Está aberto o Muquifo de Dudu Marote

Produtor de Skank e Jota Quest lança gravadora independente apostando na força da música eletrônica

Marco Antonio Barbosa
22/11/2001
Dudu Marote(clique para ampliar)
Para Dudu Marote, não basta ter um nome mais do que consolidado no pop brasileiro - após assinar a produção de álbuns de Skank, Jota Quest, Pato Fu e Adriana Calcanhotto. Não se trata mais apenas de aceitar convites para fazer discos alheios; a questão para Dudu agora é fazer seus próprios lançamentos. Não que o aclamado produtor esteja saindo em carreira solo. A bandeira de Marote agora é a do selo Muquifo Records, que acaba de estrear oficialmente em disco com a coletânea dupla Comp 01/02 - Orgânico/Sintético, reunindo 24 artistas, a grande maioria deles estreando em disco. Por trás do CD e da gravadora, está a vontade de um renomado profissional - com mais de 20 anos de vida dedicados à música - de ajudar a mudar a cara do pop brasileiro.

"Pô, alguém tem que mandar uma doideira de vez em quando, para dar uma sacudida no mercado", afirma Dudu. "É de iniciativas como a Muquifo que nascem as revoluções." Empolgado com o projeto, o produtor teoriza sobre sua cruzada: "Estou tocando esse selo para ajudar a revelar talentos que, de outra forma, não teriam como se desenvolver. A música pode mudar vidas, especialmente em comunidades mais pobres. Eu me toquei disso quando produzi duas bandas - o Doctor MC's, da periferia de São Paulo, e o Afroreggae, da Baixada Fluminense. Quando entrei em contato com o universo deles, senti-me na obrigação de fazer alguma coisa. Dar cultura, dar acesso às pessoas a um novo horizonte. O que estava ao meu alcance era criar um selo como esse."

A vontade de revelar a gente boa ainda oculta só começou a se concretizar em 2000, quando Dudu foi convocado para ser curador de um projeto musical da editora paulista Bookmark. "Eles chegaram e me disseram: qual é o projeto dos seus sonhos? E eu resolvi tocar a Muquifo para frente", lembra Dudu. Bancando a viagem, estava a marca de cigarros Marlboro - que financiou toda a estrutura do selo e garantiu as despesas de estúdio. "A ajuda em termos de grana foi fundamental, porque o disco teve uma produção legal, de nível de gravadora grande", revela o produtor. Entretanto, o nicotinado patrocinador resolveu retirar seu apoio quando faltavam meras duas semanas para o lançamento do álbum. "Viramos então um selo independente. Mas não houve problema financeiro, porque eles arcaram com todos os custos pesados. Foi ótimo porque deu para pagar os artistas, pelo menos um pouquinho para cada um, e ainda assim mantivemos o esquema informal, de brodagem, bem coisa de selo independente", diz Dudu. Comp 01/02 sai com uma tiragem de cinco mil CDs.

Uma coisa já estava clara na cabeça do mentor do novo selo. "Queria, mais do que tudo, revelar a música eletrônica brasileira. Há um verdadeiro mundo de artistas e selos trabalhando a eletrônica atualmente, em todos os lugares, não apenas nos grandes centros - você acha artistas no Mato Grosso, em Nova Iguaçú (RJ)... e isso ainda não explodiu da maneira que deveria", fala Dudu. A opção pela eletrônica também é um acerto de contas do produtor com seu próprio passado. "Comecei a trabalhar com música tocando sintetizador, aos 15 anos", recorda Dudu, que chegou a integrar o grupo tecnopop Degradé, em meados dos anos 80. Outra idéia firme era lançar apenas coletâneas, e não investir no formato tradicional do "artista-contratado-para-tantos-discos". "Cada coletânea vai ter um tema, e os artistas incluídos vão entrar por afinidade com a temática. O tema do primeiro disco é bem isso: incluí artistas mais orgânicos, mais ligados ao rap e ao drum'n'bass, e outros sintéticos, que fazem eletrônica pura - house, techno", afirma o produtor.

Escolhido o formato e o estilo, restou a Dudu pôr a mão na massa e selecionar quem entraria no disco. "Quando comecei o projeto já estava com uns 250 CDs que gente de todo o Brasil mandou, fora as coisas que eu mesmo descobri", revela o produtor. O resultado foi um disco muito variado. A parte Orgânico traz gente como Flu, Jupiter Apple, Flu, Stereo Maracanã, DJ Dolores e XRS Land . O CD Sintético é direcionado para as pistas, com sons de Pink Freud, Anderson Noise, Renato Cohen e outros. É com os novatos, no entanto, que Dudu se empolga mais. "O rap da Nega Gizza (irmã de MV Bill) é um dos melhores e mais fortes que já ouvi. Também na seção Orgânico destaco o Bonsucesso Samba Clube, um grupo de Recife que é sensacional. Dos eletrônicos, gostei muito do projeto carioca Superágua", fala o produtor. Além disso, Dudu aponta dois DJs - Zegonz e Sr.Nuts - que estão antenadíssimos com as novas tendências eletrônicas. "As faixas dos dois são exemplos de turntabilism, isso é, música feita só com discos e pick-ups. Eles gravaram suas bases, passaram tudo para discos de vinil e refizeram as músicas só nos scratches da agulha", diz Dudu.

Integrado ao esquema de independência, Dudu Marote afirma que não quer ser patrão de ninguém. "Nenhum artista é contratado do selo. Só licenciamos as músicas, como a Som Livre faz com as trilhas de novela", fala o diretor da Muquifo Records. O processo de escolha de músicas não para; Dudu recebe pelo menos três CDs-demo novos por dia. "E sou eu quem escolhe tudo sozinho. Acaba sendo um processo de revigoração incrível, poder ver a garotada nova mandando ver. Eu precisava de um estímulo desses, porque como produtor eu já estava trabalhando com vários artistas dos quais eu não gostava musicalmente... isso era muito ruim", admite Dudu.

Comp 01/02 é só a ponta do iceberg. Uma nova compilação já está nos planos de Dudu. "Recebi muito material bom, mas que não cabia no primeiro disco por se tratar de coisas mais pop, tradicionais. Só que boa parte dessas músicas estarão na próxima coletânea, que vai se chamar Chinelo - e que vai ser só com canções bem-humoradas", fala Marote. Para promover Comp 01/02, Marote e seus artistas estarão vagando pelas capitais do país em festas e workshops de música eletrônica. Outra arma importante na divulgação do trabalho é o site www.muquiforecords.com.br, com informações sobre o selo e contatos para envio de material. Isso tem a ver também com o tipo de repercussão que o produtor espera angariar com seu selo. "A intenção é fortalecer a cena eletrônica, no Rio, no Nordeste, onde quer que seja. Confio na receptividade da galera mais nova, que não tem tantos preconceitos com a eletrônica quanto a geração anterior - um cara de 15 anos hoje tem a cabeça mais aberta, não está tão acostumado com o formato pop-rock quanto um outro de 25 anos", diz Dudu.