Dançando à moda antiga em três CDs

Coletâneas enfocando Waldir Calmon, Moacyr Silva e Meirelles trazem o som dos bailes e boates dos anos 50 ao início dos 70

Rodrigo Faour
31/07/2000
Houve um tempo em que o som das festas, boates ou night clubs era bem mais eclético. Um período compreendido entre os anos 50 e o início dos 70, em que três nomes eram sinônimos de música para dançar: Waldir Calmon, Moacyr Silva e Meirelles. Pois os três músicos e maestros estão de volta ao mercado fonográfico, com suas orquestras, em três CDs lançados pela EMI/Copacabana. Os dois primeiros na série Seleção de Ouro/20 Sucessos e o terceiro na série Raízes do Samba.

O mais famoso dos três – pelo menos de nome – é Waldir Calmon. Depois de desistir da carreira de cantor e de ter mudado de nome de Valdir Gomes para Waldir Calmon, ele atuou em rádios, cassinos, boates, chegou à TV em seus primórdios, adquirindo um prestígio crescente, quando abriu a famosa boate Arpège, no Leme, sendo um dos nomes que mais marcaram a noite carioca da virada dos anos 50 para os 60, ao lado de Djalma Ferreira e Ed Lincoln. E vendia disco mesmo. Os vários volumes de seu álbum Feito para Dançar eram a coqueluche da época. A partir de fins dos 50, Waldir passou a utilizar o solovox, um aparelhinho que acoplado ao piano fornecia um som de órgão inconfundível, ainda que de gosto discutível. Esse som, chamado até bem pouco tempo de música de elevador, passou a ser cultuado por jovens de todo o mundo sob o rótulo de lounge music.

No CD dedicado a Calmon, temos a fase mais comercial de sua obra e vemos que ele era capaz de tudo a bordo de seu piano – com ou sem solovox. É curiosíssimo ouvir, por exemplo, sua versão sambalanço para Rock Around The Clock. E que tal uma versão em mambo/calypso de O Sole Mio? Já Embraceable You, ele transformou em bolerão e o tema do filme Never on Sunday virou cha-cha-cha. No CD, há espaço ainda para as latinas Tequila, Calypso, Matilda, El Bodeguero, temas de jazz (Misty), mais cha-cha-cha (Las Secretarias e Adios) e até para a melodia oriental (e irresistível) de Mercado Persa. Cafona sim, mas tente ficar parado...

Sax que resiste ao tempo
Contemporâneo de Calmon, Moacyr Silva é um saxofonista que produziu um som menos datado para dançar. São músicas tocadas de uma forma envolvente que poderíamos ouvir perfeitamente hoje em dia num local sofisticado. Assim como Waldir Calmon, Moacyr chegou a pertencer à orquestra de Zaccarias, atuando no Copacabana Palace. Tocou ainda na Gafieira Elite, integrando depois a Orquestra do maestro Fon-Fon; foi do cast da Rádio Mayrink Veiga, como integrante da orquestra do maestro Peruzzi, até que em 1953 formou seu próprio conjunto. Nessa época, acompanhou Dolores Duran na lendária boate Vogue, em Copa.

Foi justamente na primeira metade dos anos 50 que Moacyr começou a gravar seus próprios discos, além de acompanhar Elizeth Cardoso e Marisa Gata Mansa, e de produzir vários discos na gravadora Copacabana. Com muitas solicitações para tocar em bailes, acabou adotando o pseudônimo de Bob Fleming, gravando diversos discos na London, que venderam bastante – talvez porque muitos achavam ser Bob um músico americano.

Em seu CD, também da série Seleção de Ouro, à exceção de Chove Lá Fora, de Tito Madi, em ritmo de valsa, e de dois indefectíveis boleros – Dans Mon Île e Sabor a Mi – há três gêneros básicos que se alternam: jazz, bossa nova e sambalanço. Em jazz, há April in Paris, Georgia on My Mind, Fly Me to the Moon e Night and day. Em bossa nova: Este Seu Olhar, Insensatez, Samba de Verão, Preciso Aprender a Ser Só, Pra Machucar Meu Coração e até mesmo dois standards americanos: Tenderly – lançada pelo nosso Dick Farney nos anos 40, nos Estados Unidos – e a eterna Laura, que Frank Sinatra, tanto cantou. O sambalanço comparece com E Daí? (Miguel Gustavo) – sucesso de Isaurinha Garcia, regravada por Elizeth, Maysa e tantas outras –, Olhos verdes (Vicente Paiva) – hit de Dalva de Oliveira – e Na Cadência do Samba (Ataulfo Alves e Paulo Gesta).

Macumba pra turista
Fechando a trinca, o CD do saxofonista, flautista e arranjador Meirelles volta à cena na série Raízes do Samba. Ele surgiu na época do Beco das Garrafas, tocando bossa nova. Depois arranjou o primeiro LP de Jorge Ben (Samba Esquema Novo, do clássico Mas Que Nada) todo arranjado por Meirelles. Nessa época, o trio já havia formado quinteto, o Copa 5. Com este, Meirelles gravou alguns discos. Depois, excursionou pela Europa, e acabou os anos 60 sendo diretor artístico da Odeon, já líder do Copa 7. Participou também de inúmeras gravações com o primeiro time da MPB, como Silvia Telles e Maria Bethânia.

A coletânea apresenta o repertório de discos que gravou no final dos anos 60 e início dos 70. Com muita ênfase na percussão, três desses LPs (que muniram grande parte da compilação) foram feitos para a série Brazilian Beat, da Odeon (que os maestros Cipó e Nelsinho também participaram em outros volumes). Visando ao público estrangeiro, grande parte das faixas apresenta um coral entoando sambas clássicos (Madureira Chorou, Nega do Cabelo Duro, Agora É Cinza) e instrumental com muita ênfase na percussão. É uma divertida macumba pra turista. Mas nem tudo fica nesse filão.

A coletânea pinçou do LP Brazilian Explosion (1974) uma deliciosa versão kitsch, com sintetizador Moog, de Na Baixa do Sapateiro, obra-prima de Ary Barroso que parece resistir às interpretações mais esdrúxulas. Na mesma linha de arranjo está o samba-funk Kriola (Helio Matheus), retirada do mesmo vinil. Outra pérola. Já Regra Três (Toquinho e Vinicius), Sá Marina (Adolfo e Gaspar), mais as manjadas Águas de Março, Garota de Ipanema, País Tropical e Aquarela do Brasil aparecem em versões mais light, sem sintetizadores, mas com sopros à la Burt Bacharach. Infelizmente, seu lado mais inventivo, investido em outras bossas, não entrou na coletânea por estar presa à temática do samba.