Daniel Gonzaga e a herança do rei do baião

Neto de Luiz Gonzaga e filho de Gonzaguinha, o jovem cantor homenageia o avô com disco acústico

Marco Antonio Barbosa
30/08/2001
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Os laços de família são implacáveis, para o bem ou para o mal. Daniel Gonzaga, filho de Gonzaguinha e neto de Luiz Gonzaga, sabe muito bem disso - e ao invés de nadar contra a corrente, entregou-se ao fino da tradição musical de seu clã. O jovem cantor acaba de lançar o álbum Um Banquinho, um Violão... ouvir 30s (Seven Music), composto por releituras de músicas do avô (e uma do pai), em um formato despojado, acústico. O novo disco, para Daniel, soa absolutamente natural e coerente com sua trajetória artística pessoal, que independe de sua filiação. Ainda que o cantor tenha tido de lutar contra o que ele chama de "bloqueio", justamente por ser filho e neto de artistas consagrados.

"Esse disco é como uma dívida que eu tinha de pagar", fala Daniel sobre o tributo ao avô. "Além de serem todas músicas que eu canto desde que era pequeno, também era um projeto idealizado há muito tempo, essa homenagem ao Gonzagão. Já toco essas mesmas músicas com minha banda há anos. A (gravadora) Seven me convidou para fazer este disco acústico, aproveitei para pôr o tributo em prática." O cantor prossegue: "Sinto um orgulho muito grande em reinterpretar esse repertório maravilhoso. São músicas que todo mundo conhece, sabe cantar junto. Para mim, este álbum é como se fosse um brinquedo novo, que me traz ótimas lembranças pessoais e musicais. Essas músicas, este disco, também fazem parte de mim; são fotografias da minha realidade."

Há várias marcas registradas do rei do baião no álbum de Daniel. Sucessos inevitáveis como Asa Branca, Qui Nem Jiló e Xote das Meninas dizem presente. Mas também há outras canções menos conhecidas, como Baião da Garoa e Estrela de Ouro. "São umas coisas meio 'lado-B' do Gonzagão", diz Daniel. "Quis equilibrar, não colocar só músicas muito conhecidas. Mas algumas, como Asa Branca, não dava para não pôr." Uma única canção de Gonzaguinha, Festa, é apontada por Daniel como um momento marcante na união das três gerações de músicos. "Incluí Festa no disco porque ela representa o 'lado Gonzagão' do meu pai. Todo mundo vê meu pai como um compositor mais urbano, mas ele também tinha esse lado agreste, nordestino. E agora, com a minha gravação, a música foi cantada por avô, pai e neto", conta o filho de Gonzaguinha.

Um Banquinho, um Violão... faz parte de uma coleção/projeto da gravadora Seven, que vai lançar outros discos no mesmo formato. Os álbuns devem obedecer aos mesmos critérios: têm de ser gravados ao vivo em estúdio, só com instrumentos acústicos de corda. "Foi um desafio transpôr as músicas do Gonzagão para arranjos só de violão", lembra Daniel. "A sanfona é um instrumento muito mais rico, mais cheio de timbres simultâneos. Acabou dando certo, e as músicas ficaram mais com a minha cara. Ao mesmo tempo, escapamos de ser rotulados nessa onda de forró, porque a percussão não ficou tão marcante quanto nas versões originais." Acompanhando Daniel, seus companheiros de banda João Gaspar (violão) e Pedro Moraes (baixo), que já estavam suficientemente entrosados. "Tocamos juntos há sete anos e conhecemos essas músicas de cor", fala Daniel.

No processo de "dar sua cara" às músicas do avô, Daniel acabou incorporando certas influências a princípio alienígenas à obra do Velho Lua. "Aproveitei para fazer certas mudanças nas músicas que eu já queria fazer há muito tempo", afirma o cantor. "Uma coisa que sempre esteve na minha cabeça era a proximidade do xote com o blues. Ouço um no outro e vice-versa. São ritmos parecidos em sua raiz. E eu ficava pensando em botar isso na música do Gonzagão." Isso acaba transparecendo nos toques de slide guitar em músicas como Sabiá e Baião da Garoa. "Mas não fazemos um blues puro. Está mais para uma mistura de blues e música cubana", explica Daniel.

Daniel acredita que sua própria musicalidade não será eclipsada pela reverência ao universo do avô. "Já tenho dois CDs lançados (Sob o Sol, de 1996, e Os Passos na Passarela, de 1998), ambos basicamente autorais; continuo compondo muito, e tenho o respeito da minha geração de artistas. Sinto-me bem na posição em que estou agora, e que estou colhendo o que plantei." Mas não foi sempre assim. "Logo que surgi, ouvi muita gente me dando conselhos do tipo 'ah, vamos gravar um disco com músicas de seu pai', sem me dar nem chance de mostrar a que vim. Mas eu resisti. Isso é que eu chamo do bloqueio do filho de artista. Antes de me conhecer, as pessoas já têm uma idéia formada de mim, só pela história da minha família."

Pronto a retomar sua trajetória musical própria, Daniel já tem planos para seu terceiro álbum "oficial". "Vai ser um disco apenas de músicas minhas, e terá parcerias com gente como Bernardo Lobo e Kiko Furtado", cita o cantor. Além disso, um segundo tributo - dessa vez a seu pai - está no horizonte do filho de Gonzaguinha. "Quero muito mexer nas músicas do meu pai, reinterpretá-las danielgonzagamente", diz Daniel.