Disco traz de volta a voz noturna de Tito Madi

Precursor da bossa nova volta aos estúdios e grava CD com 17 faixas, entre inéditas de sua autoria e recriações de canções de Flávio Venturini e Ary Barroso

Rodrigo Faour
20/03/2001
Cantar de uma forma suave e despojada hoje é comum. Mas no início dos anos 50, os maiores cantores do Brasil ainda apostavam no dó de peito. Foi quando Tito Madi apareceu com suas composições sofisticadas, ideais para serem cantadas num clima intimista. Com seu estilo inconfundível e inalterado, ele voltou aos estúdios seis anos depois de seu último trabalho (Tito Madi, gravado com o pianista Gilson Peranzzetta, para a CID), registrando um novo CD com nada menos que 17 músicas, das quais oito são inéditas e levam a sua griffe. A bolachinha deverá ser lançada pelo paulista CPC-UMES ainda este semestre.

Além das novidades, Tito decidiu regravar algumas pérolas da MPB de uma geração posterior à sua. Canções de Sueli Costa & Abel Silva (Voz e Suor), Milton Nascimento e Fernando Brant (Fruta Boa) - essas duas do repertório de Nana Caymmi - e Flávio Venturini (Nascente). Tudo isso com arranjos e execução dos maestros Alberto Chimelli (piano) e Chiquito Braga (violão, guitarra e cavaquinho), mais José Luiz Maia (baixo, filho do lendário baixista Luizão Maia) e Rodolfo Novaes (sax).

Por que Tito voltou aos estúdios? "Primeiramente eu tinha comigo uma obrigação de mostrar uma fase nova das minhas músicas como compositor. Minha vida artística ficou conhecida por Chove Lá Fora, Cansei de Ilusões e Balanço Zona Sul. Sobrevivi muitos anos em cima desses sucessos. Acontece que há mais de 10 anos continuo compondo e guardando músicas, mas nunca tinha possibilidade de gravá-las. Agora finalmente vou poder mostrar um trabalho que venho realizando recentemente solo ou com parceiros como Mário Telles e Paulo César Pinheiro", explica.

Entre as compostas com Paulo César, Tito gravou Papéis Antigos e Dançador (esta com participação do grupo Os Cariocas) e com Mário, Águas Passadas. Fiel à canção romântica, o CD ainda terá valsas e sambas-canções. "Acho que minhas músicas atuais têm uma conotação um pouco mais moderna do que as que eu fazia antigamente", compara.

No capricho
Amante da MPB mais sofisticada, Tito ainda acredita que a música deve ter uma boa melodia, harmonia bem trabalhada e uma letra com vocabulário rico. Tudo com um caprichado arranjo, é claro! Por isso mesmo, ele não consegue se acostumar com a música que ecoa no mainstream atualmente. "A música brasileira está numa fase muito confusa, não tem muita coisa de que eu goste. Ainda prefiro ouvir um Djavan, uma Leila Pinheiro e alguns cantores que já não são tão novos na profissão. Estou meio tonto com essa mídia em cima dessas músicas que não têm nada a ver com música popular brasileira. São misturas confusas para um veterano como eu, acostumado às coisas mais calmas", desabafa.

Em suma, a preferência de Tito é pela delicadeza. Aliás, ele dispensa até mesmo canções muito ritmadas, tudo para que as pessoas possam prestar mais atenção aos detalhes de suas músicas e letras. Nada mais natural para quem sempre preferiu os espaços intimistas para se apresentar.

Tito freqüentou todo o circuito de bares e boates da cena carioca dos anos 50 aos 80, revezando-se nos palcos com cantoras como Helena de Lima e Marisa Gata Mansa. "Fui boêmio por necessidade", brinca. "Trabalhei 40 anos seguidamente na noite, especialmente a carioca. Na minha época, não tinha esse negócio de boate só no fim de semana. Era de segunda a sábado, pois havia público para todas essas noites."

"Havia muitos bares que tocavam a melhor música brasileira", recorda. "Comecei num chamado Scotch Bar, na Fernando Mendes, em Copacabana. Depois, a convite do (pianista) Ribamar, passei para o Jirau, que era um ponto de encontro de todos os cronistas da época, como Sérgio Porto, Fernando Lobo, Antonio Maria e também de artistas do chamado teatro rebolado. Em seguida, fui para o Beco das Garrafas e depois para o Cangaceiro."

Entre os bares que Tito trabalhou estava o Texas Bar, na Avenida Atlântica, que ficava ao lado da única discoteca da época, a Havaí. "Era uma discoteca de bom gosto, que tocava coisas bonitas. Eu, Lúcio Alves e Dick Farney éramos os mais tocados. O Sérgio Porto brincava que ali era o único lugar em que o Havaí fazia limite com o Texas", diverte-se.

Por essas e por outras que Tito Madi sente um aperto no coração ao andar hoje pelas vielas de Copacabana, onde reside até hoje, e não encontrar mais essas velhas casas onde imperavam o sambalanço, a bossa nova e o samba-canção. "Já tentaram revitalizar locais como o Little Club, no Beco das Garrafas, mas não é a mesma coisa. Nunca mais será", sentencia.

Noite de Ficar Sozinho
Foi também na noite carioca que Tito travou contato com três nomes ilustres da MPB resgatados por ele em seu novo CD: Luís Cláudio, Ary Barroso e Luiz Peixoto. O primeiro teve a canção Noite de Ficar Sozinho escalada para o repertório. "Conheci essa música assim que o Luís compôs e participei do título dela", diz.

"Originalmente, ele escreveu 'Hoje é dia de ficar sozinho, de rezar sozinho...' E eu sugeri: "Coloque 'noite' de ficar sozinho e não 'dia' porque é na noite normalmente que ocorrem os momentos em que mais sofremos, aqueles encontros e desencontros importantes de nossas vidas", relata ele, que somente agora registrou em sua voz a canção, mais de 30 anos depois da gravação do amigo, com direito a um arranjo caprichado de Maurício Einhorn.

Já Ary Barroso e Luiz Peixoto foram lembrados no belíssimo samba-canção Por Causa Dessa Cabocla. "Ary era muito bacana. Sempre o admirei muito. Antes de ele morrer, convivemos na noite carioca. Mas com o Luiz Peixoto minha amizade era ainda maior, quase como a de filho com um pai. Ele foi um gênio, fazia de tudo. Era teatrólogo, ator, letrista... Além de tudo, era um pintor maravilhoso. Tenho dois quadros dele em minha casa. Tinha um otimismo e um bom humor notáveis. Numa época em que ele teve um acidente, descendo uma escada, e quebrou o fêmur se não me engano, ficou vários meses sentado na cama com a perna suspensa e, ao invés de ficar se queixando, ficava planejando um monte de coisas. Dizia que quando ficasse bom, queria que eu fizesse um show para que ele ficasse desenhando enquanto eu cantava. Era fantástico!", elogia.