DJ Jamaika: rajadas verbais em nova casa

Rapper de Brasília vem com Pá Doido Pirá, primeiro lançamento da gravadora Warner no departamento do rap de periferia

Silvio Essinger
21/12/2000
Dois mil marca a entrada do rap das periferias brasileiras nas grandes gravadoras. Primeiro, foram os paulistanos Doctor MCs, que lançaram pela BMG Mallokeragem Zona Leste (leia entrevista e crítica), produzido por Dudu Marote, mestre do pop, de discos de Skank e Pato Fu, mas que, verdade seja dita, produziu faixas de MC Jack e Código 13 no disco inaugural do rap brasileiro, Hip Hop – Cultura de Rua. Agora, no apagar das luzes do ano, chega a vez do brasiliense DJ Jamaika, ex-Câmbio Negro e ex-Álibi, lançar pela Warner o CD Pá Doido Piráamostras de 30s. É o começo do ataque rap da gravadora, que no mês que vem desova seu primeiro disco de um dos grandes nomes do gênero, o paulistano Pavilhão 9, atração do palco principal do Rock in Rio 3, no dia 19. "Aconteceu agora de as grandes gravadoras prestarem atenção no que acontece nas quebradas. Estava na hora da rapaziada mostrar a cara", diz Jamaika.

"O rap nunca dependeu das grandes gravadoras", acredita esse rapper que passou oito anos no selo Discovery, de Brasília, entre Câmbio Negro, Álibi e carreira solo. "Mas os selos enriqueceram e os grupos continuaram na mesma", acusa ele, que, inclusive, teve que abrir mão de todos os direitos sobre os discos que gravou na Discovery para poder assinar com a Warner. Na nova gravadora, Jamaika diz buscar "um trabalho mais focalizado" sobre seus discos. Já começou propondo uma forma de divulgação ainda desconhecida para as grandes gravadoras, com ênfase nas rádios comunitárias. "São as que mais deram força ao rap desde o início", conta. No fim das contas, o rapper acha que todos sairão ganhando: "Eu aprendendo com a Warner e ela comigo"

A entrada em uma gravadora mais conhecida pelas bandas de rock foi difícil para Jamaika. Ele se diz vítima do preconceito, de uma turma em Brasília que saiu espalhando por aí que ele iria mudar seu rap. "Não perdi meu estilo", avisa. Pá Doido Pirá foi produzido por Plínio Profeta, mais conhecido por trabalhos na área pop-rock. De dia, Plínio e Jamaika armavam as bases, de noite o rapper virava fazendo a letra. Algumas músicas serão bem familiares a quem ouvir. O Bem e o Mal foi feita em cima de Another Brick On The Wall Pt.2, do Pink Floyd, e Dando Trabalho Pros Anjos tem samples de Batendo na Porta do Céu, versão de Zé Ramalho para Knockin’ On Heaven’s Door, de Bob Dylan. Só Observando traz uma citação do cello de Até Quando Esperar, dos conterrâneos roqueiros da Plebe Rude. "O rock e o rap de Brasília eram dois mundos diferentes, mas as músicas deles eram boas", diz.

Uma das melhores letras do disco é a de Minha Droga Pesada, relato de como Jamaika, ainda criança, se viciou... em rap. No começo, tudo era clandestino. A mãe descobriu e acabou dando força – é até hoje uma de suas maiores fãs. Já o pai, policial civil, que morreu em 92, nunca entendeu a opção do filho. "Ele achava que era música de bandido", conta. Num apelo pela união dos rappers das várias cidades do Brasil, Jamaika trouxe para a faixa-título do disco a participação de Xis (de São Paulo) e Marechal (do Rio) – juntos, eles disparam rajadas verbais, não deixando pedra sobre pedra. "Queria ou não, a gente consegue mais com o pessoal de fora [do que com os de Brasília]", desabafa o rapper, que em breve cai na estrada com seu show, acompanhado do DJ Chocolate e dos backing vocals Hada e Angel Duarte.

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