De Menos Crime coloca fogo no rap nacional

Banda de São Mateus lança Rap das Quebradas e espera repetir o êxito do álbum anterior, São Matheus Pra Vida, que já vendeu mais de 150 mil cópias

Tom Cardoso
15/02/2001
No Jardim Conquista, distrito de São Mateus, periferia da periferia de São Paulo, as 149 travessas (não são chamadas de ruas porque só uma ou outra é asfaltada) são batizadas a partir de boleros, sambas e músicas de outros gêneros da MPB - Vereda Tropical, Sandália Cor de Prata, Sangue Latino, entre outros. Porém, o ritmo predominante é o rap - e não poderia ser outro. O bairro é atualmente um dos mais violentos do mundo, com uma média anual de 70 homicídios por cada 100 mil habitantes. "Aqui a polícia só vem para arrombar o nosso barraco e pegar os corpos no chão das ruas", diz Mago Abelha, que, junto com Mikimba, Lerap e DJ Vlad, forma o De Menos Crime, banda nascida na região e que acaba de lançar o seu terceiro álbum, Rap das Quebradas amostras de 30s.

Apesar dos 14 anos de estrada, o grupo só estourou pra valer com o segundo disco, São Matheus Pra Vida amostras de 30s (1998), que, no boca a boca, conseguiu vender mais de 150 mil cópias. Essa vendagem só foi alcançada graças aos versos poderosos de Fogo na Bomba ("bebida, química, nada disso ameniza/ prefiro ficar na brisa sem desarrumar (....) e daí como é que é ....tsssssssiiiiiiiiii / fogo na bomba ...."), que fez com que a banda criasse fama de maconheira e encarasse os velhos problemas com a polícia, já comuns no cotidiano de grupos como Planet Hemp e Pavilhão 9. "Fomos impedidos de tocar várias vezes e convivemos diariamente com a repressão policial", denuncia Lerap.

Como o aguardado álbum do Racionais MCs ainda não começou circular nas lojas de discos e nos camelódromos, a expectativa se voltou para o novo CD do De Menos Crime. A gravadora não é mais a mesma (eles romperam contrato com a Kaskatas Records e assinaram com Sky Blue/RDS), mas as letras continuam fortes e criativas. "Não há como fugir dos mesmos assuntos, como violência policial, desemprego, preconceito da sociedade, se nossa vida continua igual", diz Lerap, com a experiência de quem convive com todos esses problemas no dia-a-dia. "Outro dia mesmo a polícia chegou atirando no bairro e eu tive a minha televisão e o rádio furados pelas balas."

Embora Rap das Quebradas tenha sido aguardado com uma certa ansiedade pelo movimento hip-hop, a divulgação do disco continua precária. Nada de participações em programas de televisão, entrevistas coletivas etc. A propaganda é feita mesmo na raça, com ajuda das rádios comunitárias e alguns shows na periferia e, principalmente, em presídios. "Já fizemos muitos shows no Pavilhão 7 (onde conheceram Dexter, que ainda não havia formado o 509-E), no Carandiru, e já temos outro agendado no Pavilhão 9", diz Abelha.

Outro lugar onde o grupo se sente à vontade para divulgar seu trabalho é nas pistas de skate. Mikimba é praticante do esporte e faz a ponte para a banda tocar em campeonatos pelo Brasil. No começo da década de 90, o De Menos Crime tocou num torneio na Praia Grande, litoral de São Paulo, e impressionou uma turma de músicos e skatistas, liderada por um tal de Chorão. Era a galera que mais tarde iria formar o Charlie Brown Jr. "A gente se entende muito bem com eles, mesmo com influências musicais diferentes", conta Lerap. Neste ano, Mikimba dividiu uma parceria com Chorão, no novo disco do Charlie Brown (Nadando com os Tubarões amostras de 30s), na faixa A União Prevalece.

Se os shows não rolarem, a vida ficar dura e o dinheiro faltar, o De Menos Crime conta sempre com a ajuda e a solidariedade dos outros grupos de São Mateus. Um núcleo de produção foi criado no bairro, com o nome de Banca D.R.R. Fazem parte dele, além do DMC, bandas como Fim do Silêncio, Sistema Central Cerebral, Homens Crânios, entre outros. Uma coletânea já foi lançada, DRR - Invadindo o Sistema, e outros projetos são discutidos diariamente, como a criação de uma gravadora independente e um centro cultural. "A gente é muito unido. Um participa do disco do outro, ajuda nas negociações com as gravadoras", conta Lerap. Há pouco tempo, a Polícia Militar arrombou e destruiu o barraco em que o D.R.R. fazia as suas reuniões. O motivo da invasão: nenhum.

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