Derrocada estética veio antes do ocaso político
Wilson Simonal também perdeu seu público por gravar discos com repertório discrepante, que traziam clássicos ao lado de nulidades
Tárik de Souza
26/06/2000
Wilson Simonal integrou um núcleo informal de criadores e intérpretes que injetou em definitivo pop/rock e rhythm & blues no cenário da MPB. Dessa turma de origem suburbana, faziam parte o capixaba Roberto Carlos, que começaria tentando uma beirada na bossa nova na boate Plaza imitando João Gilberto, seu futuro parceiro Erasmo Carlos, inclinado ao rock desde o início mas também apto ao samba (Coqueiro Verde, Cachaça Mecânica), Jorge Ben, o samba esquema novo projetado a partir do Beco das Garrafas, bunker da bossa nova, e Tim Maia, o tardio papa do soul brasileiro, só revelado em 1970.
Por trás desse movimento, operava outro capixaba radicado no Rio, o compositor e produtor Carlos Imperial, militante da chamada juventude transviada da rua Miguel Lemos, em Copacabana. Foi ele quem implantou as carreiras de Roberto (recusado inicialmente por todas as gravadoras), Erasmo e Simonal, para quem destinou no começo dos 60 o cha cha cha Terezinha, primeiro hit do cantor. Mas a musiquinha ("Terezinha/todo dia/dança o cha cha cha") era simplória demais para as possibilidades/pretensões do iniciante.
E ele estreou em LP em 1963 (o mesmo ano da explosão de Jorge Ben, o ex-roqueiro Babulina) a bordo de um discaço, Wilson Simonal Tem Algo Mais, com arranjos do maestro modernista Lyrio Panicalli e uma contracapa bombástica do jornalista Ricardo Galeno pregando o "Brasil revolucionário" da bossa nova. No repertório, só papa fina, de Luiz Bonfá (Menina Flor) a Tito Madi (Balanço Zona Sul), Menescal & Bôscoli (Telefone) & Lula Freire (Amanhecendo), Marcos & Paulo Sérgio Valle (Tudo de Você). Embora sem sucesso de vendas, crescia a fama de Simona como uma espécie de cantor dos cantores: belo timbre, divisão rítmica afiada, acesso ao falsete e um scat jazzístico de entortar a matricial Sarah Vaughan, com quem chegou a duetar na TV.
No disco seguinte, A Nova Dimensão do Samba (1964), Panicalli já dividia arranjos com a revelação Eumir Deodato. A contracapa vinha inflada de elogios do mais influente crítico da época, Sylvio Tullio Cardoso (sob o pseudônimo de Sérgio Lobo). No cardápio, petardos como Nanã (Moacyr Santos), Rapaz de Bem (Johnny Alf), Inútil Paisagem (Tom Jobim & Aloysio de Oliveira) uma obscura e belíssima Só Saudade (Tom & Newton Mendonça) e um Lobo Bobo (de Ronaldo Bôscoli e Carlos Lyra, substituído erradamente na ficha técnica do CD pelo onipresente Carlos Imperial). O mesmo rigor de repertório – e o selecionado de maestros que a Panicalli e Eumir somaria Meirelles e Erlon Chaves – entraria nos LPs seguintes, Wilson Simonal (1965) e S’imbora (1966), este título tirado de uma das interjeições que usava para linkar passagens orquestrais.
Da pilantragem a Mamãe Eu Quero
A partir daí, aos poucos a bossa (onde nunca foi um grande vendedor) sai de cena e entra a toada moderna (Sá Marina) e mais adiante a pilantragem, estilo idealizado por seu mentor Imperial, Nonato Buzar (de Vesti Azul) e orquestrado por Cesar Camargo Mariano. Foi uma pré-discotheque nativa, reciclando a MPB e adjacências numa divisão dançante calçada por palmas derivada do gênero "a-go-go" de artistas "chicanos" como Chris Montez e Trini Lopez. Além de País Tropical, do comparsa de núcleo Jorge Ben, saíram desse forno entre outras Carango, Nem Vem que Não Tem (que mereceu uma incrível regravação em francês da atriz Brigite Bardot), Mamãe Passou Açúcar Ni Mim (todas de Imperial) e as folks Escravos de Jó e Meu Limão Meu Limoeiro, que o mesmo compositor teve a coragem de assinar além da (boa) protest song Tributo a Martin Luther King (parceria de Simonal com outro de seus ideólogos, Ronaldo Bôscoli).
Empolgado com o aplauso fácil dos refrões cantados num Maracanãzinho lotado, Simonal vinha de misturas cada vez mais discrepantes como toada moderna (Ana Cristina) com velhos clássicos (Atire a Primeira Pedra, Pensando em Ti) e até o carnavalesco Mamãe Eu Quero, num LP sugestivamente intitulado Alegria, Alegria Vol 3 ou Cada Um Tem o Disco que Merece.
Foi nessa virada dos 60/70 com o recrudescimento da ditadura e o aparecimento de acusações de colaboracionismo do cantor com a repressão que sua carreira desandou. Mas assinale-se: a débacle estética veio antes da política. Em 1972, na faixa-título do LP Se Dependesse de Mim (onde aparece com o rosto sério e mescla mediocridades a Noel Rosa e Gilberto Gil), ele canta um sintomático "quero o tombo/ e não a rasteira". Simonal ainda emplacaria mais adiante, Na Galha do Cajueiro do partideiro baiano Tião Motorista, mas a esta altura das mudanças de mercado, nem o povinho seleto da bossa nem a massa ululante cativada nos hit parades da vida seguiria atrás deste flautista de Hamelin às avessas.
Por trás desse movimento, operava outro capixaba radicado no Rio, o compositor e produtor Carlos Imperial, militante da chamada juventude transviada da rua Miguel Lemos, em Copacabana. Foi ele quem implantou as carreiras de Roberto (recusado inicialmente por todas as gravadoras), Erasmo e Simonal, para quem destinou no começo dos 60 o cha cha cha Terezinha, primeiro hit do cantor. Mas a musiquinha ("Terezinha/todo dia/dança o cha cha cha") era simplória demais para as possibilidades/pretensões do iniciante.
E ele estreou em LP em 1963 (o mesmo ano da explosão de Jorge Ben, o ex-roqueiro Babulina) a bordo de um discaço, Wilson Simonal Tem Algo Mais, com arranjos do maestro modernista Lyrio Panicalli e uma contracapa bombástica do jornalista Ricardo Galeno pregando o "Brasil revolucionário" da bossa nova. No repertório, só papa fina, de Luiz Bonfá (Menina Flor) a Tito Madi (Balanço Zona Sul), Menescal & Bôscoli (Telefone) & Lula Freire (Amanhecendo), Marcos & Paulo Sérgio Valle (Tudo de Você). Embora sem sucesso de vendas, crescia a fama de Simona como uma espécie de cantor dos cantores: belo timbre, divisão rítmica afiada, acesso ao falsete e um scat jazzístico de entortar a matricial Sarah Vaughan, com quem chegou a duetar na TV.
No disco seguinte, A Nova Dimensão do Samba (1964), Panicalli já dividia arranjos com a revelação Eumir Deodato. A contracapa vinha inflada de elogios do mais influente crítico da época, Sylvio Tullio Cardoso (sob o pseudônimo de Sérgio Lobo). No cardápio, petardos como Nanã (Moacyr Santos), Rapaz de Bem (Johnny Alf), Inútil Paisagem (Tom Jobim & Aloysio de Oliveira) uma obscura e belíssima Só Saudade (Tom & Newton Mendonça) e um Lobo Bobo (de Ronaldo Bôscoli e Carlos Lyra, substituído erradamente na ficha técnica do CD pelo onipresente Carlos Imperial). O mesmo rigor de repertório – e o selecionado de maestros que a Panicalli e Eumir somaria Meirelles e Erlon Chaves – entraria nos LPs seguintes, Wilson Simonal (1965) e S’imbora (1966), este título tirado de uma das interjeições que usava para linkar passagens orquestrais.
Da pilantragem a Mamãe Eu Quero
A partir daí, aos poucos a bossa (onde nunca foi um grande vendedor) sai de cena e entra a toada moderna (Sá Marina) e mais adiante a pilantragem, estilo idealizado por seu mentor Imperial, Nonato Buzar (de Vesti Azul) e orquestrado por Cesar Camargo Mariano. Foi uma pré-discotheque nativa, reciclando a MPB e adjacências numa divisão dançante calçada por palmas derivada do gênero "a-go-go" de artistas "chicanos" como Chris Montez e Trini Lopez. Além de País Tropical, do comparsa de núcleo Jorge Ben, saíram desse forno entre outras Carango, Nem Vem que Não Tem (que mereceu uma incrível regravação em francês da atriz Brigite Bardot), Mamãe Passou Açúcar Ni Mim (todas de Imperial) e as folks Escravos de Jó e Meu Limão Meu Limoeiro, que o mesmo compositor teve a coragem de assinar além da (boa) protest song Tributo a Martin Luther King (parceria de Simonal com outro de seus ideólogos, Ronaldo Bôscoli).
Empolgado com o aplauso fácil dos refrões cantados num Maracanãzinho lotado, Simonal vinha de misturas cada vez mais discrepantes como toada moderna (Ana Cristina) com velhos clássicos (Atire a Primeira Pedra, Pensando em Ti) e até o carnavalesco Mamãe Eu Quero, num LP sugestivamente intitulado Alegria, Alegria Vol 3 ou Cada Um Tem o Disco que Merece.
Foi nessa virada dos 60/70 com o recrudescimento da ditadura e o aparecimento de acusações de colaboracionismo do cantor com a repressão que sua carreira desandou. Mas assinale-se: a débacle estética veio antes da política. Em 1972, na faixa-título do LP Se Dependesse de Mim (onde aparece com o rosto sério e mescla mediocridades a Noel Rosa e Gilberto Gil), ele canta um sintomático "quero o tombo/ e não a rasteira". Simonal ainda emplacaria mais adiante, Na Galha do Cajueiro do partideiro baiano Tião Motorista, mas a esta altura das mudanças de mercado, nem o povinho seleto da bossa nem a massa ululante cativada nos hit parades da vida seguiria atrás deste flautista de Hamelin às avessas.