DJ Dolores confirma o <i>hype</i> que vem do Recife

Aclamados por antecipação, o produtor e seu grupo, a Orchestra Santa Massa, lançam o álbum Contraditório?

Marco Antonio Barbosa
08/08/2002
Helder Aragão, o Dolores (clique para ampliar)
Recife não pára de enviar ao mundo sucessivas "novidades" para a música pop brasileira, desde o advento do manguebeat - que afinal já fez dez anos desde sua gênese. Entretanto, a mais aclamada revelação da atual geração do mangue (a terceira ou a quarta?) não é exatamente novidade, e nem sequer nasceu em Pernambuco. Falamos do DJ Dolores, que, amparado em sua Orchestra Santa Massa, tornou-se - ao longo de 2001 e durante o primeiro semestre do ano - o grande hype da nova música nordestina. A gradual ascenção do produtor e músico foi coroada há pouco, com o aguardado lançamento de Contraditório? ouvir 30s, segundo álbum do coletivo radicado no Recife.

O disco, lançado pela recifense Candeeiro Records e distribuído pela Trama, já esgotou sua tiragem inicial (três mil CDs). O que já era esperado, diante da expectativa que cercou o lançamento e o atraso de vários meses entre o término da gravação e a chegada às lojas. "(O CD) demorou a sair porque eu fiquei muito tempo pensando em como fazer pra atingir um maior número de pessoas. Era importante para mim fazer uma promoção boa, ter uma boa distribuição e lançamento também no mercado externo", narrou Hélder Aragão - o Dolores - ao Cliquemusic. Ele acrescenta: "O (selo) Candeeiro foi a solução mais interessante para nós. Depois que participamos pela primeira vez do Abril Pro Rock (em 2000) chegamos a ter propostas de uma gravadora grande, mas as condições não eram legais."

"Na verdade era para ter saído em setembro do ano passado, junto com os shows do Free Jazz. O projeto gráfico foi feito às pressas - em apenas três dias - para correr com o lançamento, mas acabou não dando tempo", explica o produtor. Foi justamente o par de apresentações que o DJ e a Orchestra fizeram no Free Jazz Festival em 2001 o ponto inicial do bochicho em torno de Dolores nos meios de comunicação e entre os "antenados" do Sudeste. O grupo foi o primeiro artista brasileiro na história do evento a se apresentar no Main Stage do festival, arrebatando elogios rasgados com sua fusão de elementos humanos e digitais, misturando ritmos e instrumentos regionais com referências à moderna electronica. "Não se trata de mistura, e sim de um encontro de elementos", põe ordem Dolores. "O tom nordestino é inevitável, mas a eletrônica também está na raiz de tudo. No Recife há um encontro espontâneo de várias tendências, as coisas não são muito segmentadas."

Contraditório? prova isso mixando, sem deixar as costuras à mostra, elementos (aparentemente) díspares como rabeca e bateria eletrônica, scratches com tambores de maracatu, drum'n'bass e levadas de coco, às vezes tudo em uma só faixa. A própria formação da Santa Massa reflete esse método inusitado de trabalho. Há um rabequeiro (Maciel Salú), uma vocalista/percussionista (Isaar França, que não esconde sua escola bem agreste de canto), um DJ (KSB), um percussionista (Mr.Jam) e um guitarrista (Fábio Trummer). Além do próprio Hélder, disparando samplers, sintetizadores e vitrola. "Rola um certo espanto na primeira vez em que as pessoas nos ouvem, especialmente ao vivo. Mas é sempre apenas no começo. Depois neguinho cai na gandaia", reconhece Dolores.

O fato é que, tocando o repertório de Contraditório?, a Santa Massa saiu do Free Jazz taxada de revelação do evento, caiu na boca de artistas influentes (como Marisa Monte, Paulo Miklos e Naná Vasconcellos), fez shows pelo eixo Sul-Sudeste e foi parar (em maio) na Europa, tocando na França, Portugal e Bélgica. Até o jornal francês Le Monde elogiou. "O público é sempre receptivo. Sinto que, especialmente aqui pelo Brasil, as pessoas se surpreendem mais com o acento nordestino da música. É como se fosse uma descoberta", diz Dolores.

Nada mal para um músico que começou oficialmente a carreira em 1997, assinando a trilha sonora do curta-metragem Enjaulado. Até então, Hélder - sergipano nascido na pequena cidade de Propriá - acompanhava a cena manguebeat como artista gráfico (procure seu nome em fichas técnicas de discos como Samba Esquema Noise, do mundo livre S/A, ou Mestre Ambrósio, dos próprios). Participações em coletâneas como Baião de Viramundo ouvir 30s (tributo a Luiz Gonzaga) e Caipiríssima ouvir 30s foram apurando a sonoridade de Dolores. Mas foi a formação da Santa Massa que formatou de vez o som do DJ.

"Tudo começou com a trilha da (peça teatral) A Máquina, gravada em 2000 com o pessoal que viria a formar a Santa Massa. Fixei-me nessas cinco pessoas depois de passar por várias formações", lembra Dolores. Para afinar o escrete do grupo, não foi fácil. "É difícil encontrar músicos que topem tocar com eletrônico aqui no Recife", diz o músico. "Ao mesmo tempo acabou ficando uma formação muito interessante, juntando referências que se casaram muito bem. Por exemplo, Salú foi o último a entrar na banda. Ele acabou, junto a mim, virando o principal compositor da banda. E aparentemente estamos em dois opostos - ele com a rabeca, um instrumento que remonta à Idade Média, eu com todos esses recursos eletrônicos."

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