De Falla: mais 15 minutos de cretinice

Grupo estréia nova formação e anuncia retorno ao rock depois de ter embarcado na onda funk

Marcus Marçal
24/07/2001
Desde a última aparição do grupo De Falla, muita gente boa pensou: "Agora esses caras foram longe demais". Isso porque entraram numa de formatar o som da banda com referências do Miami bass e do funk carioca, o que causou espanto até nos fãs mais atentos do grupo. De qualquer forma, toda aquela mulambice tinha a ver com o espírito original do grupo: o de se apropriar de referências sonoras para escandalizar geral com o restrito gosto musical e a mentalidade sectária do público consumidor roqueiro.

Para muitos, tudo não passava de uma grande farsa, uma vez que os shows da banda sempre foram caóticos, ao ponto da bagunça se tornar marca registrada. Líder e mentor do grupo desde o início das atividades em 1984, Edu K fala da nova reaparição do grupo: "É aquela fanfarronice que todo mundo já conhece, mas sempre damos um jeito de nos superar e zoarmos ainda mais bagaceiros (rindo)".

Mas isso não quer dizer falta de profissionalismo, uma vez que o frontman leva sua loucura bastante a sério. "Sempre fomos assim, mas agora assumimos radicalmente essa postura. De Falla agora é só um nome: as pessoas vão estar tocando as músicas, o que pode vir a ser qualquer coisa. Quer dizer, é uma entidade e, daí em diante, pode baixar qualquer santo", diz o vocalista, esculhambando o próprio conceito do grupo. Por falar na versão 2001 do De Falla, a formação atual conta com Edu K (vocais), o ex-baixista Z (agora na guitarra), Dani no baixo (filho de Dadi, ex-A Cor do Som), Kassin (piano, praticamente um "arroz-de-festa" do rock carioca, já que participa de inúmeros projetos musicais), Glauco (bateria, ex-Júpiter Maçã) e a "paquita do inferno" Syang - conforme era conhecida nos tempos do PUS - na outra guitarra.

Edu define o novo line up: "É uma ótima banda, acho que é a melhor formação do De Falla em todos os tempos! E o bacana é porque todos são superstars! O De Falla sempre teve esse conceito, só que ele nunca deu muito certo porque os outros integrantes não entravam muito nessa viagem. Mas não quero saber de banda que só o vocalista é estrela - todo mundo tem que ser e suar sangue no palco".

O lance ali é tão profissional que nem mesmo laços familiares foram suficientes para que seu irmão Chilli Willi continuasse no De Falla. "Essa foi a parte mais dolorosa. Na verdade, não foi que eu o limei, o que acontece é o seguinte: em toda a nossa carreira - eu e o Z já tocamos há anos, mesmo que separadamente - estivemos limitados por essa questão de São Paulo/Rio/Porto Alegre... É uma situação complicada e não tem como resolver isso. E ultimamente então, que as coisas andam de mal a pior para gravadoras, bandas e afins, não tem como uns caras morarem por lá e outros aqui. Então foi o que eu disse para os caras: ‘ou vocês vêm para cá ou então vamos montar outra banda por aqui’. Não foi do tipo ‘ah, vocês estão limados’ - ainda mais com o meu irmão, um cara que eu adoro e era do cacete dentro da banda. Mas nada impede que ele volte a integrar o De Falla no futuro. Na verdade, quando te falei que só agora eu descobri, quer dizer que talvez só agora eu tenha aceito que o De Falla a partir de agora vai ser qualquer coisa, sempre. Isso porque, durante um bom período, eu tentei me esforçar em dar uma seqüência ao trabalho, mas isso não existe para mim"."

O set list a ser apresentado no show de estréia da nova formação, dia 21 (no Cine Íris/RJ) é de tamanho médio, ainda não é a apresentação completa com a qual pretendem se promover. Tanto é que o De Falla só vai tocar músicas do disco novo - Superstars - incluindo alguns covers de Rolling Stones, Led Zeppelin e Marc Bolan & T-Rex. "É a 'doença' do Keith Richards, essa fixação total que eu tenho pelo trabalho dele. Estão no repertório Satisfaction, Jumpin’ Jack Flash, Brown Sugar, Rock’n'Roll (do Led Zeppelin) e Popozuda. São as únicas músicas que vamos tocar de outras bandas". Edu K se diverte ao incluir como cover o hit pancadão-shock-de-monstro que foi emblema da fase Miami Rock do grupo.

O líder do De Falla reclama da repercussão que o último álbum obteve junto a massa roqueira: "Ninguém entendeu o Miami Rock 2000 ouvir 30s (N.R.: último lançamento do grupo), mas era um disco de rock. Não tinha nada daquela coisa de dizerem "ah, os caras fizeram um disco para ganhar grana, se venderam...’ Essa parada que o pessoal fala é coisa de hippie, e como é que um guri de quinze anos hoje pode ser hippie? Não pode, ele tem de ser um cara de hoje em dia... Só que os caras não têm cabeça, não têm cérebro. Popozuda é completamente AC/DC, se você tirar a batida. E é legal porque hoje a tocamos desse jeito, então talvez agora as pessoas possam entender porque o Miami era um disco de rock".

Mas para não rolar dúvida nenhuma, o pessoal agora embarcou numa viagem rumo aos anos 70, com explícitas referências ao rock’n’roll testosterona da época - apesar de o material promocional sugerir uma certa boiolice. "É, mas o som não é glam - é rock’n’roll anos 70. Mas não deixa de rolar aquela característica do De Falla de dar uma misturada, mas é muito de leve. Talvez seja o som mais puro que fizemos na nossa vida. Isso porque, antes de tudo, não sou vocalista - tudo começou porque quis aprender a tocar guitarra. Comecei tocando rock, sempre fui tarado por isso; com nove anos de idade, eu tinha cabelo até à bunda, por causa das bandas da época. Então essa fase agora é legal por causa dessa volta às origens. E também faz referência àquela fase do Screw You (disco de 1989 da banda, quando eles cairam para o hard rock puro), mas as músicas estão muito melhores. Isso porque naquela época, não sabíamos se éramos heavy metal, não me decidia se era o Luiz Carlini ou o Max Cavalera. Isso porque, como você vê, não sou um criador, sou um copiador - meu lance é copiar coisas bacanas que os outros fazem", define assim o vocalista o atual som da banda.

E aproveita para tecer comentários sobre o novo visual. "Pois é, a viadagem máxima e completa (rindo)! Foi até legal mencionar o glam rock, até porque não falamos muito disso porque, na verdade, não tem muito a ver. Mas David Bowie é Deus para nós, assim como o Keith Richards, que é a principal referência. Então tem esse lance, são as entidades secundárias da parada. Tem a ver com esse lance porque nos maquiamos, existe toda uma história que vai para o lado glam. Seria como a interpretação do glam que os Stones fizeram, é por aí o negócio - não é totalmente assumido, tampouco aqueles bunda-moles cantando "Satisfaction" de terninho no programa do Ed Sullivan. Até porque a minha fixação total e doentia é com o (álbum) Exile on Main Street, entre 1971 e 1972 - na verdade, é a fase absurda dos Stones. Foi uma coisa incrível que aconteceu ali naquele momento."

Já que se trata de uma volta às origens, então qual seria a principal diferença entre a fase atual e a do Screw You? "Falo em um som mais puro porque não rolam misturas; só não é totalmente porque têm loopings de bateria eletrônica. Gravei o disco em casa sozinho, toquei e cantei tudo. E no show tem a banda, mas também usamos a bateria eletrônica. E é um lance legal porque é como se fosse a parte boa do Fatboy Slim - tipo aquele clima de modernidade aceitável. Isso porque, na verdade, essa nova fase é uma resposta à onda de modernidade fracassada que estamos vivendo. Isso porque diziam: ‘ah, nos anos 90, o lance é agora o techno, que a música eletrônica é uma revolução...’ E agora vemos que não deu em nada, como todas as outras coisas. Então a resposta agora é voltar para a caverna. Pelo menos foi a que encontramos", complementa o raciocínio anterior.

Em se tratando de De Falla nunca se sabe quanto ao futuro do grupo, alguém se habilita a adivinhar a próxima cartada da auto-denominada banda mais escrota do país? Nem o próprio Edu K fala sobre o assunto, portanto o lance agora é ver que bicho vai dar!