Fenômeno do violão chega ao Free Jazz

Consagrado aos 21 anos, Yamandu Costa participa em outubro do tradicional festival de jazz

João Pimentel
25/07/2001
Um gaúcho de Passo Fundo que não se furta de usar suas bombachas por onde se apresenta e que responde por uma alcunha indígena é a mais nova sensação da música brasileira. Primeiro nome do elenco nacional a ser escolhido para o Palco Club do Free Jazz 2001, vencedor do Prêmio Visa na categoria instrumentista, o violonista Yamandu Costa, de 21 anos, chegou ao Rio há oito meses, mas sua presença pode ser comparada a um furacão. Figura onipresente nos bares da Lapa que cultuam o choro - invariavelmente aparece de madrugada para dar uma canja arrasadora - de forte personalidade, Yamandu já coleciona uma legião de admiradores que reúne gente como Toquinho, Armandinho, Paulo Moura e Paulo Cesar Pinheiro.

"Ele é a proposta mais viva de um violonista brasileiro", define Toquinho, que o conheceu nos dois anos em que o violonista morou em São Paulo, antes de vir para o Rio. "Yamandu é de uma criatividade enorme e trabalha um som de fronteira. Traz o tango de Piazzolla, o regionalismo gaúcho e a influência dos diversos ritmos brasileiros." Filho de uma família de músicos - o pai era um multiinstrumentista e a mãe é cantora - Yamandu, apesar de se dizer um amante dos prazeres da vida e de viver como um jovem da sua idade, queimou etapas desde cedo. Aos 4 anos, já era uma criança-cantora, fez programas de rádio e gravou um disco em Porto Alegre. Pouco tempo depois, seu pai alojou em casa um amigo argentino, o violonista Lucio Yanel, que se tornou o mestre e referência do menino. Aos 11, Yamandu já tinha deixado de estudar.

"Desde menino, eu tocava em bares com meu pai, meus tios e meus primos, que tinham um grupo chamado Os Fronteiriços", lembra Yamandu. "Eu me criei neste rendez-vous mesmo. Daí vem a influência da música regional. O lado do tango, da música argentina, eu herdei do Lucio." Virtuoso no sentido mais amplo da palavra, o violonista não tem formação acadêmica. Aprendeu a ler música em casa, praticamente obrigado pelo pai, que dizia que ele não poderia ser um analfabeto. Segundo Yamandu, foi este "entre os 11 e os 15 anos" o período da "grande malhada". Ou seja, o tempo em que estudava dez horas por dia. Dividindo apartamento com o também violonista Zé Paulo Becker, do Trio Madeira Brasil, que se apresentou em 1999 no Free Jazz, Yamandu diz que não suporta mais ficar o dia inteiro estudando violão. "Eu não tenho como negar a minha idade. Falar que eu não estudo é mentira", diz. "Mas às vezes fico dois ou três dias sem pegar no violão. A música para mim sempre foi um brinquedo. Eu acho este esquema mais profissional que estou vivendo um saco. Eu também preciso namorar, ir à praia."

Mais novo apaixonado pelo Rio, Yamandu conta que veio para cá fazer um show com o maestro Nelson Ayres e, com o dinheiro do cachê, resolveu passar mais dez dias. Foi o começo de um curto período vivido na ponte aérea até se decidir definitivamente pelo lar carioca. "O gaúcho e o carioca, por serem o oposto, o frio e o calor, admiram-se muito. Acho que rola uma curiosidade", analisa. "Gosto muito de viver no Rio, ir à Lapa para ouvir choro no Bar Semente e samba na Rua do Lavradio. Há uma nova e talentosa geração de músicos em busca de um caminho próprio. Os bares sempre foram uma das principais escolas dos músicos."

Nem só os cariocas se encantaram com Yamandu, entretanto. O bandolinista baiano Armandinho também tece loas ao irreverente gaúcho, que já se tornou seu parceiro, e diz que ele faz parte de uma linhagem especial de violonistas da música brasileira. Para ele, Yamandu é descendente da escola encabeçada por Meira e Dino Sete Cordas e continuada por Baden Powell e Raphael Rabello. "Ele é a continuação do violão brasileiro", sentencia Armandinho. "O fato de não ter o lado acadêmico o torna mais livre. Yamandu faz o que eu chamo de bate-papo entre o bandolim e o violão parecer absolutamente simples. Quando o Raphael (Rabello) morreu, trabalhávamos juntos. Fiquei arrasado, achando que era o fim de uma escola. Mas não é bom ficar fazendo comparações, pois os estilos são diferentes." Armandinho, porém, diz que a pouca idade de Yamandu deve ser levada em conta. "Ele é um garoto cheio de gás que ainda joga muita energia fora. Mas acredito que é o cara que vai orientar, ditar o caminho de toda a sua geração", prevê Armandinho, que compôs com o violonista o belo choro Bahia e Grêmio.

Apesar de compor choro, Yamandu não se considera um chorão. "No Rio, eu tive oportunidade de tocar com o Dino Sete Cordas, com o Paulo Moura e com o Maurício Carrilho, que aliás vai produzir o disco que eu começo a gravar no dia 13. Eu entendo a linguagem, tenho o meu jeito de tocar, mas não sou um chorão", diz. Confia tanto na sua geração que sonha em produzir um trabalho com músicos como Bruno Rian e Caio Marcio, filhos do bandolinista Déo Rian e do clarinetista Paulo Sergio Santos, respectivamente: "No choro, este negócio de fulano ser filho de alguém famoso não vinga. Ou o cara se garante ou então vai morrer de fome."

Parceiro de Raphael Rabello, o compositor Paulo Cesar Pinheiro conheceu Yamandu com 16 anos. Para ele, o gaúcho deve tomar cuidado só com o sucesso. "A fama, às vezes, nos afasta do nosso papel principal, que é trabalhar pela arte", diz Pinheiro. "Mas ele não é bobo e está perto dos que podem ajudá-lo a ir além. Ele é um virtuoso, mas sabe que o violão é um aprendizado eterno. O Baden e o Raphael entenderam isto."