Edu Lobo resgata parceria e compõe para o cinema

Compositor escreve trilha para o teatro com Chico Buarque, acaba de musicar o filme Xangô de Baker Street e tem relançados antigos discos que gravou nos EUA

Tárik de Souza
25/05/2000
Nelson Motta não deixa de ter razão quando diz que "Edu Lobo foi o cara que nunca quis ser rei". Quando o compositor estourou nos anos 60, com os megasucessos Upa Neguinho!, Ponteio e Arrastão, sua primeira providência foi desaparecer – largou tudo e foi estudar orquestração nos EUA. De lá para cá, gravou poucos discos, musicou algumas peças, balés e filmes, todos trabalhos marcantes e de indiscutível qualidade. Apesar da rotina de vida reclusa, Edu não pára de produzir. Para este ano, o músico está envolvido em dois grandes projetos – está terminando a trilha para o filme Xangô de Baker Street, de Miguel Faria, e começando a musicar uma peça de teatro em parceria com Chico Buarque, o que já é garantia de mais uma obra prima.

Ao mesmo tempo, acabam de ser relançados nos EUA, pela gravadora Universal, dois discos com participações do compositor jamais lançados por aqui, gravados na época em que Edu exilou-se, fugindo dos militares e, sobretudo, do sufocante e repentino sucesso no Brasil. Sérgio Mendes presents Lobo, de 1970, traz Edu acompanhado de grandes músicos, como Oscar Castro Neves (violão), Tião Netto (baixo), Claudio Slon (bateria), Airto Moreira (percussão) e Hermeto Pascoal (piano e flauta). O segundo disco, From The Hot Afternoon (1969) do saxofonista Paul Desmond (do Dave Brubeck Quartet, para o qual o grande sucesso Take Five), conta com seis canções de Edu (as outras seis são de Milton Nascimento) e a participação do próprio tocando violão.

Edu recebeu a equipe do CliqueMusic - Tárik de Souza, Nana Vaz e Tom Cardoso – no estúdio de sua casa em São Conrado. Durante a entrevista, o compositor falou de sua rápida passagem pelos EUA no começo da década de 70 e dos discos lançados por lá, da incômoda e meteórica vida de pop star no Brasil, da sua eterna discordância dos tropicalistas, "O Caetano deu uma virada de gosto muito rápido – para o meu gosto", e do prazer em voltar a trabalhar com o seu melhor parceiro. "Estou eufórico e muito feliz em dividir esse projeto com o Chico".



CliqueMusic – A Universal lançou recentemente dois discos importantes de sua breve passagem pelos EUA – From the Hot Afternoon, do Paul Desmond, de 1969, e o Sérgio Mendes Presents Lobo, de 1970. Nesta época, o Sérgio Mendes estava no auge e assinar um disco em parceria com ele era um privilégio nos EUA. Você chegou a pensar numa carreira internacional?

Edu Lobo –
Não. Logo depois de lançar o Sérgio Mendes Presents eu voltei para o Brasil para renovar o visto. Quando cheguei aqui, eu estava casado com a Wanda (Sá) na época, percebi como a vida nos EUA estava chata demais e resolvi nunca mais voltar para lá.

CliqueMusic – Mesmo com o Brasil vivendo uma barra pesadíssima...

Edu Lobo
– Mesmo assim. Estava sentindo falta do companheirismo das pessoas e só me dei conta disso quando cheguei ao Brasil. Voltei para os EUA e vendi tudo – tinha casa comprada, tinha feito um plano para me estabelecer realmente.

CliqueMusic – Onde você estava morando nos EUA?

Edu Lobo –
Em Los Angeles. No começo eu gostei bastante da cidade. Estava estudando música, a cidade era tranqüila, muito melhor do que hoje em dia. Milhões de novidades. Eu virei rato de loja de discos. Mudei minha vida. Não precisava atender telefone, não precisava fazer show, esse lado era muito bom.

CliqueMusic – Você saiu do Brasil como um ídolo, era visto como um pop star na época.

Edu Lobo –
Isso era contra a minha vontade. Eu nunca pretendi fazer sucesso. Fui literalmente empurrado para o palco. Sempre sonhei em ser músico, mas nunca me imaginei subindo num palco. Tem aquela frase do Tom (Jobim), que eu adoro, em que ele diz: "Eu não gosto de aparecer não, mas eu gosto de empinar o meu papagaio, cuidar dele para ele ficar bonito e todo mundo ver". Adorava quando as pessoas gravavam minhas músicas, quando elas tocavam no rádio. Mas nunca quis ser um pop star. Fui para Los Angeles para quebrar isso. Pensava: "agora eu vou ser visto como um compositor". Só não fui mais radical porque é arriscado você fazer isso no Brasil. A gente corre o risco de Beatriz virar a música do Milton Nascimento, Upa Neguinho! da Elis e assim por diante. Compositor só compositor acaba desaparecendo no Brasil. Isso só existe aqui – Cole Porter fez poucos shows na vida e qualquer garoto americano de oito anos sabe quais são as suas músicas.

CliqueMusic – Como foram as gravações do Sérgio Mendes Presents Lobo?

Edu Lobo
– Gravamos na casa do Sérgio Mendes. Foi o disco mais demorado da minha vida, horas e horas de estúdio. O disco sofre um pouco por isso. É cuidado demais. É muito bem gravado, tens algumas coisas loucas, como a gravação de Hey Jude, dos Beatles – o contrato me obrigava a gravar duas canções estrangeiras.

Clique Music – O disco teve alguma repercussão nos EUA?

Edu Lobo –
Nenhuma.

CliqueMusic – E a participação no disco do Paul Desmond?

Edu Lobo –
Foi uma experiência fantástica. É um instrumentista que não existe mais – aquele sax alto ninguém toca mais daquela maneira. Lembro de uma história boa desse disco. Tem uma faixa que a Wanda grava, Pra Dizer Adeus, que não seria cantada. Ela estava no estúdio e o Paul gostou da voz dela e falou assim: "experimenta colocar a voz – o inglês dela era muito bom – canta essa música, só para ajudar a gente, fazer tipo uma voz guia". Era quatro tons abaixo do dela, ficou muito estranho. Ela cantou e ele na mesma hora: "lindo! lindo!" Pensei, isso é coisa de americano, ele não vai colocar isso no disco, mas, para surpresa nossa, acabou saindo.

CliqueMusic – Você estudou música com quem nesta época?

Edu Lobo –
Fiz um curso de orquestração com um cara chamado Albert Harris. Um estudo teórico, pois não tinha orquestra para experimentar nada. Mas foi muito bom, tinha aulas particulares três vezes por semana. Vim para o Brasil, comecei a escrever um pouco, mas parei logo. O meu lance não é escrever. O meu lance é escrever com alguém que escreva. Gosto muito de trabalhar em parceria, orquestrando, ao mesmo tempo dando milhões de idéias, pensando nos naipes, nos timbres, mas sempre escolhendo alguém que tenha mais prática. Cada músico tem um temperamento diferente. Há o instrumentista, que fica oito horas repetindo. Tem o cara que tem talento para o negócio da orquestra, como o Chiquinho de Morais, que escreve sem grade, uma coisa meio mediúnica, que me dá medo. Eu já vi ele escrevendo um arranjo de última hora, sem grade. Era assim: primeiro sax, segundo, terceiro, quarto, quinto. Trompete: primeiro, segundo, terceiro... Eu achava que aquilo não tinha como dar certo. E na hora sai tudo certinho, sem nenhum nota errada. Foi muito importante esse aprendizado. Era uma coisa que me deixava muito inseguro, o não conhecimento de música. Além disso, eu tinha uma certa premonição de que aquele meu sucesso nas rádios iria acabar logo. Achava que os festivais, a concorrência, tudo estava ficando comercial demais.

CliqueMusic – O que você acha da tentativa da Globo de reeditar os grandes festivais de música?

Edu Lobo –
Será que tem clima? Eu acho que não adianta fazer festival se você não tem programação. Por que os festivais da Record eram mais importantes? Todo mundo da época lembra de pelo menos dez músicas da Record. Duvido que alguém lembre de quatro do Festival Internacional da Canção. A Record fazia do seu festival um grande programa anual, mas durante o ano inteiro eu e todo mundo éramos contratados da emissora, ganhávamos salário. Na época não tinha novela e as grandes estrelas eram a gente – eu tinha uma certa dificuldade de sair na rua.

CliqueMusic – Você detestava esse assédio.

Edu Lobo –
Eu sempre achei esse negócio de festival uma coisa passageira. Sempre dava um jeito de fugir na hora que o meu nome ficava muito em evidência – quando ganhei o Festival da Record de 1967, com Ponteio, passei três meses na França.

CliqueMusic – Desde o começo, com Arena Conta Zumbi, seu trabalho se vinculou a peças teatrais. Por que você sempre gostou de ter um suporte do teatro?

Edu Lobo –
Acho que foi meio por acidente. Eu tinha 21 anos e o (Gianfrancesco) Guarnieri me convidou para musicar uma peça que ele estava escrevendo. O tempo era mínimo para fazer esse trabalho, pensei seriamente em desistir, mas acabei topando. Quando fui encontrar o Guarnieri, perguntei: "Qual a peça que você está escrevendo?" "Nenhuma", ele respondeu. Nós ficamos ali, os dois sem graça, sem saber o que fazer. Comecei a tocar violão, a tocar algumas das minhas canções. Tinha uma música que eu tinha feito com o Vinicius, chamada Zambi. E o Guarnieri: "Zambi, humm, Zumbi, tal, Quilombo dos Palmares, quem sabe é por aí" (risos). Aí deu um alívio, pois estava acabando o assunto e principalmente as minhas músicas. Depois a gente começou a se entender, fomos beber e daí para frente foi feito o Arena Conta Zumbi. E esse desafio, essa coisa que eu achava que não ia dar tempo, passou a ser quase uma necessidade na minha vida: trabalhar sob pressão. Até hoje é assim. O musical que eu estou escrevendo junto com o Chico (Buarque) tem sido assim: entrego tudo em cima da hora.

CliqueMusic – Como surgiu o convite para musicar essa nova peça junto com o Chico?

Edu Lobo –
A idéia de trabalhar junto com a Adriana e o João (Falcão) foi do Chico. A gente gosta muito do trabalho deles e eles vieram com uma história ótima. Deu uma euforia tão grande, que, em vez de esperar o contrato para começar a trabalhar, eu disse: faz de conta que estamos nos anos 60, vamos começar a trabalhar, depois a gente cuida do contrato. Faz um mês que a gente começou, já fizemos a primeira letra. Eu adoro, porque levanto da cama já programado. Não sou artista nesse sentido, do cara que acorda e precisa produzir.

CliqueMusic – O roteiro da peça está pronto?

Edu Lobo –
Na verdade só a sinopse está pronta, o João e a Adriana não fizeram diálogo nem nada. Eles estão criando situações de canções para a gente. Estou adorando isso, de poder participar do processo de criação do roteiro. É o mesmo tipo de experiência que eu tive com o Arena Conta Zumbi.

CliqueMusic – Qual o nome da peça?

Edu Lobo –
Ainda não foi decidido. É um peça sobre sonhos. Fiz uma música na semana passada que tinha uma coisa de verão, de tempo quente, de sedução. A Adriana queria juntar sonhos com verão, mas daí a barra pesa por causa do inglês que já fez primeiro, Sonhos de Uma Noite de Verão (risos). É uma peça atemporal. Conta a história de um super star que sonha em ser anônimo. Ele se apaixona por uma mulher que verdadeiramente gosta dele. E tem o anônimo que sonha em ser famoso, que é a única maneira de conquistar a mulher que ele quer. No final das contas ninguém vai saber se aquilo tudo é verdade. Para a música esse surrealismo é ótimo. Porque pode tudo. Pode entrar violino, entortar a harmonia, misturar estilos. Não tem aquele rigor. Estou muito feliz com esse projeto.

CliqueMusic – De todos musicais que você fez com o Chico qual marcou mais?

Edu Lobo –
Eu adoro o Grande Circo Místico, acho o mais redondo. Já O Corsário do Rei eu discordei do (Augusto) Boal em algumas encenações, mas tem muitas músicas que eu gosto, principalmente de Choro Bandido.

CliqueMusic – Muitas dessas canções fizeram sucesso e viraram clássicos, como Beatriz.

Edu Lobo –
Aliás, o sucesso de Beatriz é até hoje um mistério para mim. É uma música que ninguém sai por aí cantando, não tocou no rádio, só teve uma gravação, que foi a do Milton, e todo mundo conhece. Estranho isso, né? Eu tive uma experiência parecida com Pra Dizer Adeus, que era uma canção difícil de cantar em show, mas ela tocou no rádio, muita gente gravou.

CliqueMusic – Você inscreveu Canto Triste (parceria com Vinicius de Moraes) no Festival Internacional da Canção. Mais antifestival do que essa música impossível...

Edu Lobo –
É verdade. Aliás, quero aproveitar para reclamar com o Nelsinho (Motta). Tem uma interpretação que ele faz no livro dele (Noites Tropicais), de que depois do Ponteio , eu coloquei uma música chamada Maré Morta de propósito, porque eu queria ser vaiado! Pô, não era isso! A minha idéia não era provocar a vaia, mas sim fazer uma música com a maior liberdade possível, sem me preocupar com o seu sucesso ou não.

CliqueMusic – Você leu o livro Verdade Tropical, do Caetano? O seu nome é bastante citado.

Edu Lobo –
Li com muita atenção. O Caetano deu uma virada de gosto muito rápido – para o meu gosto. A nossa discordância começava por aí. Para ele, era preciso gostar de jovem guarda, de uma porção de coisas modernas. Tem muita coisa contemporânea que não me interessada nada. Eu ouvi o Philip Glass com atenção, sei que ele é um cara que estudou, mas não tenho o menor saco para aquilo que ele faz. Querer que eu goste de uma coisa repetitiva, achando que esse é o grande barato, para mim contraria tudo que eu aprendi a gostar. Na realidade eu nunca impliquei com os tropicalistas, acho até que foram eles que implicaram mais comigo. A tropicália foi muito mais um movimento comportamental do que musical, apesar de sempre admirar o talento deles todos como músicos.

CliqueMusic – A Wanderléa disse numa entrevista que você sempre teve uma postura antipática em relação à jovem guarda. Disse que achava você e o Chico uns caras estranhos na época, que se vestiam como o avô dela... Depois de tanto tempo, qual a importância que você dá hoje para a jovem guarda dentro da música popular brasileira?

Edu Lobo –
Continuo tendo a mesma postura que tinha naquela época. Você não vai encontrar uma opinião minha contra a jovem guarda, nem provavelmente falando nada a respeito. Cada um faz a música que quiser e cada um escolhe o que gosta. Eu não me interesso, mas respeito. Acho um equívoco das pessoas acharem eu o Chico conservadores, atrasados, só porque a gente se vestia de smoking. A nossa música não tinha nada de conservador, pelo contrário.

CliqueMusic – A sua trilha para Guerra de Canudos (filme de Sérgio Rezende, exibido em 1997) não foi sequer lançada em CD. Você fica frustrado por esse descaso com seu trabalho? Esperava que a música brasileira chegasse num poço tão fundo?

Edu Lobo –
No Brasil não existe um mercado, como nos EUA, para trilhas de cinema. Não faço um trilha já pensando em lançar o disco. Estou terminando de musicar o filme Xangô de Baker Street (dirigido por Miguel Faria) e não sei ainda se esse trabalho será lançado em CD. Não me sinto frustrado por isso, porque sei que o problema não é pessoal. Faço um tipo de música que no Brasil não toca nas rádios e não é consumido pela massa. O Caetano só conseguiu vender milhares de discos porque a música (Sozinho), que não é nem dele, entrou na novela da Globo. Existe um preconceito com o tipo de música que eu faço e que muita gente faz que é muito sério nesse país. Isso sim me deixa frustrado.