Debate em São Paulo põe os críticos na parede
Evento organizado pela Associação Paulista dos Críticos de Arte aborda temas como indústria cultural e gosto pessoal, colocando frente a frente músicos e jornalistas
Carlos Calado
17/10/2000
Compositores e intérpretes de música popular brasileira tiveram a chance de questionar pessoalmente o trabalho dos críticos, ontem à noite, em debate promovido pela APCA (Associação Paulista dos Críticos de Arte), no Centro Cultural São Paulo. Com mediação da jornalista Leila Reis, participaram da mesa de debatedores o compositor José Miguel Wisnik, a cantora Rita Ribeiro e o músico Helder Vasconcelos (da banda Mestre Ambrósio), além dos críticos Mauro Dias (O Estado de S. Paulo) e Pedro Alexandre Sanches (Folha de S.Paulo). Outros músicos, como Carlos Careqa e Hélio Ziskind, também se manifestaram na platéia.
"O grande problema da crítica no país é a desqualificação. Você tem caras completamente desqualificados para esse trabalho nas redações", disse Helder Vasconcelos, abrindo o debate. Apesar de sua dura constatação, o músico pernambucano ressaltou que as primeiras críticas favoráveis ao Mestre Ambrósio, publicadas em jornais paulistas e cariocas, foram fundamentais para que seu grupo se projetasse em âmbito nacional. "Não vejo onde exista uma crítica musical no resto do Brasil. Isso só acontece no Rio e em São Paulo", prosseguiu a maranhense Rita Ribeiro, ligando a precariedade da crítica no país à falta de formação do povo brasileiro. "É bom ter alguém futucando a gente para nos fazer pensar", comentou a cantora.
Mais penetrante foi a intervenção de Wisnik. O compositor e professor de literatura chamou atenção para o fato de artistas e críticos da imprensa serem obrigados a assumir papéis que os distanciam. "Ambos acabam em posições que tendem ao ressentimento ou ao instrumentalismo", analisou, observando que se os artistas precisam dos críticos para se projetarem na mídia, os críticos também usam suas opiniões sobre os artistas para se impor em seu meio profissional. "A indústria cultural é feroz, e ter um lugar na mídia é crucial para ambos", disse o compositor paulista, que fez questão de trazer à discussão o recente Festival da Música Brasileira da Rede Globo. "Participei para melhorar o nível do festival", declarou. E ao ser interrompido por Mauro Dias ("o festival da Globo não tratou de música, mas de pirotecnias e entrevistas engraçadinhas", comentou), Wisnik aproveitou para questionar a atitude do crítico. "Você não disse isso no texto que escreveu em seu jornal sobre o festival", disse, sem ser respondido posteriormente.
"O gosto pessoal do crítico é determinante em sua crítica?", perguntou a mediadora Leila Reis, ao passar a palavra aos dois jornalistas convidados. "Procuro fugir de meu gosto pessoal. Quem escreve sobre música precisa conhecê-la tecnicamente. Um compositor como Cartola não precisava, mas o crítico sim", afirmou Mauro Dias. Já o crítico Pedro Alexandre Sanches começou com uma autodefesa irônica: "Acho que não faço crítica de gosto, porque dizem que eu pareço não gostar de nada. Mas, ao contrário do que dizem, eu falo bem de muita coisa", retrucou. "Tento instigar o leitor a ouvir o trabalho daquele artista e avaliar por si mesmo."
Crítica e indústria
A relação dos críticos com o esquemão das grandes gravadoras e da Rede Globo, que praticamente decidem o que vai fazer sucesso, também foi bastante questionada ao longo do debate. "Até que ponto a crítica não é condescendente com a indústria cultural?", alfinetou o compositor paranaense Carlos Careqa, levantando-se na platéia. "Nem tudo que está nela é ruim", discordou Mauro Dias, afirmando que o crítico preciso estar atento à indústria cultural. "Chico César e Lenine são exemplos de artistas que impuseram seus padrões à indústria. Não é fácil, mas isso existe", argumentou o jornalista. "Eu acho que a crítica é bem boazinha no Brasil. Se o cara está usando drum’n’ bass é considerado legal", ironizou Careqa. "Houve momentos em que se ouviu no Brasil música de alta qualidade, e que vendeu muito. Hoje está havendo um estreitamento dessa qualidade. A crítica tem um papel importante nisso", apontou Wisnik.
"Por mais que eu queira ser rebelde frente à indústria, eu trabalho num dos maiores jornais do país, que é equivalente à Rede Globo", prosseguiu Sanches, definindo sua relação com ela como uma "relação de crise". "Fico revoltado com a indústria. Acho que faço uma crítica mais política do que artística. Exerço uma pressão sobre a indústria com o respaldo que o jornal me dá", disse o crítico da Folha de S.Paulo, questionado diretamente por Hélio Ziskind (ex-Grupo Rumo), na platéia. "Gasto meses fazendo um trabalho que vai passar pelo crivo de um cara que diz só ter 2 minutos para me ouvir", reclamou o compositor, fazendo uma espécie de apelo que deveria ser retomado como tema de um próximo debate, já prometido oficialmente pela representante da APCA: "Precisamos fazer um acordo pelo conteúdo. Gil e Caetano são de um tempo em que a indústria precisava de música para se construir. Hoje ela não precisa mais de música".
Uma constatação terrível, que deveria preocupar tanto os artistas como os críticos de música.
"O grande problema da crítica no país é a desqualificação. Você tem caras completamente desqualificados para esse trabalho nas redações", disse Helder Vasconcelos, abrindo o debate. Apesar de sua dura constatação, o músico pernambucano ressaltou que as primeiras críticas favoráveis ao Mestre Ambrósio, publicadas em jornais paulistas e cariocas, foram fundamentais para que seu grupo se projetasse em âmbito nacional. "Não vejo onde exista uma crítica musical no resto do Brasil. Isso só acontece no Rio e em São Paulo", prosseguiu a maranhense Rita Ribeiro, ligando a precariedade da crítica no país à falta de formação do povo brasileiro. "É bom ter alguém futucando a gente para nos fazer pensar", comentou a cantora.
Mais penetrante foi a intervenção de Wisnik. O compositor e professor de literatura chamou atenção para o fato de artistas e críticos da imprensa serem obrigados a assumir papéis que os distanciam. "Ambos acabam em posições que tendem ao ressentimento ou ao instrumentalismo", analisou, observando que se os artistas precisam dos críticos para se projetarem na mídia, os críticos também usam suas opiniões sobre os artistas para se impor em seu meio profissional. "A indústria cultural é feroz, e ter um lugar na mídia é crucial para ambos", disse o compositor paulista, que fez questão de trazer à discussão o recente Festival da Música Brasileira da Rede Globo. "Participei para melhorar o nível do festival", declarou. E ao ser interrompido por Mauro Dias ("o festival da Globo não tratou de música, mas de pirotecnias e entrevistas engraçadinhas", comentou), Wisnik aproveitou para questionar a atitude do crítico. "Você não disse isso no texto que escreveu em seu jornal sobre o festival", disse, sem ser respondido posteriormente.
"O gosto pessoal do crítico é determinante em sua crítica?", perguntou a mediadora Leila Reis, ao passar a palavra aos dois jornalistas convidados. "Procuro fugir de meu gosto pessoal. Quem escreve sobre música precisa conhecê-la tecnicamente. Um compositor como Cartola não precisava, mas o crítico sim", afirmou Mauro Dias. Já o crítico Pedro Alexandre Sanches começou com uma autodefesa irônica: "Acho que não faço crítica de gosto, porque dizem que eu pareço não gostar de nada. Mas, ao contrário do que dizem, eu falo bem de muita coisa", retrucou. "Tento instigar o leitor a ouvir o trabalho daquele artista e avaliar por si mesmo."
Crítica e indústria
A relação dos críticos com o esquemão das grandes gravadoras e da Rede Globo, que praticamente decidem o que vai fazer sucesso, também foi bastante questionada ao longo do debate. "Até que ponto a crítica não é condescendente com a indústria cultural?", alfinetou o compositor paranaense Carlos Careqa, levantando-se na platéia. "Nem tudo que está nela é ruim", discordou Mauro Dias, afirmando que o crítico preciso estar atento à indústria cultural. "Chico César e Lenine são exemplos de artistas que impuseram seus padrões à indústria. Não é fácil, mas isso existe", argumentou o jornalista. "Eu acho que a crítica é bem boazinha no Brasil. Se o cara está usando drum’n’ bass é considerado legal", ironizou Careqa. "Houve momentos em que se ouviu no Brasil música de alta qualidade, e que vendeu muito. Hoje está havendo um estreitamento dessa qualidade. A crítica tem um papel importante nisso", apontou Wisnik.
"Por mais que eu queira ser rebelde frente à indústria, eu trabalho num dos maiores jornais do país, que é equivalente à Rede Globo", prosseguiu Sanches, definindo sua relação com ela como uma "relação de crise". "Fico revoltado com a indústria. Acho que faço uma crítica mais política do que artística. Exerço uma pressão sobre a indústria com o respaldo que o jornal me dá", disse o crítico da Folha de S.Paulo, questionado diretamente por Hélio Ziskind (ex-Grupo Rumo), na platéia. "Gasto meses fazendo um trabalho que vai passar pelo crivo de um cara que diz só ter 2 minutos para me ouvir", reclamou o compositor, fazendo uma espécie de apelo que deveria ser retomado como tema de um próximo debate, já prometido oficialmente pela representante da APCA: "Precisamos fazer um acordo pelo conteúdo. Gil e Caetano são de um tempo em que a indústria precisava de música para se construir. Hoje ela não precisa mais de música".
Uma constatação terrível, que deveria preocupar tanto os artistas como os críticos de música.