Elite paulistana estranha o funk carioca

Em sua estréia em São Paulo, os bailes da Furacão 2000 e Castelo das Pedras frustraram o público local, que não conseguiu entrar no clima do pancadão

Tom Cardoso
20/02/2001
"Eu só quero é ser feliz/ Andar tranqüilamente na favela onde eu nasci..." . Esse era um dos refrões mais entoados pela classe média alta paulistana, que compareceu em peso, no sábado, à estréia oficial em São Paulo da turma do Castelo das Pedras, vinda diretamente da Favela do Rio das Pedras, em Jacarepaguá, Rio de Janeiro. O local escolhido: a boate A1, antigo América, situada numa das regiões mais nobres de São Paulo. Lá a entrada custa R$ 40 e um copo d’água não sai por menos de R$ 3, o que daria para pagar três entradas do Um Real, organizado pelo mesmo Castelo das Pedras no subúrbio carioca.

Os contrastes estavam apenas começando. Os homens, com seu figurino camisa-sapato-cinto, esforçavam-se para fazer cara de bandido e as mulheres, muitas delas de salto alto, tentavam (e não conseguiam) seguir o rebolados das dançarinas. Um japonês dançaria samba melhor. Constrangedor. Nunca um baile funk tinha sido tão descaracterizado.

"Como as letras dessas canções são ruins! Por que esse pessoal não vai para casa?", dizia, perplexo, um dos seguranças da boate, depois de ter o seu ouvido castigado pelo som de Tapinha, Cerol na Mão, Dança da Motinha, Tá Dominado e outros sucessos do funk carioca. O dublê de DJ Alexandre Frotta bem que tentou dar mais empolgação à festa: "Essa é a estréia oficial do funk em São Paulo, aproveitem!" Pura bravata. Dois dias antes, na quinta-feira, a Furacão 2000 (empresa que domina o funk carioca há quase três décadas), tinha se apresentado na boate Fabbrica 5, casa freqüentada pela elite paulistana, de propriedade do apresentador Gugu Liberato.

Nem a Enfermeira do Funk, uma espécie de mistura de Carla Perez com Tiazinha, salvou a noite do Castelo das Pedras. Ela rebolou, convidou os marmanjos a subirem no palco, simulou posições sexuais com eles. Algumas patricinhas olhavam com cara de nojo e outras nem notaram, tamanha era a tensão para acertar os passos. Num certo momento, um dos MCs tentou levantar a galera e cantou trechos do hino do Corinthians. Levou uma vaia estrondosa. A maioria presente era torcedora do São Paulo. Era como se num baile do Rio de Janeiro houvesse mais torcedores do Fluminense do que do Flamengo.

Se na periferia do Rio de Janeiro o funk ainda conserva um certo charme, muito por causa da identificação do público com as letras e gírias, em São Paulo os bailes têm tudo para ficar ainda mais chatos e sem graça. Uma prova disso ocorreu domingo, na segunda noite da Furacão 2000 na Fabbrica 5. Cerca de quatrocentas pessoas (o espaço comporta mais de 5 mil lugares) compareceram para ver os MCs e DJs da Furacão. O Bonde do Tigrão, que havia se apresentado na matinê, não deu as caras à noite - assim como todo o resto da turma. A casa convocou alguns DJs locais, colocou o CD da Furacão para tocar e ninguém notou a ausência. Um fiasco.

A salvação do funk carioca em São Paulo pode estar nas pequenas casas noturnas, que costumam manter por mais tempo fenômenos musicais e não se guiam por modismos. É o caso do Brancaleone e o Dolores Bar (ambos localizados no bairro da Vila Madalena), que há um bom tempo têm noites dedicadas ao funk, muito antes do fenômeno explodir na cidade. No Dolores, o rapper Big Richard já prometeu abrir um espaço de sua programação para o pancadão. As duas casas podem ser uma boa saída para quem não agüenta o funk pó-de-arroz exibido no circuito Itaim-Jardins.

Para o rapper Xis, que já teve o seu sucesso Us Mano As Mina remixado várias vezes sem autorização pelos DJs cariocas, o funk só vai se firmar em São Paulo pra valer se investir no público da periferia. "A playboyzada só vai aos bailes porque estão na moda. Eles não têm força para segurar um movimento", profetiza Xis. "E o que a gente está ouvindo em São Paulo não é a mesma música que tem sido produzida nos verdadeiros bailes funks do Rio de Janeiro. Aqui só chegam as canções comerciais, prontas para o playboy ouvir."

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