Escolha sua trilha sonora de São João
Falamansa, Trio Nordestino e Banda de Pífanos de Caruaru lançam discos e evidenciam o eterno forró
Marco Antonio Barbosa e Mônica Loureiro
27/06/2003
São João (quer dizer, o dia dedicado ao santo) já passou. Mas os meses de junho e julho
continuam sendo pródigos em lançamentos de discos de forró, aproveitando o eterno
embalo das festas juninas. O ano de 2003 está distante, pelo menos em termos
quantitativos, do boom forrozeiro de 2000, que viu a explosão do forró
universitário e sua entronização entre o público jovem da classe média. Entretanto, três
lançamentos recentes no gênero nascido no Nordeste merecem destaque e evidenciam,
cada um a seu modo, a diversidade criativa do forró. Puxando o cortejo arretado vem o
Falamansa, líder inconteste dos universitários, que retorna com Simples
Mortais - o terceiro álbum de sua carreira e o primeiro após o estouro de vendas da
temporada 2000/2001. Patronos (in)diretos e fonte inspiradora de toda a onda do forró
universitário, o Trio Nordestino - que comemora 45 anos de atividades - lança o CD
celebratório O Baú do Trio Nordestino. E a verdadeira lenda viva da música
nordestina, a Banda de Pífanos de Caruaru, também se rende ao forró no disco No
Século XXI, No Pátio do Forró, álbum que marca os 80 anos (!) de fundação do
grupo. Cada um desses forrós tem sua própria história.
Um milhão de CDs depois...
Tato (violão e voz), Dezinho (triângulo), Alemão (percussão) e Valdir (sanfona), os quatro integrantes do Falamansa, querem provar que não merecem a pecha de "deuses do forró universitário". Pelo menos é que pode-se depreender do título do novo disco, Simples Mortais (Deck). Aliás, o grupo quer mesmo escapar dos rótulos com a nova bolacha. "Nosso forró não pode ficar apenas nessa definição de 'universitário'. Ou qualquer outra. O forró é uma música do Brasil, não de apenas uma região do país ou de um grupo específico de ouvintes", afirma o vocalista Tato, compositor de oito das 13 faixas do novo álbum. "O Falamansa faz uma música que pode agradar a todos. Podemos agradar a quem gosta de rock, a quem ouve MPB, e também aos fãs do forró mais tradicional."
Mais do que universitário, o som do Falamansa é, sem dúvida alguma, pop. Influências de reggae e pop-rock mais ortodoxo contaminam o forró do grupo, fato assumido por Tato. "Ainda estamos centrados no pé-de-serra, na base da zabumba, sanfona e triângulo. Mas tudo o que eu componho acaba refletindo muito daquilo que estou ouvindo. Isso aparece nos xotes, xaxados ou baiões que faço misturados às minhas influências de rock, pop e reggae", explica o vocalista. A amplitude de influências fica evidente na versão para Caminhos do Coração (Gonzaguinha). "Gosto muito dessa música, mas só há pouco tempo percebi que é um tipo de canção que eu mesmo gostaria de ter escrito", afirma o vocalista. Em outros momentos, como na quase-balada Love Sem Amor e nas balançadas Feinha e Simples Mortais, a ortodoxia do forró fica em segundo plano. "Acho que nesse trabalho nos apresentamos de uma maneira mais aberta, menos restrita", considera o cantor.
Isso pode ser traduzido também pela incorporação de instrumentos como violoncelo e sopros à batida básica do forró, no novo CD. Bem, aberturas existem, mas sem exageros. Produzido por João Augusto e Rafael Ramos, Simples Mortais não procura, nem quer, afastar-se muito do som tradicional do Falamansa que o povão consagrou. "Tudo o que fizemos foi natural, sem buscar trazer nada de novo, sem seguir modismo algum", reflete Tato. "Não é questão de caso pensado, de dizer 'ah, assim soaremos mais elitistas' ou 'mais sofisticados'. Tudo faz parte do meu amadurecimento como compositor e também do nosso amadurecimento como banda."
Festa cheia de convidados
Imagine fazer um CD que sintetizando 45 anos de carreira. A tarefa árdua foi realizada pelo Trio Nordestino, que está lançando o "Baú do Trio Nordestino" pela Indie Records "Deu trabalho a escolha do repertório, afinal só de LPs do tempo do vinil temos 38. Este é o nosso 43º lançamento. Escolhemos 60 músicas para tirar as 14 do disco", diz Coroné (zabumba), fundador do trio ao lado de Cobrinha e Lindú. Hoje, em sua terceira formação, o Trio Nordestino conta com Beto (sanfona) e Luiz Mário (voz e triângulo), respectivamente afilhado e filho do falecido Lindú.
A comemoração com o Baú do Trio Nordestino vem com vários convidados especiais. A começar por Duani, produtor e arranjador do trabalho. O integrante do Forróçacana - que participa da faixa Maracatu Êta - já era um pesquisador e apaixonado pelo Trio. Tanto trocaram idéias e tocaram juntos que o convite para participar da produção do disco veio naturalmente. A gravadora conseguiu arregimentar ainda Elba Ramalho, Lenine, Dominguinhos, Fagner e Alceu Valença - "Durante a gravação, Alceu disse: `É, a Indie é uma gravadora séria...'. Foi daí que nasceu o namoro, que vai resultar num CD e DVD", lembra Coroné.
No repertório, formado na maioria por pot-pourris, estão Forró Pesado, Bichinho Danado, O Chineleiro e Forró no Claro/Forró Desarmado. "A música de trabalho é Resto de Amor, com participação de Fagner", destaca Coroné. Segundo Beto, o disco está nos moldes do forró de 30, 40 anos atrás. "Ressuscitamos até a tuba", diz. Curiosamente, Procurando Tu (Antonio Barros), música de maior sucesso do trio baiano, não estava na primeira seleção. "Ela já foi muito regravada", justifica Beto. Mas Coroné lembra que foi por causa dela que adquiriram respeito e ficaram conhecidos no Brasil e, por isso, não teve como deixá-la de fora. "É nossa identificação com o povo", diz o zabumbeiro. É interessante lembrar que o grupo vendeu 1 milhão de cópias do disco que tinha essa música - um número impressionante hoje, imagine em 1970.
Banda de Pífanos estica braço para a modernidade
Qual o segredo de manter uma banda ativa por 80 anos? "Não perder suas raízes", diz prontamente João Biano, vocalista e zabumbeiro da Banda de Pífanos de Caruaru. O quase centenário grupo está lançando o CD No Século XXI, no Pátio do Forró pela Trama que, apesar de afirmar essa fidelidade à tradição, deixa transparecer uma readaptação aos tempos modernos. O novo trabalho prioriza o forró e abandona o veio de cultura popular que sempre marcou o trabalho da banda. "Na verdade, no disco anterior (Tudo Isso É São João) já não tínhamos mais esse tipo de coisa", diz João. O músico se refere às marchas, dobrados, rancheiras e rezas que sempre marcaram o repertório do grupo. E justifica a mudança: "Antes, nos apresentávamos em teatros, tinha cenário e os custos eram muito altos. De quatro anos para cá, tocando em colégios, praças e universidades, percebemos que a rapaziada estava aderindo à nossa música. Então, fomos mais ou menos obrigados a cair nesse trabalho, voltando-se mais para a juventude. Um dos resultados é um CD mais dançante".
João garante que essas mudanças não alteraram a função do pífano na sonoridade: "O instrumento continua em primeiro plano". Na verdade, a formação dos instrumentos é a mesma que vem acompanhando a banda por esses anos. "No início, eram caixa, zabumba e dois pífanos. Em 1939, entraram surdo e pratos. Só para esse CD é que aconteceram algumas alterações. Tem acordeom (Chambinho e Oswaldinho, que faz participação especial em Canto da Ema e Vida de Viajante), bateria, percussão e trompete", enumera. João explica a entrada da bateria e do trompete: "Sentimos a falta desses instrumentos no Pot-pourri de Ciranda, então resolvemos adotá-los para ficar mais autêntico".
Formado atualmente por Amaro, Gilberto, José, Sebastião, Jadelson e João - todos Biano -, a Banda de Pífanos foi criada em 1924 pelo zabumbeiro Manoel, em Alagoas. "No início era meu avô, meu pai Benedito e Sebastião. Em 39, com a ida da família para Caruaru, entraram alguns amigos. Em 55 meu avô morreu e aí os netos assumiram - eu fui o primeiro a aprender a tocar um instrumento. Nos mudamos para São Paulo em 80, meu pai morreu há três anos e hoje o caçula é meu filho Jadelson, com 20 e poucos anos - a quarta geração de Bianos", conta orgulhoso. No Século XXI, no Pátio do Forró é o 10º disco do grupo. "O primeiro vinil foi lançado em 1972. Se prestar atenção, há grandes diferenças entre todos os nossos discos", diz. "Temos o arrasta-pé, o xote, o baião, a ciranda e o maxixe. E gosto sempre de lembrar que, quando tocamos, explicamos o que é cada ritmo. Tem banda que nem sabe o gênero que está tocando, isso é um pecado!", diz João.
Um milhão de CDs depois...
Tato (violão e voz), Dezinho (triângulo), Alemão (percussão) e Valdir (sanfona), os quatro integrantes do Falamansa, querem provar que não merecem a pecha de "deuses do forró universitário". Pelo menos é que pode-se depreender do título do novo disco, Simples Mortais (Deck). Aliás, o grupo quer mesmo escapar dos rótulos com a nova bolacha. "Nosso forró não pode ficar apenas nessa definição de 'universitário'. Ou qualquer outra. O forró é uma música do Brasil, não de apenas uma região do país ou de um grupo específico de ouvintes", afirma o vocalista Tato, compositor de oito das 13 faixas do novo álbum. "O Falamansa faz uma música que pode agradar a todos. Podemos agradar a quem gosta de rock, a quem ouve MPB, e também aos fãs do forró mais tradicional."
Mais do que universitário, o som do Falamansa é, sem dúvida alguma, pop. Influências de reggae e pop-rock mais ortodoxo contaminam o forró do grupo, fato assumido por Tato. "Ainda estamos centrados no pé-de-serra, na base da zabumba, sanfona e triângulo. Mas tudo o que eu componho acaba refletindo muito daquilo que estou ouvindo. Isso aparece nos xotes, xaxados ou baiões que faço misturados às minhas influências de rock, pop e reggae", explica o vocalista. A amplitude de influências fica evidente na versão para Caminhos do Coração (Gonzaguinha). "Gosto muito dessa música, mas só há pouco tempo percebi que é um tipo de canção que eu mesmo gostaria de ter escrito", afirma o vocalista. Em outros momentos, como na quase-balada Love Sem Amor e nas balançadas Feinha e Simples Mortais, a ortodoxia do forró fica em segundo plano. "Acho que nesse trabalho nos apresentamos de uma maneira mais aberta, menos restrita", considera o cantor.
Isso pode ser traduzido também pela incorporação de instrumentos como violoncelo e sopros à batida básica do forró, no novo CD. Bem, aberturas existem, mas sem exageros. Produzido por João Augusto e Rafael Ramos, Simples Mortais não procura, nem quer, afastar-se muito do som tradicional do Falamansa que o povão consagrou. "Tudo o que fizemos foi natural, sem buscar trazer nada de novo, sem seguir modismo algum", reflete Tato. "Não é questão de caso pensado, de dizer 'ah, assim soaremos mais elitistas' ou 'mais sofisticados'. Tudo faz parte do meu amadurecimento como compositor e também do nosso amadurecimento como banda."
Festa cheia de convidados
Imagine fazer um CD que sintetizando 45 anos de carreira. A tarefa árdua foi realizada pelo Trio Nordestino, que está lançando o "Baú do Trio Nordestino" pela Indie Records "Deu trabalho a escolha do repertório, afinal só de LPs do tempo do vinil temos 38. Este é o nosso 43º lançamento. Escolhemos 60 músicas para tirar as 14 do disco", diz Coroné (zabumba), fundador do trio ao lado de Cobrinha e Lindú. Hoje, em sua terceira formação, o Trio Nordestino conta com Beto (sanfona) e Luiz Mário (voz e triângulo), respectivamente afilhado e filho do falecido Lindú.
A comemoração com o Baú do Trio Nordestino vem com vários convidados especiais. A começar por Duani, produtor e arranjador do trabalho. O integrante do Forróçacana - que participa da faixa Maracatu Êta - já era um pesquisador e apaixonado pelo Trio. Tanto trocaram idéias e tocaram juntos que o convite para participar da produção do disco veio naturalmente. A gravadora conseguiu arregimentar ainda Elba Ramalho, Lenine, Dominguinhos, Fagner e Alceu Valença - "Durante a gravação, Alceu disse: `É, a Indie é uma gravadora séria...'. Foi daí que nasceu o namoro, que vai resultar num CD e DVD", lembra Coroné.
No repertório, formado na maioria por pot-pourris, estão Forró Pesado, Bichinho Danado, O Chineleiro e Forró no Claro/Forró Desarmado. "A música de trabalho é Resto de Amor, com participação de Fagner", destaca Coroné. Segundo Beto, o disco está nos moldes do forró de 30, 40 anos atrás. "Ressuscitamos até a tuba", diz. Curiosamente, Procurando Tu (Antonio Barros), música de maior sucesso do trio baiano, não estava na primeira seleção. "Ela já foi muito regravada", justifica Beto. Mas Coroné lembra que foi por causa dela que adquiriram respeito e ficaram conhecidos no Brasil e, por isso, não teve como deixá-la de fora. "É nossa identificação com o povo", diz o zabumbeiro. É interessante lembrar que o grupo vendeu 1 milhão de cópias do disco que tinha essa música - um número impressionante hoje, imagine em 1970.
Banda de Pífanos estica braço para a modernidade
Qual o segredo de manter uma banda ativa por 80 anos? "Não perder suas raízes", diz prontamente João Biano, vocalista e zabumbeiro da Banda de Pífanos de Caruaru. O quase centenário grupo está lançando o CD No Século XXI, no Pátio do Forró pela Trama que, apesar de afirmar essa fidelidade à tradição, deixa transparecer uma readaptação aos tempos modernos. O novo trabalho prioriza o forró e abandona o veio de cultura popular que sempre marcou o trabalho da banda. "Na verdade, no disco anterior (Tudo Isso É São João) já não tínhamos mais esse tipo de coisa", diz João. O músico se refere às marchas, dobrados, rancheiras e rezas que sempre marcaram o repertório do grupo. E justifica a mudança: "Antes, nos apresentávamos em teatros, tinha cenário e os custos eram muito altos. De quatro anos para cá, tocando em colégios, praças e universidades, percebemos que a rapaziada estava aderindo à nossa música. Então, fomos mais ou menos obrigados a cair nesse trabalho, voltando-se mais para a juventude. Um dos resultados é um CD mais dançante".
João garante que essas mudanças não alteraram a função do pífano na sonoridade: "O instrumento continua em primeiro plano". Na verdade, a formação dos instrumentos é a mesma que vem acompanhando a banda por esses anos. "No início, eram caixa, zabumba e dois pífanos. Em 1939, entraram surdo e pratos. Só para esse CD é que aconteceram algumas alterações. Tem acordeom (Chambinho e Oswaldinho, que faz participação especial em Canto da Ema e Vida de Viajante), bateria, percussão e trompete", enumera. João explica a entrada da bateria e do trompete: "Sentimos a falta desses instrumentos no Pot-pourri de Ciranda, então resolvemos adotá-los para ficar mais autêntico".
Formado atualmente por Amaro, Gilberto, José, Sebastião, Jadelson e João - todos Biano -, a Banda de Pífanos foi criada em 1924 pelo zabumbeiro Manoel, em Alagoas. "No início era meu avô, meu pai Benedito e Sebastião. Em 39, com a ida da família para Caruaru, entraram alguns amigos. Em 55 meu avô morreu e aí os netos assumiram - eu fui o primeiro a aprender a tocar um instrumento. Nos mudamos para São Paulo em 80, meu pai morreu há três anos e hoje o caçula é meu filho Jadelson, com 20 e poucos anos - a quarta geração de Bianos", conta orgulhoso. No Século XXI, no Pátio do Forró é o 10º disco do grupo. "O primeiro vinil foi lançado em 1972. Se prestar atenção, há grandes diferenças entre todos os nossos discos", diz. "Temos o arrasta-pé, o xote, o baião, a ciranda e o maxixe. E gosto sempre de lembrar que, quando tocamos, explicamos o que é cada ritmo. Tem banda que nem sabe o gênero que está tocando, isso é um pecado!", diz João.