Diana Pequeno volta à cena resgatando os primórdios da MPB

Em novo CD, seu primeiro em 12 anos, cantora grava canções de Chiquinha Gonzaga, Villa-Lobos, Francisco Mignone e Carlos Gomes, mescladas a quatro inéditas de sua autoria

Rodrigo Faour
22/03/2001
Em meio ao boom feminino da MPB de fins dos anos 70, que revelou Elba Ramalho, Zizi Possi, Joanna, Ângela Rô Rô, Marina Lima, Amelinha, entre tantas, a baiana Diana Pequeno invadiu as rádios com canções como Blowing in the Wind (de Bob Dylan), Trem do Pantanal, Serei Teu Bem (versão de You've Got a Friend, sucesso de James Taylor) e Sinal de Amor e de Perigo, conseguindo prestígio na mídia até a primeira metade dos anos 80. Depois, sumiu. Ainda tentou voltar com um LP independente, em 89, mas a época estava mais para a música sertaneja-pop e a lambada. Resultado: de lá para cá, Diana restringiu sua atuação a pequenos shows pelo país. Disposta a reverter o quadro, a cantora lança mês que vem o CD Cantigas, pelo selo MEC, no qual resgata canções da virada do século XIX para o XX, além de incluir quatro inéditas de sua autoria, segundo ela, sem ferir o tom conceitual do disco.

"Continuei sempre trabalhando com música, mas me isolei do mercado. Você há de convir que ele é meio desgastante!", desabafa Diana. "Faltava uma motivação para voltar. O que ocorreu foi que, a partir do ano passado, com a ajuda de minha irmã Eliana, comecei a mergulhar fundo numa pesquisa musical de canções muito antigas, até que cheguei num trabalho que deu origem a este CD. Descobri que há canções bastante populares que poderiam ser mais conhecidas do público. Algumas delas chegaram a ser gravadas por cantores populares e outras nem isso. Então decidi resgatá-las", explica. Ela está falando de composições como Samba Clássico, de Villa-Lobos (na qual o compositor assinou até a letra da canção, com o pseudônimo de Epaminondas Vilauba Filho) ou da faixa-título, Cantigas, de Alberto Nepomuceno e Branca Gonta Collaço. "Adorei o nome dessa letrista. Não é maravilhoso?", diverte-se.

Outras pérolas resgatadas por Diana foram A Morena (um maxixe de Chiquinha Gonzaga, com letra de Ernesto de Souza), Não Vai Morena (Guerra Peixe), Maria (modinha recolhida na Bahia por Olga Braguer, com ares bem portugueses, cuja letra foi feita a partir de versos do livro Cachoeira de Paulo Afonso, de Castro Alves) e Canção Asturiana (Francisco Mignone). "O Mignone morou muito tempo na Espanha e compôs várias músicas não só em espanhol como por influência daquela atmosfera. Essa Canção Asturiana parece uma canção latina. Eliminei certas partes da harmonia e gravei-a somente com voz e percussão. Acho que nem ele imaginaria a canção dessa forma", conta.

Para que o consumidor não se assuste por ver um repertório desconhecido, ela também regravou canções mais divulgadas daquela época, com novas nuanças nas harmonias, tornando-as mais atuais, como as modinhas Quem Sabe (Carlos Gomes), Lua Branca (Chiquinha Gonzaga) e Ontem ao Luar (Catulo da Paixão Cearense e Pedro de Alcântara). "É impressionante como o tema do filme Love Story se parece com Ontem ao Luar. Parece até plágio", analisa. Também estão no CD as clássicas Casinha Pequenina (canção folclórica recriada por ela como uma espécie de ciranda-marcha), Prenda Minha (outra do folclore, no caso, gaúcho, recriada como um xote estilizado) e O Trenzinho do Capira (Villa-lobos, com toques jazzísticos).

Caymmi, Edu e inéditas de Diana no repertório
De compositores de uma época posterior, ela incluiu apenas a desconhecida Balada do Rei das Sereias (rara parceria de Dorival Caymmi com o poeta Manoel Bandeira) e Reza, de Edu Lobo. Para completar, decidiu também adicionar quatro composições inéditas de sua própria lavra: o maracatu Semanário, o folk Flores do Mal, o "bolero árabe" Azul e a contemplativa O Sol em Si (com clima new age). "Acho que elas se encaixaram bem nas canções antigas. É claro que quebrei a cabeça durante mais de um mês para elaborar a ordem das 18 faixas. Mas o resultado terminou ficando superinteressante", orgulha-se.

A cozinha de seu atual CD é minimalista. Diana é acompanhada somente por Délia Fischer (piano), na maioria das faixas. E em outras, ela conta também com Henrique Lissovsky (violão) e Edu Szajnbrum (percussão). O curioso é que esse tratamento instrumental parece remeter ao seu primeiro LP (RCA, 1978), recentemente relançado na série 2 LPs em 1 CD, da BMG amostras de 30s, junto com seu LP de 85. "É verdade, mas não foi intencional. A minha idéia inicial era redescobrir o Brasil através desse tipo de música antiga, com voz e piano. Depois, acabei incluindo algumas percussões e cheguei a esse formato, que parece o do meu primeiro disco", conta.

Quanto às novas linguagens da MPB, como o eletrônico e o rap, ela diz ainda estar um pouco distante. No entanto, se diz aberta a novas influências. "Depois desse disco, quero dar continuidade ao meu trabalho. Creio que poderei fazer arranjos influenciados pelas novas tendências musicais para as minhas músicas. Gostaria de usar no meu trabalho outras linguagens, outras referências de linhagem mais pop", diz. Enquanto esse novo momento não vem, ela quer caprichar é no novo disco.

"Como houve essa pesquisa toda feita por mim e por minha irmã, muitos dos detalhes sobre as músicas que estou gravando virão em pequenos verbetes no encarte, contextualizando-as. Inicialmente, queria até fazer um caderninho que acompasse o disco, mas por questões de custos não foi possível", lamenta. Apesar de não ser um trabalho fácil para o padrão radiofônico atual, Diana não esmorece e não quer abrir mão da qualidade. "Sei que o mercado está brabo. Mas creio que sempre existe alguém que quer ouvir coisas diferentes e pretendo contribuir com alguma coisa para que isso ocorra", dispara.