Doctor MCs: o rap nas altas rodas da indústria

Trio paulistano debuta na BMG com o disco Mallokeragem Zona Leste, produzido por Dudu Marote, responsável por discos de sucesso de Skank e Pato Fu

Silvio Essinger
22/09/2000
Depois de mais de década militando no submundo da indústria fonográfica – e assustando os chefões com sua força comercial, vide o meio milhão de discos vendidos dos Racionais MCs –, o rap paulistano começa a encarar o esquema de uma gravadora multinacional. Poucos meses atrás, o Pavilhão 9 assinou com a Warner. Mas quem sacou primeiro foi a BMG, que lança agora Mallokeragem Zona Leste, terceiro álbum do Doctor MCs, o primeiro deles pela gravadora. Dog Jay, MC’A e $mokey D já haviam experimentado o sucesso além do gueto rap, com a música Tik Tak, do disco anterior Agora a Casa Cai (1998, lançado pela Kaskata’s). Foi este hit que chamou a atenção da BMG (e de outras gravadoras) para o trio, que encara com naturalidade a mudança de casa. "A gente via como uma evolução passar de uma gravadora pequena para uma grande", diz $mokey, que era o DJ da banda e agora é MC (os toca-discos agora ficam sob a responsabilidade do DJ White Trash que, como os Doctor MCs, também é da Zona Leste de São Paulo).

"A gente fazia o circuito alternativo, periferia para periferia", conta $mokey. "Mas sempre quis que o som fosse consumido em outros lugares." No caminho de aprimoramento do seu rap dançante, "mais maduro e sem lamentação", eles contaram em Mallokeragem com a produção de Dudu Marote (de discos de sucesso de Skank e Pato Fu). Ele ajudou a costurar no disco a vasta coleção de samples, que vai de músicas da primeira leva do hip hop americano – a old school de nomes como Newcleus e Carl Carlton –, do rap nacional – Racionais, Thaíde & DJ Hum, MC Jack – e até da velha MPB: caso de Na Linha do Horizonte, do Azymuth, que dá a base para Tik Tak (que entrou em nova versão no disco). "A idéia do hip hop é trazer de volta o que as pessoas esqueceram, mas com uma roupagem nova", teoriza $mokey D.

Por falar em roupagem nova, eles reciclaram o clássico da música de protesto dos festivais, Pra Não Dizer Que Não Falei de Flores, de Geraldo Vandré. "Sempre achei que a música tinha tudo a ver com o hip hop – a ditadura, a repressão que os músicos sofriam, o fato de que se você falasse muitos não em uma música já achavam que você era subversivo...", diz o rapper. No começo, ele cantava a música tal qual Vandré. Depois, viu que ficava melhor mesmo em rap, com algumas interpolações do seu próprio texto. Mas não porque a música tivesse perdido a atualidade. "As coisas de que ela fala não mudaram", garante. A old school da MPB também está presente em O Céu é o Limite, que tem um sample de Ive Brussel, de Jorge Ben Jor. "Mandamos a letra da nossa música e ele não só autorizou o uso do sample como disse que queria cantar", conta.

Os Doctor MCs são verdadeiros empreendedores do rap. Depois do lançamento do disco, eles retomam os trabalhos de sua empresa, que tem, entre outras atividades, o desenvolvimento de um grife, a DR Wear, deixada de lado por causa das gravações. No mais, eles pensam seriamente em investir numa carreira no exterior – em 1998, estiveram no Midem Latino, em Miami, divulgando seu disco Agora a Casa Cai. "O pessoal gostou da sonoridade e disse que o rap brasileiro não estava perdendo em relação ao deles", diz $mokey, que arrisca suas análises: "O hip hop brasileiro existe há uns 15 anos – e o Doctor, há 12. Desde que ele começou, só vem evoluindo. É só uma questão de tempo para que o rap nacional seja consumido no mundo inteiro. Temos o suingue, a batida diferente."