Ed Motta esbanja suingue e bom humor em novo show

Comentários do músico provocam risos na estréia de As Segundas Intenções do Manual Prático, espetáculo em que ele equilibrou o requinte jazzístico com a necessidade de fazer dançar

Carlos Calado
01/12/2000
Se ele é um guloso assumido no dia-a-dia, por que seria diferente no palco? No show de lançamento do álbum As Segundas Intenções do Manual Prático, que estreou quinta-feira à noite, no DirecTV Music Hall, em São Paulo, Ed Motta canta, toca e conversa com a platéia por mais de duas horas. Mesmo assim, vorazes como o cantor e compositor, seus fãs ainda pedem mais. Bem à vontade em cena, o soulman parece ter finalmente encontrado um equilíbrio em seu trabalho musical: sem abrir mão de sua criativa obsessão pelo jazz e pela black music dos anos 50, 60 e 70, ele sabe agradar àqueles que preferem música para dançar.

Com uma atraente levada disco, Mágica de um Charlatão (parceria com Chico Amaral, que também abre o novo CD) funciona bem para conquistar a platéia desde o início. É seguida pelo samba-funk Dez Mais Um Amor (letra de Ronaldo Bastos) e por Lady (parceria com Fábio Fonseca e Mathilda Kóvac), um funk de seu disco de estréia, que Ed dedica à mulher Edna Lopes - criadora do figurino e do cenário do show, recheado de imagens extraídas da estética visual dos anos 50.

Vamos Dançar (parceria com Rafael Cardoso), outro sucesso dos anos 80, reaparece com um arranjo à Steely Dan, que destaca um solo cheio de chinfra de Paulinho Guitarra. Aliás, a influência dessa sofisticada banda norte-americana, que marcou o pop dos anos 70, é reconhecida mais adiante. "Comecei a gostar de música brasileira por causa do Steely Dan", assume Ed, ao apresentar o blues Suddenly You (parceria com o norte-americano Black Amos), sua homenagem à lendária banda que voltou à estrada no ano passado.

Bem-humorado, Ed introduz quase todas as músicas com algum comentário, geralmente provocando sorrisos. Ou até gargalhadas, como ao revelar que tem o mesmo problema de memória do rei Roberto Carlos. "Se me perguntarem a formação do Horace Silver Quintet em 1960, eu sei toda, mas as letras das minhas músicas, não", diz ele, mostrando à platéia os cartazes com letras garrafais, que ficam à sua frente, numa estante de partituras.

Outra boa sacada do show é um pot-pourri com os sucessos Daqui Pro Méier (letra de Chico Amaral), Baixo Rio (parceria com Luiz Fernando, Fábio Fonseca e Marcelo Mansur) e Vendaval (letra de Ronaldo Bastos), que Ed toca sentado ao piano elétrico Fender Rhodes, seguido apenas pelos vocais espontâneos da platéia. Ainda pilotando esse instrumento, mas junto com a banda, ele exibe duas composições instrumentais inéditas, mais próximas do universo do jazz. Lindúria é inspirada no hard bop dos anos 50 e nos filmes de espionagem. Um Dom Para Salvador ("um 6/8 com clima de Beco das Garrafas", na definição do próprio compositor) é uma homenagem ao pianista Dom Salvador, puxada por vocais onomatopaicos que os jazzistas chamariam de scat.

Com destaque especial nos arranjos, o naipe de metais formado por Jessé Sadock (trompete), Lelei (sax e flauta) e Aldivas Ayres (trombone) esquenta números mais dançantes, como as antigas Solução (parceria com Bombom) e Entre e Ouça. E chega a lembrar uma big band, no arranjo da sofisticada balada Outono no Rio (letra de Ronaldo Bastos).

Demonstrando maturidade, depois de amargar um período de semi-ostracismo, Ed Motta prova nesse show que sua perseverança lhe rendeu um verdadeiro privilégio nos dias de hoje: sem fazer grandes concessões, consegue continuar produzindo música de qualidade no devastado mercadão fonográfico orientado pelas majors.