Em discussão, o passado e o presente da MPB

Evento O Alcance da Canção reuniu em Porto Alegre músicos como José Miguel Wisnik e Luiz Tatit e jornalistas-escritores como Ruy Castro e João Máximo

Carlos Calado
24/07/2000
PORTO ALEGRE – A música popular brasileira foi tema de um concorrido seminário promovido pelo centro cultural Usina do Gasômetro, em Porto Alegre, neste último final de semana. Compositores, letristas, professores universitários e jornalistas especializados comandaram cinco encontros animados, que refletiram sobre a história desse gênero musical e discutiram sua realidade atual.

"A meu ver, a música brasileira vive uma fase de hegemonia como nunca aconteceu antes no Brasil. Pode-se gostar ou não do pagode e do axé, mas o fato de essas músicas serem dominantes, nos últimos anos, não significa que elas estejam tomando o lugar da boa música, que sempre existiu fora dessa mídia", afirmou o compositor e professor paulista Luiz Tatit, que abriu o seminário junto com o jornalista e escritor carioca João Máximo, falando sobre o tema A Era de Ouro do Samba nos Anos 30, 40 e 50, na noite de sexta-feira (21/7).

Na mesma noite, o debate A Bossa Nova e o Erudito Brasileiro juntou o escritor e jornalista mineiro Ruy Castro e o professor de composição gaúcho Celso Loureiro Chaves. Eles mostraram em suas abordagens que a relação entre os dois assuntos relacionados no tema não passava de uma simples somatória. Se Chaves ateve-se a discussões relativas à história da música erudita no país, Castro discorreu sobre a atualidade do estilo musical lançado por João Gilberto, no final dos anos 50.

"A bossa nova não morreu, contrariando tudo o que se dizia nos anos 70 e 80. Foi preciso que ela renascesse, no início dos anos 90, para que os próprios artistas voltassem a ter orgulho dela", disse Castro, que também criticou a situação vigente no mercado fonográfico do país: "A política da indústria do disco, que só se interessa por discos que vendem na faixa dos sete dígitos, é muito perigosa em médio prazo."

O compositor paulista e professor de literatura José Miguel Wisnik e o jornalista gaúcho Juarez Fonseca também seguiram por caminhos bem diversos, em suas intervenções sobre o tema "A Canção Popular", que aconteceu na manhã do sábado (22/7). "Os festivais dos anos 60 deram um empuxe alegórico à canção: trouxeram a idéia de que existiam esperanças de transformação do país", disse Wisnik que, assim como Luiz Tatit, tem uma canção de sua autoria classificada para o próximo festival da Rede Globo.

Wisnik disse ainda que esse evento foi criado num momento de transição do mercado. "O festival da Globo apareceu num momento em que o axé, o pagode e o sertanejo estão vendo suas vendas diminuírem", afirmou. Já Fonseca mostrou-se menos otimista: "Segundo os próprios selecionadores, com quem eu conversei, das 24 mil músicas inscritas nesse festival havia poucas boas", revelou.

Churrascaria
No debate mais agitado do evento, no início da tarde do sábado, o letrista e poeta baiano Waly Salomão e o músico gaúcho Arthur de Faria encontraram-se para discorrer sobre o apropriado tema Notas Dissonantes. "Eu sou uma dissonante aqui. Tenho hostilidade à hegemonia que a música popular exerce na cultura brasileira. Ela tem um papel exagerado no Brasil das últimas décadas. O alcance da música popular no país é imperial", afirmou Salomão, que por pouco não transformou sua participação num happening. "Não suporto a música baiana de hoje. Detesto Chiclete com Banana. Tenho horror, ojeriza", disparou, entre tiradas histriônicas e alfinetadas em opiniões de outros participantes do evento.

Numa linha semelhante, o produtor gaúcho Carlos Eduardo Miranda, da gravadora Trama, também arrancou risos da platéia, com suas observações bem-humoradas e idiossincráticas, no debate de encerramento, intitulado A Música Brasileira do Ano 2000. "A mídia mainstream é cega e burra", atacou, sugerindo aos vários músicos presentes na platéia que a via alternativa seria a melhor saída para quem não se dedica aos gêneros dominantes no mercado. "Por que ficar reclamando das grandes gravadoras? É como ficar dizendo que Porto Alegre só tem três churrascarias e que todas são ruins. Por que você não vai lá e faz uma churrascaria para as pessoas que pensam como você?"