Fellini só vive várias vezes
Lendária cult-band paulista retoma as atividades com o álbum Amanhã É Tarde
Marco Antonio Barbosa
02/07/2001
A história é a seguinte: trata-se de um grupo paulista que teve uma existência errática entre 1984 e 1990, com trocas constantes na formação. Lançaram neste período quatro álbuns que muita gente ouviu falar, mas pouquíssimos chegaram a realmente escutar. Era daquelas bandas de grande prestígio junto à crítica e audiência zero junto ao grande público. Depois de fecharem sua primeira encarnação, andaram fazendo alguns shows isolados aqui e ali, no fim dos anos 90. E agora, mais de dez anos depois de lançar seu último álbum, eles ensaiam uma volta definitiva, para reassumir seu lugar de direito, que é... o de um dos mais importantes grupos da história do rock nacional. O grupo é o Fellini, e sim, eles vão lançar seu quinto álbum ainda este ano. O nome do álbum será Amanhã É Tarde, e vai sair pelo selo carioca Midsummer Madness.
"O que me deu vontade mesmo de retomar o grupo foi o relançamento do Amor Louco (o último disco da banda, lançado originalmente em 1990 e reeditado em CD no começo do ano). Eu não ouvia o disco há um tempão e de repente pegando o CD, achei que o som ainda fazia sentido. Merecia uma continuação. Ao mesmo tempo, durante todo o período em que banda parou, eu sempre ouvia as pessoas me cobrando uma volta. Até na rua mesmo, na fila do cinema, eu era parado..." conta o vocalista e letrista Cadão Volpato sobre a volta do Fellini - que nesta enésima encarnação vai se resumir à dupla básica Cadão/Thomas Pappon (multiinstrumentista e compositor).
Mas como é essa história de "um dos mais importantes" etc.? O fato é que o Fellini, apesar de ter tido uma existência à margem da grande mídia, acabou preconizando muitas das misturas sonoras que viraram moda no rock nacional nos anos 90. O grupo fazia parte da fértil "panelinha" que, nos anos 80, gravitava em torno do selo independente paulista Baratos Afins (Akira S & As Garotas que Erraram, Mercenárias, Smack, Voluntários da Pátria). Atuando numa "zona cinza" entre o pós-punk e a MPB (em especial os sons derivados do samba, influência de Chico Buarque e Gilberto Gil), o grupo deu régua e compasso para que, anos mais tarde, gente como Chico Science e Fred 04 "revolucionasse" o pop brasileiro - a partir dos preceitos legados por Cadão e Thomas. Os álbuns O Adeus de Fellini (1985), Fellini Só Vive 2 Vezes (1986), 3 Lugares Diferentes (1987) e o já citado Amor Louco encerram uma musicalidade única, que driblava a escassez de recursos técnicos com muita criatividade - além de trazerem as belíssimas letras de Volpato, um dos mais subestimados poetas de nossa música popular. Não faltaram críticos comparando o grupo aos Mutantes, na época.
"Não sei dizer se estávamos à frente de nosso tempo naquela época. Eu costumava dizer que um dia nós ainda iríamos ficar conhecidos, nem que fosse depois de dez anos, como cult-band... Mas eu e o Thomas temos uma relação relaxada, descontraída, com a nossa música. É por isso que eu não vejo esse "peso" de ter influenciado tanta gente. Era legal quando encontrávamos o Chico (Science), ele conversava muito comigo, tinha o maior carinho. Mas acho que o Fellini era esquisito demais, ainda é. É um tipo de banda que só poderia ser entendida com o passar do tempo mesmo", resume Cadão sobre a "responsabilidade" do grupo em relação à geração manguebeat e similares.
E agora, um novo álbum. Cadão conta como aconteceu: "Eu e o Thomas nos encontramos raramente, ele mora em Londres. Mas sempre que conversávamos, acabávamos lembrando dos tempos do grupo, de como era divertido. No começo deste ano ele esteve aqui no Brasil, e aí nós ficamos naquela 'E se tentássemos...'. Combinamos que eu escreveria as letras e ele faria as músicas, mas eu achei que não iria dar certo. Até que há mais ou menos um mês atrás ele me mandou um CD de Londres... com 13 músicas para eu pôr as letras! Ele gravou tudo sozinho num portaestúdio de quatro canais." Mais que depressa, o vocalista escreveu as letras ("em duas semanas, consegui pôr letra em dez músicas", lembra Cadão) e remeteu-as de volta a Thomas. "Estou ansioso para saber como vai ficar. Eu e ele tínhamos uma parceria que funcionava muito. Fiquei surpreso com a qualidade das bases que ele mandou. A química foi refeita, e eu estou muito empolgado", diz Cadão.
Ansioso e surpreso com a notícia também ficou Rodrigo Lariú, dono do selo independente Midsummer Madness. Lariú já havia lançado em 1999 o álbum Os Eurosambas, do grupo The Gilbertos - na verdade, um projeto solo desenvolvido por Thomas Pappon e que dava continuidade às fusões excercitadas no Fellini. "Perguntei ao Thomas sobre The Gilbertos e ele disse que tinha 13 músicas, mas que não sabia se seria Gilbertos ou Fellini", conta Lariú. "O Cadão sempre foi o companheiro de Thomas na hora de escrever músicas e ajudava mesmo na hora de escrever para os Gilbertos. Eles devem ter achado que seria legal voltar, até porque o fim do Fellini foi meio compulsório." O grupo acabou em 1990 quando Thomas, cansado de tocar "para ninguém" (o maior "sucesso" do grupo foi O Adeus de Fellini, que levou três anos para chegar às seis mil cópias vendidas), mudou-se para a Alemanha, e nunca mais voltou a se radicar no Brasil.
No dia 17 de agosto Cadão parte para Londres, onde vai gravar Amanhã É Tarde, só Thomas e ele. "Vou ficar uma semana lá e nesse tempo vou gravar todos os vocais. Parece pouco tempo, mas a verdade é que todos os nossos discos foram gravados assim na raça. Nosso segundo álbum foi feito na sala de estar do Thomas, em São Paulo!", diz o vocalista. O mesmo estúdio portátil de quatro canais (similar ao usado para gravar o segundo e o terceiro álbum do grupo) da demo vai ser empregado no novo CD.
Nem Cadão sabe ao certo como vai soar esse novo/velho Fellini. "O disco vai soar mais desossado, mais na veia. Os arranjos estão minimais, experimentais. Está tudo com uma cara bem esquisita", diverte-se o vocalista. "Também tem certos temas do Amor Louco que estamos retomando, uma sonoridade que às vezes lembra algo daquele disco. Tem um pouco de samba, especialmente em uma faixa com marcação de pandeiro - junto à bateria eletrônica - e outra com um berimbau. Vai ser um disco intimista, um pouco romântico, mas com senso de humor" Na hora de arriscar nomes de inspirações, Cadão viaja. "Vai soar um pouco Serge Gainsbourgh (lendário cantor boêmio francês)... mas também tem influência do rock inglês atual, coisas como Belle and Sebastian... em algumas horas fica meio parecido com Baden Powell, ou Taiguara..."
Assim que o disco estiver gravado e mixado, Rodrigo Lariú promete prensar os CDs de Amanhã É Tarde. Daí em diante, o futuro do Fellini volta a ser incógnita. "Não sei se vamos fazer shows, depende do Thomas vir para cá. Já tocamos algumas vezes ao vivo só nós dois, eu em um esquema voz-gaita e ele tocando guitarra, teclado e bateria eletrônica. Ao mesmo tempo, me lembro de alguns shows catastróficos...", fala Cadão. Com a formação que registrou Amor Louco, o Fellini chegou a ensaiar uma volta em 1999 e 2000, fazendo shows no Rio, São Paulo e Recife (onde foram aclamados no festival Rec Beat). Que venham os shows e que venha Amanhã É Tarde. Nunca é tarde para reconhecer um talento, ainda mais um deste tamanho.
"O que me deu vontade mesmo de retomar o grupo foi o relançamento do Amor Louco (o último disco da banda, lançado originalmente em 1990 e reeditado em CD no começo do ano). Eu não ouvia o disco há um tempão e de repente pegando o CD, achei que o som ainda fazia sentido. Merecia uma continuação. Ao mesmo tempo, durante todo o período em que banda parou, eu sempre ouvia as pessoas me cobrando uma volta. Até na rua mesmo, na fila do cinema, eu era parado..." conta o vocalista e letrista Cadão Volpato sobre a volta do Fellini - que nesta enésima encarnação vai se resumir à dupla básica Cadão/Thomas Pappon (multiinstrumentista e compositor).
Mas como é essa história de "um dos mais importantes" etc.? O fato é que o Fellini, apesar de ter tido uma existência à margem da grande mídia, acabou preconizando muitas das misturas sonoras que viraram moda no rock nacional nos anos 90. O grupo fazia parte da fértil "panelinha" que, nos anos 80, gravitava em torno do selo independente paulista Baratos Afins (Akira S & As Garotas que Erraram, Mercenárias, Smack, Voluntários da Pátria). Atuando numa "zona cinza" entre o pós-punk e a MPB (em especial os sons derivados do samba, influência de Chico Buarque e Gilberto Gil), o grupo deu régua e compasso para que, anos mais tarde, gente como Chico Science e Fred 04 "revolucionasse" o pop brasileiro - a partir dos preceitos legados por Cadão e Thomas. Os álbuns O Adeus de Fellini (1985), Fellini Só Vive 2 Vezes (1986), 3 Lugares Diferentes (1987) e o já citado Amor Louco encerram uma musicalidade única, que driblava a escassez de recursos técnicos com muita criatividade - além de trazerem as belíssimas letras de Volpato, um dos mais subestimados poetas de nossa música popular. Não faltaram críticos comparando o grupo aos Mutantes, na época.
"Não sei dizer se estávamos à frente de nosso tempo naquela época. Eu costumava dizer que um dia nós ainda iríamos ficar conhecidos, nem que fosse depois de dez anos, como cult-band... Mas eu e o Thomas temos uma relação relaxada, descontraída, com a nossa música. É por isso que eu não vejo esse "peso" de ter influenciado tanta gente. Era legal quando encontrávamos o Chico (Science), ele conversava muito comigo, tinha o maior carinho. Mas acho que o Fellini era esquisito demais, ainda é. É um tipo de banda que só poderia ser entendida com o passar do tempo mesmo", resume Cadão sobre a "responsabilidade" do grupo em relação à geração manguebeat e similares.
E agora, um novo álbum. Cadão conta como aconteceu: "Eu e o Thomas nos encontramos raramente, ele mora em Londres. Mas sempre que conversávamos, acabávamos lembrando dos tempos do grupo, de como era divertido. No começo deste ano ele esteve aqui no Brasil, e aí nós ficamos naquela 'E se tentássemos...'. Combinamos que eu escreveria as letras e ele faria as músicas, mas eu achei que não iria dar certo. Até que há mais ou menos um mês atrás ele me mandou um CD de Londres... com 13 músicas para eu pôr as letras! Ele gravou tudo sozinho num portaestúdio de quatro canais." Mais que depressa, o vocalista escreveu as letras ("em duas semanas, consegui pôr letra em dez músicas", lembra Cadão) e remeteu-as de volta a Thomas. "Estou ansioso para saber como vai ficar. Eu e ele tínhamos uma parceria que funcionava muito. Fiquei surpreso com a qualidade das bases que ele mandou. A química foi refeita, e eu estou muito empolgado", diz Cadão.
Ansioso e surpreso com a notícia também ficou Rodrigo Lariú, dono do selo independente Midsummer Madness. Lariú já havia lançado em 1999 o álbum Os Eurosambas, do grupo The Gilbertos - na verdade, um projeto solo desenvolvido por Thomas Pappon e que dava continuidade às fusões excercitadas no Fellini. "Perguntei ao Thomas sobre The Gilbertos e ele disse que tinha 13 músicas, mas que não sabia se seria Gilbertos ou Fellini", conta Lariú. "O Cadão sempre foi o companheiro de Thomas na hora de escrever músicas e ajudava mesmo na hora de escrever para os Gilbertos. Eles devem ter achado que seria legal voltar, até porque o fim do Fellini foi meio compulsório." O grupo acabou em 1990 quando Thomas, cansado de tocar "para ninguém" (o maior "sucesso" do grupo foi O Adeus de Fellini, que levou três anos para chegar às seis mil cópias vendidas), mudou-se para a Alemanha, e nunca mais voltou a se radicar no Brasil.
No dia 17 de agosto Cadão parte para Londres, onde vai gravar Amanhã É Tarde, só Thomas e ele. "Vou ficar uma semana lá e nesse tempo vou gravar todos os vocais. Parece pouco tempo, mas a verdade é que todos os nossos discos foram gravados assim na raça. Nosso segundo álbum foi feito na sala de estar do Thomas, em São Paulo!", diz o vocalista. O mesmo estúdio portátil de quatro canais (similar ao usado para gravar o segundo e o terceiro álbum do grupo) da demo vai ser empregado no novo CD.
Nem Cadão sabe ao certo como vai soar esse novo/velho Fellini. "O disco vai soar mais desossado, mais na veia. Os arranjos estão minimais, experimentais. Está tudo com uma cara bem esquisita", diverte-se o vocalista. "Também tem certos temas do Amor Louco que estamos retomando, uma sonoridade que às vezes lembra algo daquele disco. Tem um pouco de samba, especialmente em uma faixa com marcação de pandeiro - junto à bateria eletrônica - e outra com um berimbau. Vai ser um disco intimista, um pouco romântico, mas com senso de humor" Na hora de arriscar nomes de inspirações, Cadão viaja. "Vai soar um pouco Serge Gainsbourgh (lendário cantor boêmio francês)... mas também tem influência do rock inglês atual, coisas como Belle and Sebastian... em algumas horas fica meio parecido com Baden Powell, ou Taiguara..."
Assim que o disco estiver gravado e mixado, Rodrigo Lariú promete prensar os CDs de Amanhã É Tarde. Daí em diante, o futuro do Fellini volta a ser incógnita. "Não sei se vamos fazer shows, depende do Thomas vir para cá. Já tocamos algumas vezes ao vivo só nós dois, eu em um esquema voz-gaita e ele tocando guitarra, teclado e bateria eletrônica. Ao mesmo tempo, me lembro de alguns shows catastróficos...", fala Cadão. Com a formação que registrou Amor Louco, o Fellini chegou a ensaiar uma volta em 1999 e 2000, fazendo shows no Rio, São Paulo e Recife (onde foram aclamados no festival Rec Beat). Que venham os shows e que venha Amanhã É Tarde. Nunca é tarde para reconhecer um talento, ainda mais um deste tamanho.