Distraído, Moreno + 2 vence no Free Jazz

Trio do filho de Caetano Veloso passa por cima do burburinho na metade calma do show e conquista o público com a parte dançante-inusitada

Silvio Essinger
21/10/2000
Lembrava um sarau de colégio o início do show da banda Moreno + 2, sexta-feira, que abriu a noite do Free Jazz, na tenda New Directions. Entre a platéia, ainda rarefeita, mas que depois se concentrou na frente do palco, estavam o pai orgulhoso do bandleader, Caetano Veloso, e muitos dos conhecidos do trio: os paralamas Herbert Vianna e Bi, o baixista Dé, o produtor Chico Neves, as cantoras Daúde e Katia Bronstein, entre outros. No palco, via-se três garotos meio displicentemente vestidos, meio perdidos, meio tímidos demais.

A Moreno, tradicionalmente despenteado e com uma camisa da seleção mexicana de futebol, coube a tarefa de fazer as honras da casa com um surreal mas quase imperceptível “bom dia” (eram oito e quinze da noite). Com violão e voz de inspiração joãogilbertiana (e caetânica, por tabela), ele puxou uma releitura de Deusa do Amor, sucesso do Olodum, que faz parte do recém-lançado disco de estréia da banda, Máquina de Escrever Música. Alexandre Kassin tocou seu baixo eletroacústico de simplicidade aterradora e Domenico Lancelotti marcou o ritmo com duas lixas – impávidos ambos.

O toque constante de celulares e o burburinho da ala impaciente da platéia (que, ao contrário de João Gilberto e Caetano, Moreno preferiu não afrontar) se acentuaram a cada minuto que passava na primeira parte do show – para a infelicidade de quem queria prestar atenção. Seguiram-se no set list a bela Sertão (parceria de pai e filho), o samba Sinto-me bem (de Ataulfo Alves, que não está no disco) e o bolero que Moreno fez, em espanhol, pensando no amigo guitarrista Pedro Sá, Para Xó.

Como já estava cantando “em outra língua”, o rapaz emendou em uma versão de Night and Day, de Cole Porter – Kassin, o homem dos instrumentos e sons inusitados, marcou presença com uma espécie de escaleta soprada através de um tubo. Também calma foi a versão voz-e-violão para Eu Sou Melhor Que Você, divertida canção do Mulheres Q Dizem Sim, banda original de Domenico (que, sem nada para tocar nessa, coçou a barba).

Enquanto Isso marcou o início da mudança de rota do show – com a qual, por sinal, o trio ganhou o público. Digitando o ritmo em uma bateria eletrônica, que ficava em cima de uma escrivaninha, como num escritório, Domenico deu a partida para a festa dançante. Vieram em seguida o reggae-funk Arrivederci, o baião-ragga Imbalança (clássico de Gonzagão, recheado de intervenções noise de Kassin), Das Partes, Assim (com uma curiosa batida house disco) e o funk Rio Longe. Temperando o balanço com alguns elementos inusitados, deslocados, Moreno + 2 marcaram sua diferença na noite. Outra virtude de seu show foi a criteriosa e nada óbvia seleção das músicas a serem relidas nessa parte dançante: o Volks-Volkswagen Blues (de Gilberto Gil) e Tudo de Bom (Rubem Jacobina).

Uma paradinha para a delicada versão de I’m Wishing (aquela do desenho da Branca de Neve) e a festa foi retomada com A Beira e o Mar (Roberto Mendes e Jorge Portugal) e Embala Eu, no melhor estilo samba esquema noise. Pandeiros em homenagem a Mãe Menininha do Gantois encerraram o show, com a platéia enfim seduzida pelo charme nerd – cuidadosamente distraído e desajeitado – de Moreno. Em questão de minutos, em cima de um palco de sarau, ele cresceu e apareceu.