senti que tinha ficado bom, eu já tinha ficado meio "puxa, que maravilha...". Aí veio o prêmio em Miami, eu nem sabia de nada, depois me mandaram aquela santa ali (aponta rindo para a estatueta do prêmio). E todo mundo elogia muito, em jornal, pessoalmente... acho que a trilha cai muito bem no filme, é bem impactante.

Cliquemusic: E agora, dá para assumir o disco do Bufo como sua estréia solo oficial?
Dado:
Dá sim, agora que está tudo pronto. Sou eu que estou ali. Eu e todas aquelas personagens do filme, claro, mas ainda sou eu. Não tinha pensado nisso antes, mas quando o disco ficou pronto, e fui me envolvendo mais pessoalmente - escolhendo quem iria participar e tudo - eu me dei conta disso. E também acho que é um disco ótimo de se ouvir. Não tenho problema nenhum quanto a assumir o Bufo como meu primeiro solo. Não tenho aquela ambição vazia de ficar pensando "ah, eu preciso fazer um disco solo, fazer sucesso e aparecer no Domingão do Faustão (risos)." Não preciso. Meu primeiro trabalho se canalizou através do filme do Flávio e isso foi ótimo.



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