Fagner e Gonzaguinha: uma relação estreita

Em depoimento ao repórter Rodrigo Faour, o cantor conta por que brigava tanto com o amigo, revela que Guerreiro Menino foi a princípio recusada por seu produtor e que o compositor deixou diversas inéditas para ele

Fagner
26/04/2001
Eu e Gonzaguinha éramos compadres. Sou padrinho da Mariana, filha dele. Ele vinha muito à minha casa e a gente brigava muito porque ele era cabeça dura e eu também. Entre as músicas que gravei dele, Guerreiro Menino ouvir 30s tem uma história muito curiosa. Nós íamos fazer uma parceria. Passei alguma coisa da intenção da música para ele e dias depois nós íamos completá-la. Preparei o clima da melodia e da harmonia e ele me surpreendeu mandando a música pronta, sozinho. Mas ficou tudo bem porque ele é craque. Acontece que há no meio disso um episódio fantástico. Quem estava produzindo meu disco era o Mariozinho Rocha. Ele chegou aqui em casa para a gente trabalhar e falou: "O Gonzaguinha mandou uma música pra você." E eu falei: "E aí, como é que ela é?" E ele respondeu: "Ah! É uma música feita nas coxas. Não vale a pena!" Não me conformei e quis ouvi-la. Botamos no meu som. Conforme fui ouvindo, comecei a chorar e ele ficou com cara de panaca. E não só eu a gravei como foi o carro-chefe do disco.

Por conta de eu ter declarado isso numa rádio, o Mariozinho não gosta mais de mim e até hoje não coloca músicas minhas nas trilhas de novela. Estou reafirmando isso para que ele não se esqueça nunca desse episódio, porque como um dos maiores produtores do Brasil, ele tinha por obrigação reconhecer uma música de qualidade. Mas prefiro ficar barrado nas novelas por ter falado uma verdade do que achar que Guerreiro Menino foi feita nas coxas. Agora mesmo no próximo dia primeiro, vou cantá-la. Sempre a canto no Dia do Trabalho.

Relação com o pai
O Gonzaginha não gostava de dar autógrafo, era muito arredio. A gente brigava muito por conta disso. Tivemos brigas homéricas no Ceará, por conta da conturbada relação dele com o pai. No primeiro disco que gravei com o Luiz Gonzaga, fizemos o convite, mas ele sequer foi ao estúdio. Dizia que aquilo era uma coisa minha e do pai dele. De fato era, mas a gente queria que ele entrasse também. Felizmente no segundo disco ele foi, me ajudou na produção e cantou com a gente. Acho que a nossa amizade era muito grande principalmente porque a gente realmente brigava muito e se amava por conta disso.

Tem muita coisa engraçada que rolou e teve a mais séria de todas... Um dia antes de morrer, ele me ligou de Toledo, no Paraná, no domingo, marcando um encontro comigo na terça-feira. Ia para Foz do Iguaçu e, na terça, estaria de volta para fazer um macarrão para mim - ele gostava de preparar um macarrão aqui em casa. Nesse telefonema, ele pedia para que eu ligasse para a Lelete, a mulher dele, para pegar um caderno amarelo. Como ele era muito pão duro, eu brinquei: "Você tem certeza que está pagando essa ligação?" (risos). E ele disse: "Pára com isso!" e ficou forçando a barra para a Lelete trazer aqui o tal caderno amarelo.

Esse caderno tinha uma série de músicas, e, embaixo de cada uma, o nome da pessoa que ele gostaria que a gravasse. Depois que Gonzaguinha morreu, eu, Lelete e Elba Ramalho ficamos loucos olhando aquilo tudo. E a Elba, fissurada, queria gravar tudo. Mas na maioria delas vinha escrito "Pro Raimundo". E eu gravei duas: Saudade e Cavaleiro Solitário ouvir 30s, que é uma despedida. Da mesma forma, antes de morrer, lá em Toledo, ele escreveu cartões para cada filho, se despedindo. É incrível...

Considero o Gonzaguinha tão grande compositor quanto Chico, Caetano e Jobim. Se fosse um cara que não tivesse deixado incompreensão, aresta e reflexos de problemas dele, seria mais cultuado e mais respeitado. A mídia tem também uma dívida enorme com Gonzaguinha. Acabei de gravar Feliz ouvir 30s no meu disco novo, com arranjo de Jotinha Moraes, que trabalhou com ele.

(Além de Guerreiro Menino - Um Homem Também Chora, Fagner gravou Cavaleiro Solitário, Forró do Gonzagão, Preguiça, Saudade e Espere por Mim, Morena.)

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