Família relembra Gonzaguinha

Filhos do compositor montam em junho um show com repertório do pai, que é lembrado por todos como um sujeito muito sensível e atencioso

Rodrigo Faour
26/04/2001
Gonzaguinha se foi, aos 45 anos de idade e pouco mais de 20 de carreira, mas deixou marcadas para sempre em nosso cancioneiro palavras como luta, coragem, esperança, trabalho, suor, raça, força e fé. Quando morreu, seus quatro filhos ainda eram bem pequenos. Daniel, Fernanda, Amora e Mariana estão hoje, respectivamente, com 25, 22, 20 e 18 anos de idade. Os três primeiros estão seguindo os passos do pai - a caçula quer ser ginecologista - e vão estrear entre o final de junho e início de julho o show Comportamento Geral, com 25 músicas do repertório de Gonzaguinha para lembrar os dez anos de sua morte. O espetáculo provavelmente será levado de início ao palco do Teatro Rival (RJ) e depois corre o país.

"O show fará uma retrospectiva da carreira do meu pai. Começa com Comportamento Geral (do primeiro disco) ouvir 30s, e termina com Cavaleiro Solitário ouvir 30s, que foi a última música que ele compôs", explica Daniel Gonzaga, primeiro dos filhos a despontar no meio musical. Ele já gravou dois CDs e mantém a linha consciente do pai em sua obra. Segundo Daniel, felizmente a obra de Gonzaguinha não foi esquecida por conta de sua morte. "Até mesmo em propagandas estão usando suas músicas. E nós da família ainda temos músicas inéditas dele que estamos liberando aos poucos para alguns intérpretes", explica ele, que também pretende levar a cabo um show-tributo a Luiz Gonzaga, nos mesmos moldes do que fará sobre o pai.

A atriz e cantora Amora Pêra, filha de Gonzaguinha com a atriz Sandra Pêra, tinha dez anos quando da sua morte, mas se lembra dos cuidados e do apego que tinha com ela. "Meu pai era um cara extremamente carinhoso e também super severo em relação à disciplina que achava que nós, seus filhos, deveríamos ter. E também era muito atento à nossa saúde. Ele exigia que a gente comesse direito e não ficasse em frente à TV o dia inteiro, mas que fôssemos todo dia brincar", recorda. Quando o pai era vivo, Amora não tinha a dimensão da sua obra, mas já o via como uma figura popular, com muita qualidade no que fazia. "Crescendo, vi que ele era um cara de muito talento e muita coisa para dizer. É dos caras que mais admiro na música brasileira", orgulha-se ela, que é fã de músicas como Sementes do Amanhã e Ponto de Interrogação ouvir 30s.

A mãe de Amora, Sandra Pêra, conta que conheceu o ex-namorado em 1977, numa viagem de avião, quando ela ainda fazia parte do grupo As Frenéticas. "Estava chorando e ele chegou para mim na poltrona e disse: 'Está chorando por quê? A gente só morre uma vez.' Isso me acendeu alguma coisa. Tivemos alguns anos de silêncio até que aconteceu nosso romance, que foi mais ou menos de 1980 a 82. Mas sempre estivemos juntos, até porque tivemos uma filha", conta. Quando Amora nasceu, Gonzaga ainda era casado e levou alguns anos para registrá-la em seu nome por causa desse entrave. Resultado? Música, é claro: ele compôs Ser, Fazer, Acontecer ouvir 30s.

Antes mesmo de conhecer o compositor, Sandra escolheu A Felicidade Bate à Sua Porta ouvir 30s, que ele gravara no seu LP de estréia, em 73, para que seu grupo, recém-saído da boate Dancin' Days, pudesse fazer um teste na gravadora Warner. "A música acabou sendo nosso primeiro sucesso. Um ano depois, ele decidiu compor uma especialmente para nós, e nos deu mais um hit, O Preto que Satisfaz ouvir 30s, conta. Esta última foi de fato um estouro nacional, mesmo abordando um tema difícil como o racismo, chegando a ser tema de abertura da novela Feijão Maravilha, em 1978, cujo refrão todo mundo cantou: "Feijão tem gosto de festa/ É melhor e mal não faz/ Ontem, hoje e sempre/ Feijão, feijão, feijão/ O preto que satisfaz".

Sandra conta que muita gente não entendia o temperamento de Gonzaguinha. "Ele tinha uma coisa reservada, algumas pessoas o achavam antipático, mas aquilo era uma defesa, porque no fundo ele era um cristalzinho de frágil. Não no sentido de indefeso, mas de sensibilidade à flor da pele", justifica. A ex-Frenética explica que dificilmente Gonzaga dedicava explicitamente a ela as músicas mais românticas que compunha, ao contrário das de outros temas. "Na hora que entrei na sala de parto, ele saiu do estúdio e colocou no meu ouvido a música Eu Apenas Queria que Você Soubesse, ainda com a voz guia. Já nas mais românticas eu percebia algo, mas ele não dizia que eram para mim", diz. Com tantas recordações, até hoje Sandra não se conforma com a morte do ex-companheiro. "A sensação que tenho é a de que ele morreu errado", acredita.

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