Do fundo do quintal de Zeca Pagodinho
Sítio do cantor recebe um estúdio móvel para a gravação de CD com seus compositores prediletos
João Pimentel
26/08/2001
Em 1985, um LP da RGE chamado Raça Brasileira apresentou à MPB uma geração de compositores que não apenas renovou como refez a trajetória do samba carioca. Principal representante desse grupo de sambistas - ao lado de gente como Jovelina Pérola Negra, Almir Guineto, Jorge Aragão, Arlindo Cruz e Sombrinha - Zeca Pagodinho tenta agora repetir a fórmula para abrir caminho para (não tão) novos talentos. Gravado no início da semana passada, num sítio em Xerém, Quintal do Pagodinho (Universal), vai dar voz a autores dos grandes sucessos do sambista.
O formato é parecido ao “pau-de-sebo” de 1985. São 15 faixas, todas inéditas, com as diversas formas de samba: partido-alto, calango, samba-de-roda e até sambas românticos. Pagodinho, que, há cerca de dois anos, convencera a gravadora fazer um disco do amigo Almir Guineto, comemora mais um projeto: "A idéia é mostrar para o público um time de primeira, de compositores que eram conhecidos apenas no meio do samba. As pessoas sempre acham que as músicas que canto são de minha autoria."
Pagodinho quer mostrar a cara dos seus compositores. Apesar de todo o aparato técnico - até um caminhão-estúdio comandado pelo diretor-artístico Max Pierre adentrou Xerém - as gravações tiveram o espírito do anfitrião. Desde cedo - os primeiros convidados chegaram por volta de 9h - churrasco e cerveja eram servidos para as cerca de cem pessoas que se protegiam do mormaço embaixo da tenda que cobria o palco. Bem à vontade, de bermuda e chinelo, Pagodinho era a informalidade em pessoa. "Isso aqui é que é 'casa de samba'", disse um anônimo, mais para lá do que para cá, referindo-se à formalidade que impera nas gravações da série de discos homônima realizadas na sede da Universal.
Os compositores deram o recado. Uns tímidos, outros abusados, uns roucos, outros loucos. No repertório, muita coisa boa, provando que a aposta do sambista foi certeira. Jorge Macarrão, compositor de Caxias, cantou Mordomia com Tereza (“Um quadro de Anita Malfatti em minha cabeceira/ Só lia Neruda, ouvia João Nogueira/ E tinha Tereza para me acalmar”). Barbeirinho, um dos mais gravados por Pagodinho, apresentou, em seu peculiar português, a hilariante Por Dezoito Quilate e Cinquenta que Morde. Enquanto Luiz Grande retratou o cotidiano da favela em A Macaca Gargalhava (“Cachorro latia, a criança gritava/ Ninguém mais sabia o que se passava/ E no alto do morro, a macaca gargalhava”).
Uma das atrações do dia, não apenas pela bela parceria com Nei Lopes, Carreiro Sanfoneiro, mas também pelo despojamento no palco, Efson mandou beijos para Max Pierre, agradeceu a Zeca Pagodinho e a Rildo Hora. "Isso é uma coisa que nunca existiu no mundo do samba. Ele escolheu bem o time de compositores. Chamou o pessoal que estava na cerca" elogiou, eufórico, Efson. Meio peixe fora d’água, não pelo talento, mas pelo comedimento, o veterano Wilson das Neves brincou com Zeca: "Poxa, compadre, estou que nem uma lagartixa no meio dessas feras." O clima era de festa e Jorge Macarrão sintetizou o sentimento comum: "Muita gente se conheceu aqui, na hora, mas parece que somos uma grande família. Quem está de fora incentiva, bate palma e faz coro para quem está no palco." Barbeirinho, que já tem oito composições gravadas pelo cantor, disse que o samba está forte por causa da figura de Pagodinho: "Ele passa a nossa mensagem para o Brasil inteiro. O samba é a nossa única arma e ele, a nossa voz."
Arranjador e diretor-artístico do projeto, Rildo Hora comandou a maratona - que, na terça-feira (dia 21), só acabou às 17h30m - e encontrou as palavras certas para traduzir o que viveu naqueles dois dias. "Este disco é uma demonstração de coerência ideológica, de generosidade artística. Tudo isso é muito natural para o Zeca, que se identifica e se integra nessa paisagem", disse Rildo. O arranjador, aliás, é em muito responsável pela ascensão de Pagodinho. Depois da explosão do pagode nos anos 80, o cantor passou um período apagado na BMG. Ao se transferir para a PolyGram (atual Universal), em 1995, Rildo foi a pessoa escolhida por Max Pierre para fazer brilhar de novo a estrela do mais ilustre cidadão de Xerém .
"Max é quem possibilitou essa festa. Ele nos uniu e ofereceu as condições para trabalharmos. Mas ainda estou apenas conhecendo o mundo particular do Zeca" diz Rildo. Max Pierre também estava exultante ao final das gravações. Para ele, o sambista não impôs nada, apenas “abriu as portas da sua intimidade artística” para a gravadora. "O Quintal do Pagodinho é uma experiência fantástica. O Zeca possibilitou que pudéssemos trazer toda a nossa tecnologia para o meio desse mato", brincou. A gravação terminou, mas o samba não. Em plena terça-feira, a atividade transferiu-se para o já famoso Bar do Geraldo, em Xerém. Grandes partideiros e anônimos sambistas prosseguiram com a festa até tarde da noite.
Os compositores e suas músicas
Efson: Parceiro de Nei Lopes em Se o Brás é Tesoureiro, é o autor da faixa-título do CD Hoje é Dia de Festa , que Pagodinho lançou em 1997.
Barbeirinho: Autor de partidos bem-humorados como Parabólica e Cabelo no Pão Careca. É um dos mais gravados por Pagodinho.
Luiz Grande: Parceiro constante de Barbeirinho, foi também parceiro de João Nogueira em Maria Rita.
Dunga: É um dos poucos que já tem disco gravado, Sedução (Velas), considerado um dos bons lançamentos do samba de 1999.
Zé Roberto: Parceiro de Adilson Bispo e compositor de Vacilão e A Sogra, sucessos na voz de Pagodinho.
Carlos Roberto: Autor de Pagodeiro Fino Trato e um grande campeão de sambas na Mangueira.
Maurição: Parceiro de Zeca, Beto Sem Braço e Arlindo Cruz. Compôs Já Mandei Botar Dendê e Água de Coco.
Otacílio da Mangueira: Desde 1992, com Vê se me Erra, participa dos CDs de Pagodinho. É parceiro de Ari do Cavaco em Na beira do mangue, gravada por Jair Rodrigues.
Jorge Macarrão: Integrante do conjunto Novo Canto, que toca no Botequim do Martinho, faz sua primeira gravação comercial.
Luizinho To Blow: No último disco de Pagodinho, entrou com a faixa Shopping Móvel . É parceiro de Noca da Portela em Além do Mais Te Amo , do último CD de Martinho da Vila.
Leandro Dimenor:Compositor campeão na Beija-Flor, gravado por grupos como Pique Novo e Sensação.
Rixxah: Puxador consagrado das escolas de samba cariocas. Ganha uma chance agora de mostrar seu trabalho autoral.
Bidubi: Do Tuiuiti e autor de sambas gravados por Almir Guineto e Pagodinho, compôs o sucesso Caxambu.
Alamir: De Pilares, é autor de sucessos do Grupo Raça. De sua autoria, Pagodinho gravou Fumo de Rolo.
Wilson das Neves: Baterista de Chico Buarque, lançou em 1996 O Som Sagrado de Wilson das Neves , um dos grandes discos de samba dos últimos anos.
O formato é parecido ao “pau-de-sebo” de 1985. São 15 faixas, todas inéditas, com as diversas formas de samba: partido-alto, calango, samba-de-roda e até sambas românticos. Pagodinho, que, há cerca de dois anos, convencera a gravadora fazer um disco do amigo Almir Guineto, comemora mais um projeto: "A idéia é mostrar para o público um time de primeira, de compositores que eram conhecidos apenas no meio do samba. As pessoas sempre acham que as músicas que canto são de minha autoria."
Pagodinho quer mostrar a cara dos seus compositores. Apesar de todo o aparato técnico - até um caminhão-estúdio comandado pelo diretor-artístico Max Pierre adentrou Xerém - as gravações tiveram o espírito do anfitrião. Desde cedo - os primeiros convidados chegaram por volta de 9h - churrasco e cerveja eram servidos para as cerca de cem pessoas que se protegiam do mormaço embaixo da tenda que cobria o palco. Bem à vontade, de bermuda e chinelo, Pagodinho era a informalidade em pessoa. "Isso aqui é que é 'casa de samba'", disse um anônimo, mais para lá do que para cá, referindo-se à formalidade que impera nas gravações da série de discos homônima realizadas na sede da Universal.
Os compositores deram o recado. Uns tímidos, outros abusados, uns roucos, outros loucos. No repertório, muita coisa boa, provando que a aposta do sambista foi certeira. Jorge Macarrão, compositor de Caxias, cantou Mordomia com Tereza (“Um quadro de Anita Malfatti em minha cabeceira/ Só lia Neruda, ouvia João Nogueira/ E tinha Tereza para me acalmar”). Barbeirinho, um dos mais gravados por Pagodinho, apresentou, em seu peculiar português, a hilariante Por Dezoito Quilate e Cinquenta que Morde. Enquanto Luiz Grande retratou o cotidiano da favela em A Macaca Gargalhava (“Cachorro latia, a criança gritava/ Ninguém mais sabia o que se passava/ E no alto do morro, a macaca gargalhava”).
Uma das atrações do dia, não apenas pela bela parceria com Nei Lopes, Carreiro Sanfoneiro, mas também pelo despojamento no palco, Efson mandou beijos para Max Pierre, agradeceu a Zeca Pagodinho e a Rildo Hora. "Isso é uma coisa que nunca existiu no mundo do samba. Ele escolheu bem o time de compositores. Chamou o pessoal que estava na cerca" elogiou, eufórico, Efson. Meio peixe fora d’água, não pelo talento, mas pelo comedimento, o veterano Wilson das Neves brincou com Zeca: "Poxa, compadre, estou que nem uma lagartixa no meio dessas feras." O clima era de festa e Jorge Macarrão sintetizou o sentimento comum: "Muita gente se conheceu aqui, na hora, mas parece que somos uma grande família. Quem está de fora incentiva, bate palma e faz coro para quem está no palco." Barbeirinho, que já tem oito composições gravadas pelo cantor, disse que o samba está forte por causa da figura de Pagodinho: "Ele passa a nossa mensagem para o Brasil inteiro. O samba é a nossa única arma e ele, a nossa voz."
Arranjador e diretor-artístico do projeto, Rildo Hora comandou a maratona - que, na terça-feira (dia 21), só acabou às 17h30m - e encontrou as palavras certas para traduzir o que viveu naqueles dois dias. "Este disco é uma demonstração de coerência ideológica, de generosidade artística. Tudo isso é muito natural para o Zeca, que se identifica e se integra nessa paisagem", disse Rildo. O arranjador, aliás, é em muito responsável pela ascensão de Pagodinho. Depois da explosão do pagode nos anos 80, o cantor passou um período apagado na BMG. Ao se transferir para a PolyGram (atual Universal), em 1995, Rildo foi a pessoa escolhida por Max Pierre para fazer brilhar de novo a estrela do mais ilustre cidadão de Xerém .
"Max é quem possibilitou essa festa. Ele nos uniu e ofereceu as condições para trabalharmos. Mas ainda estou apenas conhecendo o mundo particular do Zeca" diz Rildo. Max Pierre também estava exultante ao final das gravações. Para ele, o sambista não impôs nada, apenas “abriu as portas da sua intimidade artística” para a gravadora. "O Quintal do Pagodinho é uma experiência fantástica. O Zeca possibilitou que pudéssemos trazer toda a nossa tecnologia para o meio desse mato", brincou. A gravação terminou, mas o samba não. Em plena terça-feira, a atividade transferiu-se para o já famoso Bar do Geraldo, em Xerém. Grandes partideiros e anônimos sambistas prosseguiram com a festa até tarde da noite.
Os compositores e suas músicas
Efson: Parceiro de Nei Lopes em Se o Brás é Tesoureiro, é o autor da faixa-título do CD Hoje é Dia de Festa , que Pagodinho lançou em 1997.
Barbeirinho: Autor de partidos bem-humorados como Parabólica e Cabelo no Pão Careca. É um dos mais gravados por Pagodinho.
Luiz Grande: Parceiro constante de Barbeirinho, foi também parceiro de João Nogueira em Maria Rita.
Dunga: É um dos poucos que já tem disco gravado, Sedução (Velas), considerado um dos bons lançamentos do samba de 1999.
Zé Roberto: Parceiro de Adilson Bispo e compositor de Vacilão e A Sogra, sucessos na voz de Pagodinho.
Carlos Roberto: Autor de Pagodeiro Fino Trato e um grande campeão de sambas na Mangueira.
Maurição: Parceiro de Zeca, Beto Sem Braço e Arlindo Cruz. Compôs Já Mandei Botar Dendê e Água de Coco.
Otacílio da Mangueira: Desde 1992, com Vê se me Erra, participa dos CDs de Pagodinho. É parceiro de Ari do Cavaco em Na beira do mangue, gravada por Jair Rodrigues.
Jorge Macarrão: Integrante do conjunto Novo Canto, que toca no Botequim do Martinho, faz sua primeira gravação comercial.
Luizinho To Blow: No último disco de Pagodinho, entrou com a faixa Shopping Móvel . É parceiro de Noca da Portela em Além do Mais Te Amo , do último CD de Martinho da Vila.
Leandro Dimenor:Compositor campeão na Beija-Flor, gravado por grupos como Pique Novo e Sensação.
Rixxah: Puxador consagrado das escolas de samba cariocas. Ganha uma chance agora de mostrar seu trabalho autoral.
Bidubi: Do Tuiuiti e autor de sambas gravados por Almir Guineto e Pagodinho, compôs o sucesso Caxambu.
Alamir: De Pilares, é autor de sucessos do Grupo Raça. De sua autoria, Pagodinho gravou Fumo de Rolo.
Wilson das Neves: Baterista de Chico Buarque, lançou em 1996 O Som Sagrado de Wilson das Neves , um dos grandes discos de samba dos últimos anos.