Do sertão para o Velho Mundo

O Cordel do Fogo Encantado prepara-se para a primeira turnê na Europa e colhe os louros por seu CD de estréia

Mônica Loureiro
19/07/2001
Eles não conseguem definir o som que fazem. As pessoas não sabem como dançar. Mas isso não tem impedido a imediata identificação - e a perplexidade - do público com os shows do Cordel do Fogo Encantado. O grupo pernambucano se apresenta dos dias 20 a 22 - pela segunda vez - no Teatro Rival (RJ), já arrumando as malas para fazer sua primeira turnê internacional. "A intenção do Cordel é fazer uma música inventiva, com muitas experimentações, sem nos apegarmos ao resgate e sem ser vitrine de exposição folclórica", avisa Lirinha, vocalista e pandeirista do grupo.

Eles embarcam para a Europa na próxima semana, onde se apresentam na Bélgica (Festival Sphinx), Berlim, Frankfurt, Paris e, ainda a confirmar, Lisboa. Para esses shows, Lirinha diz que serão feitas pequenas adaptações no show do grupo, como a retirada das poesias que ele declama sozinho, sem os outros músicos. "É a primeira vez que vamos ver nossa música se desenvolver sem o significado das palavras. Como será que as pessoas vão se identificar com nosso som?", pergunta, ansioso.

"Essa viagem vai ser um pouco como a nossa vinda do interior para Recife", compara Lirinha, lembrando-se da trajetória que o grupo percorreu em 1999 - de sua cidade natal, Arcoverde, perdida no sertão pernambucano, para a capital do Estado, a fim de tocar no festival Rec Beat. "Do interior a gente recebe muitas informações da capital, mas não consegue mandar nada para lá. No mundo é a mesma coisa, recebemos muita cultura do exterior, mas nós, brasileiros, não conseguimos responder. Vamos lá encarar a Europa e ver se a gente muda isso."

Identificação é o que tem sobrado entre o grupo e seus seguidores - um séquito que cresce a cada show dos pernambucanos. O álbum Cordel do Fogo Encantado ouvir 30s, prensado de forma absolutamente independente e distribuído pelo selo Rec Beat, caminha para se tornar um best-seller do mercado alternativo brasileiro. Lançado em fevereiro deste ano, o CD já está na terceira tiragem. "Estamos vendendo relativamente bem, já alcançamos as oito mil cópias", diz Lirinha, modesto.

Por enquanto, o CD, que tem 18 faixas, está sendo comercializado basicamente nos shows do grupo. "Vendemos 270 em Brasília; uns 400 na primeira vez em que tocamos no Rival; em Recife, com teatro cheio, já foram 500; e também temos um bom mercado em Salvador", enumera Lirinha. Algumas poucas lojas mais antenadas também dispõem do CD em catálogo. Quem não achar, pode recorrer a um contato direto via e-mail: cordel@hotlink.com.br . "O Gutie, nosso produtor (também organizador do festival Rec Beat), está catalogando mais lojas para a distribuição. É bom lembrar que esse disco foi totalmente bancado pelo grupo. Nós pagamos o Naná (Vasconcellos, produtor do álbum), o carro que nos levava para o estúdio, alimentação... Nos orgulhamos um bocado disso!", afirma o vocalista.

Na volta do passeio europeu, o grupo (além de Lirinha há os percussionistas Emerson, Nêgo Henrique e Rafa Almeida e o violonista Clayton) começa a confabular sobre o futuro próximo. "Há uma possibilidade grande de nosso segundo CD sair por alguma gravadora", conta Lirinha. "Na época em que gravamos o disco de estréia recebemos propostas de gravadoras, mas nós nos questionamos muito. Elas poderiam prejudicar nossas atitudes, nem tanto com interferências no som, mas exigindo data de lançamento e indicando produtores", diz. Lirinha acredita que hoje que esta independência permite um contato direto com tudo que o grupo faz.

. A reviravolta pela qual o grupo passou nos últimos 12 meses realmente os deixou desnorteados, a ponto de eles não saberem mais para onde ir na volta da Europa. "Estávamos morando em um hotel em São Paulo, mas acabamos de fechar a conta lá. Mas não dá para voltar para casa, voltar a morar com nossas famílias como era antes", diz Lirinha, referindo-se à terra natal do grupo , a longínqua Arcoverde. O choque que o grupo teve ao desembarcar em São Paulo, no ano passado, foi grande. "É uma cidade enorme, toda cinza, cheia de prédios... a diferença foi enorme para nós", lembra o vocalista. A inadaptação a Sampa já levou o grupo a aventar a possibilidade de radicar-se no Rio. "O Rio tem mais a cara do Recife, as pessoas ficam na praia, tomando cerveja, de bermuda..." fala um nostálgico Lirinha.

Outra boa novidade na trajetória do grupo é o clipe da música Chover - Ou Invocação Para um Dia Líquido. O vídeo ganhou prêmios no Cine Ceará e menção honrosa no Festival Guarnicê de Cinema do Maranhão. "É um trabalho de muita afirmação, no qual pisamos forte e dizemos: 'olhe aqui, me escute!'. Foi gravado na nossa cidade, numa verdadeira festa na qual nossos parentes e amigos participam", diz Lirinha. O trabalho foi feito em apenas dois dias e tem direção de Jane Malaquias, Isabele Kribale e Cecília Araújo. "Elas têm experiência com cinema, o que acabou dando uma característica diferente ao clipe", conta Lirinha, que diz que já gravaram uma chamada de apresentação do trabalho para a MTV.

De qualquer modo, as mudanças na vida do grupo não vão influenciar os caminhos musicais deles. O Cordel continua com sua sonoridade rústica - fundamentada em instrumentos como o bombo da macaíba, dois surdos, ilú (oriundo dos terreiros de Umbanda), congas, zabumba, pandeiro, maracas e gonguês. "Não temos uma formação erudita ou maiores estudos acadêmicos na parte musical. Foi pura falta de opção, em nossa cidade não havia como estudar. Isso acabou tornando o nosso som muito cru, pesado. Mas não queremos mudar isso, hoje virou nossa característica", diz o vocalista.