Depoimentos revelam como surgiu o Capital Inicial

Leia trechos de livro sobre o rock de Brasília

CliqueMusic
18/05/2001
Confira aqui em CliqueMusic o trecho sobre o Capital Inicial do livro Diário da Turma 1976-1986: A História do Rock de Brasília (de Paulo Marchetti. São Paulo, Conrad Editora, 2001).

O repertório, até poucos meses após a entrada de Dinho, era pesado e com letras tipicamente punks. Depois foram surgindo as baladas e músicas com apelo mais pop como "Prova", "Descendo o Rio Nilo" e "Leve Desespero".

Quando se mudaram para São Paulo, em 85, chegaram a dividir um apartamento com o pessoal do Camisa de Vênus e, por isso, fizeram muitos shows juntos. Foram apenas com a cara, a coragem e a promessa de gravar um compacto. Em 86, conseguiram gravar o primeiro disco. Durante as gravações, o produtor e tecladista Bozo Barretti entrou para a banda. O disco vendeu muito bem, foram 250 mil cópias (pra época, um número absurdo).

O segundo disco, Independência, também vendeu bem, mas não como o primeiro. Assim aconteceu com os outros discos. Até que problemas na banda culminaram na saída de Bozo no início dos anos 90.

Em 93, a relação desgastada entre Dinho e a banda fez com que ele saísse do Capital para a entrada de Murilo, que chegou a gravar dois discos. Em 96, Loro voltou a Brasília e quase chegou a abandonar o Capital Inicial. Em 98, o Capital voltou a tocar com sua formação clássica.

 

LORO - Chegamos a convidar o André Mueller para tocar baixo no Capital. Só não rolou porque ele estava montando a Plebe Rude. O André já sabia tocar e o Flávio, apesar do Aborto, não sabia.

FLÁVIO - Lembro que estávamos numa festa, logo depois do fim do Aborto, e o Fê e o Loro resolveram levar um som lá em casa, no Lago Norte. Assim pintou o Capital Inicial. Nos primeiros ensaios, rolaram três músicas, entre elas "Psicopata".

LORO - A Heloísa estudava com o Fê, na UNB, mas não era da Turma. Aí, um dia ele apareceu no ensaio dizendo que tinha conhecido uma menina que tocava guitarra, era canhota e cantava - mas ela não cantava nada e também não tocava nada, só era canhota. Um dos shows que fizemos com ela foi no Iate Clube. Ela era filha de militar e seu pai não queria que ela tocasse com a gente. Quando ela saiu da banda, falou pro pai que tinha de pegar o equipamento na casa do Fê. Ele mandou uma escolta do exército lá. Eles chegaram e perguntaram onde estava o "begue" (gíria para amplificador). Quando nós entregamos o "begue" eles não acreditaram, porque pensavam que se tratava de uma pessoa. Eles saíram de lá putos.

- A Heloísa chegava em casa pra ensaiar descalça. Ela vivia tomando bola, era muito louca. O Dinho entrou para o Capital em julho de 83, logo após o Festival da ABO. A estréia dele foi num show na UNB chamado Diga Adeus ao Vestibular. Só que a apresentação rolou na saída do vestibular e a última coisa que as pessoas queriam era ver um show. Havíamos comprado cerveja pra vender, mas eu e a Inês acabamos tomando todas.

Nossa primeira demo foi gravada na minha casa no Lago Norte, com o Jorge Maya (irmão de Toninho). Ele levou o equipamento e gravamos. Isso foi no fim de 83. Em 84, alugamos um estúdio de evangélicos e gravamos "Leve Desespero" e "Descendo o Rio Nilo". Essa fita foi parar na Rádio Fluminense e em São Paulo. Fizemos um show chamado 1984 junto com a Plebe Rude, no SESC (Serviço Social do Comércio). Tinha um cenário que era um varal com várias capas de disco penduradas.

O primeiro show que o Capital fez no Rio foi junto com Legião Urbana e Lobão e os Ronaldos, no Circo Voador, em 83. O show foi bem legal e o pessoal que o organizou resolveu repeti-lo em Brasília, em 84. Esse show marcou nossa saída de lá. Nessa época, a Legião estava no Rio gravando o primeiro disco. Foi, talvez, o primeiro show em que as pessoas de Brasília foram ver Capital e Legião, devido ao nosso pequeno sucesso. A maioria do público em nossos shows era da Turma, mas nesse a Turma era minoria. Esse show também marcou por termos recebido nosso primeiro grande cachê: um milhão de cruzeiros. Um ano antes, em 83, no show do Circo, recebemos dez mil cruzeiros (descontando a inflação do período, conforme o INPC/IBGE, o valor de 1984 é cerca de 35 vezes maior).

FLÁVIO - Tínhamos feito alguns shows com a Heloísa, inclusive um em Unaí, que foi o primeiro com cachê. Mas o primeiro show que o Capital gravou foi o da ABO. Costumávamos gravar ensaios, mas a qualidade nunca era boa, nunca dava pra escutar direito. Então escutamos a fita do show e vimos que não dava pra continuar com a Heloísa no vocal. Como foi o Fê que a chamou pra banda, ficou com ele a incumbência de tirá-la.

Acho que chegamos a fazer uns dois shows sem a Heloísa até que eu chamei o Dinho, que nunca tinha cantado. Mas sabíamos que ele tinha uma voz boa.

HELENA - Uma vez fomos eu e Dinho de mobilete até o Lago Norte, na casa do Fê, pra fazer teste para entrar no Capital Inicial. Deram uma música para cantarmos. O Dinho passou e eu não. Acho que, por causa da experiência com a Heloísa, eles não queriam mais saber de mulher na banda.

DINHO - O segundo show que eu dei com o Capital foi fora de Brasília, no Circo Voador, no Rio. Foi a primeira vez que as bandas de Brasília tocaram fora. Foi um monte de gente da Turma. Tocamos nós, Plebe e Legião. Isso foi em 83.

Lembro do show que teve na Escola Parque, onde tocou o Zero e os Virgens como banda de abertura, com Loro (no baixo), Eduardo e Zezinho (que mais tarde tocaram juntos no Finis Africæ). Gravamos uma música deles no segundo disco, chamada "Fantasmas". Lembro que fiquei assustado e comentei comigo mesmo: "Cara, essa banda é melhor que o Capital".

Entre as três bandas (Capital, Plebe e Legião), o Capital Inicial foi a última banda a gravar. Eu me lembro que ficamos um pouco chateados com o pessoal da Legião e da Plebe porque eles não nos ajudaram. Em 83, quando as bandas passaram a tocar no eixo Rio-São Paulo, começou a rolar uma corrida de cegos para conseguir uma gravadora.

Ficava aquele negócio de verquem ia se dar bem, quem era melhor, quem ia vender mais. Nesse primeiro momento, as bandas se afastaram e não se aproximaram mais. A colaboração entre elas acabou quando elas saíram de Brasília. A Escola de Escândalo e a Elite Sofisticada também sofreram com isso. Em 91, quando o Capital Inicial tocou no Rock in Rio 2, tive a idéia de chamar o pessoal da Turma pra participar do show, fazendo uma jam. Ninguém topou.

(...)