Do trio elétrico às canções de um mestre
Carla Visi, ex-Banda Cheiro de Amor, lança CD só com músicas de Gilberto Gil, com a benção do próprio
Marco Antonio Barbosa
10/08/2001
Carla Visi ainda não morreu, mas já não vai mais com tanta sofreguidão atrás do trio elétrico. A jovem cantora baiana, ex-vocalista da Banda Cheiro de Amor (e responsável pela voz no sucesso Dança da Sensual, um dos grandes hits da axé music), lança oficialmente sua carreira com o álbum Só Chamei Porque Te Amo (Universal). O disco, dedicado ao repertório do venerando tropicalista, contou com as bençãos do próprio Gil durante todo o processo de confecção do trabalho. Achando pouco, o autor de Domingo no Parque compôs uma canção inédita para Carla - e acompanhou também a fase de divulgação do CD. Carla e Gil concederam uma entrevista ao Cliquemusic para falar um pouco sobre o novo CD, a parceria - a princípio inusitada - entre os dois e o futuro da famigerada axé music.
"Sou uma intérprete da música brasileira, da maneira mais ampla o possível. Aliás, gosto de pensar que estou ampliando ainda mais minha musicalidade através das canções de Gil", diz Carla, explicando o porquê da homenagem e da virada de estilo. Em Só Chamei... , a cantora não se limita apenas à derivação do "samba do Recôncavo" popularmente chamada de axé music. "Não quero me afastar do axé, mas também pretendo cantar outros estilos de música. Enquanto eu estava com o Cheiro de Amor, eu brigava com os outros membros do grupo para que evoluíssemos, que buscássemos outros caminhos", conta a cantora. A idéia de gravar Gil foi dada pelo próprio presidente da Universal Music, Marcelo Castello Branco, e aprovada por Mazzola (diretor do selo MZA, pelo qual o disco foi editado), que assina a produção do álbum.
Gil afirma: "Eu era fã da Carla, agora sou colega dela. Eu a conheço há anos, quando a via na TV, com o Cheiro de Amor, eu achava ótimo. Nos encontrávamos muito em Salvador, nos carnavais. Acho que ela deu à música de axé uma elegância, elevou o som dos trios a um patamar mais refinado. Isso sem perder a graça, a sestrosidade da baiana sensual. Acho que nossos trabalhos têm mil intersecções entre si." O compositor também explica como se aproximou do projeto de Carla: "Sou tímido em relação ao meu próprio trabalho. Quando o Mazzola me disse que ela pretendia regravar apenas músicas minhas, eu fiquei meio ressabiado... Até perguntei a Carla se ela tinha mesmo certeza do que estava fazendo. Quando ela falou que estava convicta, aí sim resolvi ajudá-la. Trocamos muitas idéias, mas quem decidia tudo mesmo era a Carla, claro."
O que surpreende o ouvinte à primeira vista no disco solo de Carla Visi é a escolha do repertório. Tirando uma ou outra canção mais manjada (Andar com Fé, Só Chamei Porque Te Amo), o CD investe em músicas menos óbvias, como Aqui e Agora, O Eterno Deus Mu Dança e Aroma. O próprio Gil se espanta: "Mas como ela foi desencavar Aroma, uma música que ninguém se lembrava mais que existia..." Carla rebate: "Ah, mas eu me lembro, foi trilha de uma telenovela que eu assistia há muitos anos, quando eu era garota..."
A cantora esclarece o que a orientou na seleção de músicas: "Não quis pegar aquelas músicas que ficaram insuperáveis com tantas outras cantoras, como Elis Regina ou Zizi Possi. Não podia, por exemplo, cantar Se Eu Quiser Falar com Deus, depois da interpretação da Elis. Ao mesmo tempo, queria mostrar outros lados do Gil que as pessoas podem não conhecer, ou podem ter se esquecido." O patrono da obra também entrou com algumas sugestões. "2 Neguinhos, que também é uma música menos famosa, foi sugestão de Gil. Ele e o Mazzola também insistiram que gravassemos Andar com Fé. Eles disseram, com razão, que a música é uma unanimidade nacional."
Uma escolha de Carla em particular comoveu Gil: Seu Olhar, por remeter à lembrança de Herbert Vianna. "Fiquei emocionado ao ouvir esta música de novo, pois pouco antes de Herbert sofrer o acidente, eu e ele a interpretamos num show no Rio de Janeiro." Para cantar junto à discípula, Gil escolheu a faixa-título, versão do sucesso I Just Called To Say I Love You, de Stevie Wonder. Outra escolha pouco óbvia, Onde o Xaxado Tá, recebeu Zeca Baleiro como convidado especial. Além de Zeca, Cesar Camargo Mariano pontifica no álbum , arranjando algumas das faixas.
Mamão Papaia é a música inédita que Gil compôs especialmente para a estréia solo de Carla. Não por acaso, é um típico axé, ou como o autor chama, um "samba-durinho". "Eu pedi para Gil compor algo para o disco, e queria que fosse um pagodinho bem baiano. Ele adorou a idéia e resolveu fazer um samba parecido com os do Harmonia do Samba." Gil completa: "Fiz essa música porque acho importante que Carla não se distancie da música de axé. Sempre falo para todas essas cantoras, que são minhas amigas - Ivete (Sangalo), Daniela (Mercury) - que por mais que elas queiram diversificar seu estilo, não podem abandonar a alegria do carnaval, o samba baiano. Afinal, esta é a raiz delas todas."
Carla nega que tenha abandonado o Cheiro de Amor (que recebeu de volta a vocalista original, Márcia Freire) por conta da tão propalada crise da axé music. "Essa crise é uma coisa que só as gravadoras enxergam, porque vender disco sempre é uma coisa mais complicada, que envolve vários interesses. Pode entrar e sair de moda, mas em Salvador o carnaval continua quente como antes. São 50 anos de história com os trios elétricos", diz a cantora, que esclarece: "Saí do grupo numa boa, também por sugestão do Marcelo (Castello Branco), depois de algumas divergências quanto aos rumos futuros. Já estava na hora de eu seguir por conta própria. Eu queria interferir mais nas decisões artísticas e empresariais da banda, e não tinha mais para onde crescer com eles."
Quanto ao sucesso da nova empreitada, é Gil quem lança a opinião: "Carla não vai perder o público que ela conquistou cantando música de axé. O povo baiano é muito amante, não abandona assim fácil. Ela vai continuar arrastando todo mundo."
"Sou uma intérprete da música brasileira, da maneira mais ampla o possível. Aliás, gosto de pensar que estou ampliando ainda mais minha musicalidade através das canções de Gil", diz Carla, explicando o porquê da homenagem e da virada de estilo. Em Só Chamei... , a cantora não se limita apenas à derivação do "samba do Recôncavo" popularmente chamada de axé music. "Não quero me afastar do axé, mas também pretendo cantar outros estilos de música. Enquanto eu estava com o Cheiro de Amor, eu brigava com os outros membros do grupo para que evoluíssemos, que buscássemos outros caminhos", conta a cantora. A idéia de gravar Gil foi dada pelo próprio presidente da Universal Music, Marcelo Castello Branco, e aprovada por Mazzola (diretor do selo MZA, pelo qual o disco foi editado), que assina a produção do álbum.
Gil afirma: "Eu era fã da Carla, agora sou colega dela. Eu a conheço há anos, quando a via na TV, com o Cheiro de Amor, eu achava ótimo. Nos encontrávamos muito em Salvador, nos carnavais. Acho que ela deu à música de axé uma elegância, elevou o som dos trios a um patamar mais refinado. Isso sem perder a graça, a sestrosidade da baiana sensual. Acho que nossos trabalhos têm mil intersecções entre si." O compositor também explica como se aproximou do projeto de Carla: "Sou tímido em relação ao meu próprio trabalho. Quando o Mazzola me disse que ela pretendia regravar apenas músicas minhas, eu fiquei meio ressabiado... Até perguntei a Carla se ela tinha mesmo certeza do que estava fazendo. Quando ela falou que estava convicta, aí sim resolvi ajudá-la. Trocamos muitas idéias, mas quem decidia tudo mesmo era a Carla, claro."
O que surpreende o ouvinte à primeira vista no disco solo de Carla Visi é a escolha do repertório. Tirando uma ou outra canção mais manjada (Andar com Fé, Só Chamei Porque Te Amo), o CD investe em músicas menos óbvias, como Aqui e Agora, O Eterno Deus Mu Dança e Aroma. O próprio Gil se espanta: "Mas como ela foi desencavar Aroma, uma música que ninguém se lembrava mais que existia..." Carla rebate: "Ah, mas eu me lembro, foi trilha de uma telenovela que eu assistia há muitos anos, quando eu era garota..."
A cantora esclarece o que a orientou na seleção de músicas: "Não quis pegar aquelas músicas que ficaram insuperáveis com tantas outras cantoras, como Elis Regina ou Zizi Possi. Não podia, por exemplo, cantar Se Eu Quiser Falar com Deus, depois da interpretação da Elis. Ao mesmo tempo, queria mostrar outros lados do Gil que as pessoas podem não conhecer, ou podem ter se esquecido." O patrono da obra também entrou com algumas sugestões. "2 Neguinhos, que também é uma música menos famosa, foi sugestão de Gil. Ele e o Mazzola também insistiram que gravassemos Andar com Fé. Eles disseram, com razão, que a música é uma unanimidade nacional."
Uma escolha de Carla em particular comoveu Gil: Seu Olhar, por remeter à lembrança de Herbert Vianna. "Fiquei emocionado ao ouvir esta música de novo, pois pouco antes de Herbert sofrer o acidente, eu e ele a interpretamos num show no Rio de Janeiro." Para cantar junto à discípula, Gil escolheu a faixa-título, versão do sucesso I Just Called To Say I Love You, de Stevie Wonder. Outra escolha pouco óbvia, Onde o Xaxado Tá, recebeu Zeca Baleiro como convidado especial. Além de Zeca, Cesar Camargo Mariano pontifica no álbum , arranjando algumas das faixas.
Mamão Papaia é a música inédita que Gil compôs especialmente para a estréia solo de Carla. Não por acaso, é um típico axé, ou como o autor chama, um "samba-durinho". "Eu pedi para Gil compor algo para o disco, e queria que fosse um pagodinho bem baiano. Ele adorou a idéia e resolveu fazer um samba parecido com os do Harmonia do Samba." Gil completa: "Fiz essa música porque acho importante que Carla não se distancie da música de axé. Sempre falo para todas essas cantoras, que são minhas amigas - Ivete (Sangalo), Daniela (Mercury) - que por mais que elas queiram diversificar seu estilo, não podem abandonar a alegria do carnaval, o samba baiano. Afinal, esta é a raiz delas todas."
Carla nega que tenha abandonado o Cheiro de Amor (que recebeu de volta a vocalista original, Márcia Freire) por conta da tão propalada crise da axé music. "Essa crise é uma coisa que só as gravadoras enxergam, porque vender disco sempre é uma coisa mais complicada, que envolve vários interesses. Pode entrar e sair de moda, mas em Salvador o carnaval continua quente como antes. São 50 anos de história com os trios elétricos", diz a cantora, que esclarece: "Saí do grupo numa boa, também por sugestão do Marcelo (Castello Branco), depois de algumas divergências quanto aos rumos futuros. Já estava na hora de eu seguir por conta própria. Eu queria interferir mais nas decisões artísticas e empresariais da banda, e não tinha mais para onde crescer com eles."
Quanto ao sucesso da nova empreitada, é Gil quem lança a opinião: "Carla não vai perder o público que ela conquistou cantando música de axé. O povo baiano é muito amante, não abandona assim fácil. Ela vai continuar arrastando todo mundo."