Fernanda Porto: o drum‘n’bass encontra a bossa nova

Ex-aluna de Köellreuter, a cantora, que passou quatro anos longe dos microfones, faz sucesso em Londres com a faixa Sambassim e se prepara para ganhar também o Brasil

Carlos Calado
20/04/2001
Sete anos atrás, quando praticamente desativou sua carreira de intérprete de MPB, Fernanda Porto nem imaginava que ainda ouviria sua voz na trilha sonora de uma novela da TV Globo. Muito menos que uma de suas composições faria sucesso no circuito londrino de música eletrônica. "Eu ainda estranho muito. Como é que uma música com letra em português pode cair tão bem na Inglaterra?", surpreende-se a compositora e pianista paulista de 33 anos frente à repercussão de sua Sambassim (letra de Alba Carvalho) - uma bossa nova com levada de drum’n’bass, que vem agradando nas pistas de dança de Londres, em um remix do DJ Patife.

A inclusão dessa gravação no vinil Brasil EP, lançado pelo selo inglês V Recordings, parece ser apenas o primeiro de uma série de projetos que envolvem a música de Fernanda. "Desde que Sambassim estourou em Londres, tenho conversado com vários produtores ingleses. Há grandes chances de meu disco sair por uma gravadora de lá. Uma das possibilidades é a de que o selo Talkin’ Loud, do Gilles Peterson, lance o meu trabalho. Até o Roni Size (papa inglês do drum'n'bass) também já sinalizou alguma coisa", conta a compositora, citando figurões da cena eletrônica que se interessaram por seu trabalho, depois que apresentou uma versão acústica de Sambassim, no estúdio da Kiss FM, em Londres.

Outro projeto que também está em andamento é uma compilação produzida pela gravadora brasileira Trama. "Talvez eles acrescentem uma faixa com o DJ Marky e a gravação que eu fiz para a novela da Globo às quatro faixas do Brasil EP", revela Fernanda. Por outro lado, a Lua Discos e a YB já demonstraram interesse em lançar Vilarejo Íntimo, o inédito álbum da cantora e compositora paulista. Mas o fato de a versão de Fernanda para a canção Só Tinha de Ser Com Você (de Tom Jobim e Aloysio de Oliveira) ter sido incluída no CD com as músicas que tocam na boate da novela Um Anjo Caiu do Céu estimulou o produtor Dudu Marote a tentar lançar o disco por uma grande gravadora. "Ele é muito antenado com o mercado e me convenceu dessa história", admite a compositora.

Estilo subjetivo, pessoal e inédito
Diferentemente da maioria dos DJs e franco-atiradores do circuito da música eletrônica, Fernanda tem uma consistente formação musical. Além de ter estudado canto lírico e de tocar piano, guitarra e sax, seus estudos de composição e música contemporânea incluíram aulas particulares com o respeitado compositor alemão Hans-Joachim Köellreutter, que teve entre seus alunos grandes músicos, como Tom Jobim, Guerra-Peixe e Cláudio Santoro. Quase 15 anos depois, ao ouvir o atual trabalho da ex-aluna, o professor não poupou elogios: "Acredito que Fernanda conseguiu contribuir com algo de precioso ao acervo da música brasileira de nossa época", referendou Köellreutter num texto de apresentação, destacando o "estilo subjetivo, pessoal e inédito" da compositora.

"Ele me dava uma liberdade muito grande. Nós trabalhávamos sem métrica musical, sem usar compassos, e isso acabou resultando em coisas muito complexas. Graças a ele também esbarrei na música eletroacústica. O Köellreutter tem uma relação com a eletrônica de que eu gosto muito", credita Fernanda, admitindo que, num primeiro momento, teve receio de revelar sua nova fase musical ao mestre. "Pensei que ele poderia achar que esse era um trabalho menor."

Em 1994, desencantada com as possibilidades do mercado musical brasileiro, Fernanda se afastou dos palcos por quatro anos. "Tive que encarar vários Poladians da vida, inclusive o próprio. Eu era muito imatura e levava tudo pelo lado mais emocional. Agora não estou nem aí. Se o negócio é grana, vou discutir e brigar por isso", diz a ex-intérprete de MPB, que passou a ganhar a vida como compositora de trilhas sonoras. Fez desde vídeos institucionais e trabalhos de propaganda até documentários para cinema, como O Velho - A História de Luiz Carlos Prestes, de Toni Venturi, Vítimas da Vitória, de Berenice Mendes (prêmio de melhor trilha no Festival de Cinema de Brasília) e Desterro, de Eduardo Paredes. "Outro dia fiz a conta e cheguei a um total de 260 trilhas. Fiquei deprimida, achando que já deveria estar milionária. Pelo menos consegui montar um pequeno estúdio, que me permite trabalhar com independência", diz.

Em 1997, ao conhecer o DJ Xerxes (do projeto XRS Land), numa feira de equipamentos musicais, Fernanda entrou pela primeira vez em contato com o drum’n’bass. Começaram a trabalhar juntos, mas naquela época a parceria não chegou a vingar. "Tracei um caminho bem solitário. Foi até um pouco triste: eu esperava poder ter trabalhado com mais pessoas no Brasil, mas tive que fazer tudo sozinha. Como era difícil conseguir informação sobre esse tipo de música aqui, passei um mês em Londres", conta a compositora. Só em janeiro de 2000, quando já tinha um CD-demo pronto, ela começou a mostrar seu trabalho eletrônico para DJs como Patife e Xerxes, que hoje a acompanha em shows.

"O Patife demorou dois meses para escutar o meu CD, mas quando ouviu imediatamente fez o remix do Sambassim", conta Fernanda, lembrando que graças a essa gravação o DJ paulistano aumentou seu prestígio no exterior. "Ele foi indicado como melhor produtor internacional de drum’n’ bass por causa dela. Acho que o Patife realmente ‘explicou’ a música. A minha versão tinha informação demais. Faltava espaço para que o refrão aparecesse mais. Ele foi muito feliz", reconhece a compositora, que já está preparando uma nova fusão: maracatu com drum’n’ bass. "Gosto muito de compor. Só ficar cantando o tempo todo não me satisfaria."