Evento comemora 21 anos do Lira Paulistana
Rumo, Sossega Leão, Itamar Assumpção, Premê e Vânia Bastos lembram em série de shows a casa que revelou a geração musical conhecida como vanguarda paulistana
Carlos Calado
07/08/2000
Uma série de cinco shows, com destaque para os revivals do grupo Rumo e da banda Sossega Leão, festeja em São Paulo os 21 anos de fundação do lendário teatro Lira Paulistana – pólo aglutinador da inovadora geração musical revelada nos anos 80, que ficou conhecida como vanguarda paulistana. O evento, que foi inaugurado com show de Itamar Assumpção no último dia 1º, acontece durante as terças-feiras deste mês, no Teatro Popular do Sesi, em São Paulo (tel: 284-3639). Os festejos incluem uma exposição, mostra de vídeo e shows com a cantora Vânia Bastos e com o grupo Premeditando o Breque, o Premê.
"Um lugar como o Lira Paulistana faz muita falta hoje", diz o guitarrista e compositor Mário Manga, do irreverente Premê, um dos raros grupos daquela geração ativos até hoje, que vai se apresentar no dia 29. "O Lira era o teatro da moçada, com um tamanho ideal para bandas que estavam começando. Como tinha menos de 200 lugares, com umas 30 pessoas na platéia, qualquer show já poderia dar certo. A arquibancada era de madeira, mal dava para se sentar direito. E o camarim era só um corredorzinho", relembra Manga.
Foi naquele teatro um tanto precário, instalado em um porão da praça Benedito Calixto, no bairro paulistano de Pinheiros, que centenas de bandas e artistas jovens viveram suas primeiras experiências profissionais. Muitas, como a banda Metalurgia ou a Sossega Leão (que será reativada especialmente para o show do dia 15), desapareceram ainda nos anos 80. Já os Titãs do Iê-Iê (hoje Titãs) e o Ultraje a Rigor tornaram-se famosas em todo o país e ainda continuam na ativa.
Muito grande para o palco
Curiosamente, uma das figuras mais emblemáticas da geração musical associada ao Lira Paulistana faz questão de afirmar que jamais chegou a se apresentar no porão da Benedito Calixto. "Minha banda era muito grande para aquele palco, por isso nunca tocamos lá", esclarece o compositor e pianista paranaense Arrigo Barnabé, reconhecendo que também era freqüentador do local. Ele se lembra, especialmente, de ter assistido a shows das cantoras Tetê Espíndola e Eliete Negreiros, e das bandas Metalurgia e Sexo dos Anjos.
"Jamais tive nada contra o Lira Paulistana. Meus discos até eram bastante vendidos lá", prossegue Arrigo, lembrando que ao planejar a gravação de Clara Crocodilo, seu primeiro disco, chegou a conversar com um dos diretores do teatro, que tinham planos de criar um selo fonográfico. "Eu e o Gordo (Wilson Souto Júnior, um dos sócios-idealizadores do Lira) tínhamos uma relação de amizade, mas eles eram meio comunistas e o Clara não se enquadrava na concepção musical que eles tinham. Preferiram gravar o disco do Itamar", diz Arrigo, cujo álbum de estréia foi produzido por Robson Borba, de forma independente.
O impacto das experiências musicais de Arrigo, que misturava música dodecafônica com locuções radiofônicas e linguagem de histórias em quadrinhos, acabou rendendo à geração do Lira Paulistana o rótulo de vanguarda paulistana, forjado e propagado pela imprensa. "Sempre achei esse rótulo estranho, por terem caracterizado trabalhos tão diferentes como um movimento. Minha música era de vanguarda mesmo, mas eu não via isso em grupos como o Premê, que sempre trabalhou com o humor, ou o Rumo, que se baseava no canto falado", analisa o autor de Clara Crocodilo e Tubarões Voadores, que atualmente aguarda o lançamento da trilha sonora que escreveu para o filme Oriundi (de Ricardo Bravo) e prepara um novo CD com versões atuais de suas canções compostas desde 1980. Embora não esteja incluído entre os shows do evento, Arrigo fará uma palestra no mesmo local, no dia 30, quando comentará suas experiências naquele período.
Motivo de orgulho
Para a cantora e compositora Ná Ozzetti (ex-vocalista do Rumo, que será rearticulado especialmente para o show do dia 22), o termo vanguarda paulistana chegou até a tornar-se incômodo, durante algum tempo, por funcionar como um sinônimo de música para um público mais restrito. "Esse rótulo exerceu uma influência negativa, por ser usado de forma errônea, associando vanguarda e maldição. Vanguarda deveria ser motivo de orgulho", afirma a cantora, que lançou no final do ano passado o seu quarto álbum individual, Estopim (Ná Records/Eldorado).
Já Luiz Tatit, fundador do grupo Rumo, não vê nada de especial no termo vanguarda paulistana. "Para mim, é um rótulo parecido com outros, como Rock dos 80, que veio de fora para dentro. Não prejudicou, nem acrescentou nada", avalia o compositor e professor de Letras, que detecta um elemento comum na música da geração do Lira Paulistana. "Eu vejo claramente uma unidade, não de um movimento musical, mas na regularidade de um fator: a presença da fala na música. O Itamar fazia um verdadeiro reggae-de-breque. E o Arrigo usava locuções radiofônicas", exemplifica.
"Para nós do Premê, ser vinculado a essa vanguarda paulistana foi até uma honra, embora esse movimento nunca tenha existido de verdade", diz Mário Manga, que reconhece uma afinidade entre os grupos e bandas que frequentavam o Lira Paulistana, apesar de seus estilos serem bem diversos. "Todos se conheciam, até porque pertencíamos a um guetinho. Talvez o que mais nos unia era o fato de sermos todos independentes. Todos eram duros e não tinham vínculo com nada. Assim, a gente podia ousar, arriscar na música. Não tinha ninguém para segurar as rédeas."
"Um lugar como o Lira Paulistana faz muita falta hoje", diz o guitarrista e compositor Mário Manga, do irreverente Premê, um dos raros grupos daquela geração ativos até hoje, que vai se apresentar no dia 29. "O Lira era o teatro da moçada, com um tamanho ideal para bandas que estavam começando. Como tinha menos de 200 lugares, com umas 30 pessoas na platéia, qualquer show já poderia dar certo. A arquibancada era de madeira, mal dava para se sentar direito. E o camarim era só um corredorzinho", relembra Manga.
Foi naquele teatro um tanto precário, instalado em um porão da praça Benedito Calixto, no bairro paulistano de Pinheiros, que centenas de bandas e artistas jovens viveram suas primeiras experiências profissionais. Muitas, como a banda Metalurgia ou a Sossega Leão (que será reativada especialmente para o show do dia 15), desapareceram ainda nos anos 80. Já os Titãs do Iê-Iê (hoje Titãs) e o Ultraje a Rigor tornaram-se famosas em todo o país e ainda continuam na ativa.
Muito grande para o palco
Curiosamente, uma das figuras mais emblemáticas da geração musical associada ao Lira Paulistana faz questão de afirmar que jamais chegou a se apresentar no porão da Benedito Calixto. "Minha banda era muito grande para aquele palco, por isso nunca tocamos lá", esclarece o compositor e pianista paranaense Arrigo Barnabé, reconhecendo que também era freqüentador do local. Ele se lembra, especialmente, de ter assistido a shows das cantoras Tetê Espíndola e Eliete Negreiros, e das bandas Metalurgia e Sexo dos Anjos.
"Jamais tive nada contra o Lira Paulistana. Meus discos até eram bastante vendidos lá", prossegue Arrigo, lembrando que ao planejar a gravação de Clara Crocodilo, seu primeiro disco, chegou a conversar com um dos diretores do teatro, que tinham planos de criar um selo fonográfico. "Eu e o Gordo (Wilson Souto Júnior, um dos sócios-idealizadores do Lira) tínhamos uma relação de amizade, mas eles eram meio comunistas e o Clara não se enquadrava na concepção musical que eles tinham. Preferiram gravar o disco do Itamar", diz Arrigo, cujo álbum de estréia foi produzido por Robson Borba, de forma independente.
O impacto das experiências musicais de Arrigo, que misturava música dodecafônica com locuções radiofônicas e linguagem de histórias em quadrinhos, acabou rendendo à geração do Lira Paulistana o rótulo de vanguarda paulistana, forjado e propagado pela imprensa. "Sempre achei esse rótulo estranho, por terem caracterizado trabalhos tão diferentes como um movimento. Minha música era de vanguarda mesmo, mas eu não via isso em grupos como o Premê, que sempre trabalhou com o humor, ou o Rumo, que se baseava no canto falado", analisa o autor de Clara Crocodilo e Tubarões Voadores, que atualmente aguarda o lançamento da trilha sonora que escreveu para o filme Oriundi (de Ricardo Bravo) e prepara um novo CD com versões atuais de suas canções compostas desde 1980. Embora não esteja incluído entre os shows do evento, Arrigo fará uma palestra no mesmo local, no dia 30, quando comentará suas experiências naquele período.
Motivo de orgulho
Para a cantora e compositora Ná Ozzetti (ex-vocalista do Rumo, que será rearticulado especialmente para o show do dia 22), o termo vanguarda paulistana chegou até a tornar-se incômodo, durante algum tempo, por funcionar como um sinônimo de música para um público mais restrito. "Esse rótulo exerceu uma influência negativa, por ser usado de forma errônea, associando vanguarda e maldição. Vanguarda deveria ser motivo de orgulho", afirma a cantora, que lançou no final do ano passado o seu quarto álbum individual, Estopim (Ná Records/Eldorado).
Já Luiz Tatit, fundador do grupo Rumo, não vê nada de especial no termo vanguarda paulistana. "Para mim, é um rótulo parecido com outros, como Rock dos 80, que veio de fora para dentro. Não prejudicou, nem acrescentou nada", avalia o compositor e professor de Letras, que detecta um elemento comum na música da geração do Lira Paulistana. "Eu vejo claramente uma unidade, não de um movimento musical, mas na regularidade de um fator: a presença da fala na música. O Itamar fazia um verdadeiro reggae-de-breque. E o Arrigo usava locuções radiofônicas", exemplifica.
"Para nós do Premê, ser vinculado a essa vanguarda paulistana foi até uma honra, embora esse movimento nunca tenha existido de verdade", diz Mário Manga, que reconhece uma afinidade entre os grupos e bandas que frequentavam o Lira Paulistana, apesar de seus estilos serem bem diversos. "Todos se conheciam, até porque pertencíamos a um guetinho. Talvez o que mais nos unia era o fato de sermos todos independentes. Todos eram duros e não tinham vínculo com nada. Assim, a gente podia ousar, arriscar na música. Não tinha ninguém para segurar as rédeas."