Dori Caymmi canta seus <i>irmãos musicais</i>

Geração da MPB que chega aos 60 anos de idade é homenageada pelo compositor no álbum Contemporâneos

Marco Antonio Barbosa
22/04/2003
Muito já se falou, neste começo de milênio, sobre a iluminada geração da MPB que acaba de completar sua sexta década de vida. Chico, Caetano, Gil, Milton, Ben Jor, Paulinho, Ney, e um punhado de outros grandes intérpretes e compositores, que acabam de completar e/ou estão se aproximando dos 60 anos de idade, já foram alvos de loas e aplausos de diversas fontes. Uma das mais aguardadas homenagens à essa geração, no entanto, teve de esperar mais do que o previsto para, finalmente, se tornar conhecida do público brasileiro. O álbum Contemporâneos, de Dori Caymmi, afinal chega às lojas de CDs, lançado pela Universal Music.

A ode de Dori aos sessentões da MPB também poderia ter espaço para ele mesmo, uma vez que em agosto deste ano o compositor chega também aos 60. "Contemporâneos é um disco feito para mostrar aos músicos, aos compositores, aos meninos de hoje em dia, tudo aquilo que a gente fez quando tinha a idade deles", conta Dori sobre sua intenção. Por a gente, o filho de Dorival Caymmi refere-se aos compositores que revisitou: Milton Nascimento & Fernando Brant, Chico Buarque, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Edu Lobo, Marcos & Paulo Sérgio Valle, João Bosco & Aldir Blanc, Ivan Lins, Joyce e Sueli Costa. "É sempre bom lembrar a eles mesmos, os meus contemporâneos, o quão criativos eles já foram. O disco também foi feito para eles. Tenho muito orgulho de fazer parte deste grupo fabuloso", diz Dori.

O álbum é uma continuação natural de Influências ouvir 30s, disco anterior de Dori no qual a homenageada era a geração imediatamente posterior - Tom Jobim, Noel Rosa, Baden Powell, Ari Barroso. Para Contemporâneos, o foco fechou-se na talentosa fornada de artistas que, afinal, gerou o próprio Dori. "Em Influências eu quis agradecer a aqueles compositores a gentileza deles ao terem me preparado para a vida", narra o cantor. "Agora, Chico Buarque, Edu Lobo, Caetano, Gil e outros que estiveram comigo desde o início, meus irmãos musicais, todos esses têm uma obra muito importante. Tanto que foi muito difícil escolher o repertório, e mesmo quais compositores deveriam entrar e quais deveriam ficar de fora", diz Dori. O cantor cita: "Francis Hime, Gonzaguinha, Toninho Horta, Nelson Ângelo... todos estes poderiam entrar, mas o disco já estava com 12 faixas." Atrás da Porta (Francis/Chico), Meu Bem Querer (Djavan) e Beijo Partido (Horta) são apenas algumas das faixas que Dori lamenta não ter podido incluir.

Membro de uma das mais ilustres dinastias da MPB, Dori também encarou o tributo de Contemporâneos cercado por seus "irmãos musicais". Mas sem incorrer na obviedade. "Ao pensar em Sampa, na verdade a primeira música que veio na minha cabeça quando fui escolher o repertório, meu primeiro pensamento foi ouvir Chico Buarque a música comigo. Ficou maravilhoso", narra Dori. A mesma regra foi aplicada a Januária, de Chico, que ganhou a participação especial de... Caetano Veloso. A irmã Nana brilha dividindo Lembra de Mim (Ivan Lins/Vitor Martins), o irmão Danilo chega em Ponta de Areia (Milton Nascimento/Fernando Brant) e Edu Lobo abrilhanta a recriação de seu Choro Bandido.

Nessas canções, e no resto do álbum, Dori empreende um mapeamento das contribuições mais marcantes que sua geração deu à música brasileira. O Caetano pós-tropicalista, o Gil interiorano (Procissão), o samba urbano de João Bosco (Bala com Bala) e o samba elegantemente estilizado de Paulinho da Viola (Coisas do Mundo, Minha Nega), a recriação do regional pelos irmaõs Valle (Viola Enluarada)... há de tudo um pouco no novo álbum.

Aparentemente deslocado do contexto cronológico do disco está Renato Braz, cantor e compositor vencedor do último Premio Visa de Música Brasileira. Depois de escrever alguns arranjos para Quixote, mais recente trabalho de Renato, Dori o fez seu parceiro - ambos cantam em Contemporâneos a canção Flor das Estradas (de Dori e Paulo Cesar Pinheiro), única inédita do CD. "Esta canção me remete muito ao estilo de compor de Ari Barroso, a quem tanto eu quanto o Renato admiramos muito", fala Dori. A amizade e a colaboração com Braz é motivo de alegria e elogios rasgados de Caymmi. "Ele (Renato) é minha esperança de um Brasil mais brasileiro, um Brasil que eu gostaria de ver. Vejo nele, e em alguns outros músicos de sua geração, uma continuação, uma afinidade do trabalho que começamos nos anos 60", diz Dori, referindo-se à turma homenageada em Contemporâneos.

A trajetória de Contemporâneos até aportar no mercado brasileiro foi tortuosa. Para começar, o álbum não é exatamente o "novo" trabalho de Dori; o disco foi gravado entre o fim de 2001 e o começo de 2002, numa ponte aérea entre estúdios do Rio de Janeiro e Los Angeles. Com um time de músicos norte-americanos (mais a adição do percussionista Paulinho da Costa e de uma seção de cordas), Dori produziu o disco para a gravadora norte-americana Horipro - a Universal apenas licenciou o álbum para distribuição por aqui. "Era para ter sido lançado em fevereiro do ano passado, a gravadora foi adiando", conta Dori. Por essas e outras é que o filho de Dorival, radicado nos EUA desde 1989, não cogita em voltar para o Brasil. "Em Los Angeles é onde me deixam fazer música brasileira. Enquanto isso, fico tentando lançar discos por aqui", diz.