Festa em CD e no palco para Maria Bethânia

Cantora lança o álbum Maricotinha e faz show com astros da MPB para celebrar seus 35 anos de carreira

Marco Antonio Barbosa e Mônica Loureiro
28/08/2001
"Desaforada, mas de um jeito manso, deitada na rede..." Essa é Maria Bethânia, comparando-se à personagem - criada por Dorival Caymmi - que empresta seu nome ao novo álbum da baiana. Maricotinha amostras de 30s (BMG) é um disco feito para marcar uma efeméride rara na trajetória de uma artista: 35 anos de carreira, completados na verdade no ano passado, mas só comemorados agora. E em dose dupla: o show de lançamento do novo CD de Bethânia, a ser realizado dia 4 de setembro no Canecão (RJ) vai reunir uma constelação de grandes nomes da MPB, prestando sua homenagem à diva.

A data oficial da estréia profissional é 13 de fevereiro de 1965, o dia exato em que a cantora subiu ao palco no show Opinião, no Rio, substituindo Nara Leão. Em uma comemoração tão marcante, a cantora diz não querer imponência nem grandes festas. "Eu já esperava um alvoroço por conta da data, mas eu sempre procurei a forma mais simples de comemorar. Talvez por isso o nome do CD", diz. Bethânia confessa que não conhecia a música de Dorival que dá nome ao disco. Ao ouvir Nana Caymmi cantar em um show que fizeram juntas na Bahia, ficou entusiasmada. "Na Bahia, quando se quer falar que alguém é convencido, o pessoa costuma dizer: 'ih, fulana tá bem maricotinha hoje...' Isso até rendeu uma brincadeira com o Gringo (Cardia, autor da capa e produção de fotos) na capa do CD, em que eu poso com um casaco Yves Saint-Laurent", conta.

E será possível não ficar convencida com uma homenagem como a que vai ser prestada no Canecão? Chico Buarque, Edu Lobo, Gilberto Gil, Chico César, Lenine, Paulo Sérgio Valle, Adriana Calcanhotto, Ana Carolina e Carlinhos Lyra são apenas alguns dos nomes que estarão no palco com Bethânia - não por acaso, todos estão arrolados na lista de autores que a cantora gravou em Maricotinha. Cada um vai interpretar, ao lado da baiana, sua música escolhida por Bethânia. Além disso, o irmão Caetano Veloso e a dupla Dori e Nana Caymmi também estarão lá. Nelson Motta será o mestre de cerimônias da noite, que tem a direção de Bibi Ferreira. Vale lembrar que a renda dos ingressos dessa noite especial será doada ao Instituto Nacional do Câncer.

O show não será a estréia oficial da nova turnê de Bethânia; o show de Maricotinha ainda está em fase de gestação. "A realidade muitas vezes é intragável, mas quem tem o palco é um privilegiado. O palco é uma tribuna poderosa e mágica, que ajuda a suportar os momentos reais", diz a cantora.

Sempre inquieta, Bethânia não deixou as três décadas e meia de trabalho pesarem. Ela rema contra a corrente mercadológica e lança um álbum basicamente de canções inéditas, numa época dominada por ao vivos e regravações. "Acho que a gente tem sorte de ter tantos bons compositores, nossa música é tão generosa. Sempre cantei de tudo, tenho o ouvido muito aberto", diz a cantora. "Recebo muito material, ouço tudo, às vezes com paciência ou não, aí deixo para o outro dia. Tem coisas boas, mas muita coisa ruim. E o que mais me irrita é aquele que quer compor para me agradar, aí não tem chance", completa Bethânia.

Ela recorda: "Foi ouvindo gente nova que Nara (Leão) me olhou e disse que eu participaria do Opinião. Mas é lógico que quando Chico Buarque me dá uma canção, eu enlouqueço de alegria", fala a baiana, referindo-se a A Moça do Sonho, extraída do musical Cambaio. A única música realmente antiga do disco é Primavera, de Vinicius de Morais e Carlos Lyra, incluída... a pedidos. "Regravei essa para ser tema da Fernanda Montenegro na nova novela da Rede Globo. Para mim, isso é uma honra", fala a cantora.

. O tom de Maricotinha pende para o dramático, característica marcante na persona de Bethânia. "No conjunto, o CD tem letras tristes, mas cada composição é tão diferente da outra... Eu 'atraio' canções amorosas, de dor de cotovelo. Sou mais para a tragédia grega do que para Spielberg...", reconhece a cantora. E cita um exemplo: "Quando Lenine fez Nem Sol, Nem Lua, Nem Eu, ele dissse que tinha feito uma canção praieira pra mim. Eu falei que era linda, mas praieira?! Só se fosse uma praia de Saturno...", brinca.

A cantora detém-se em especial sobre duas das canções do disco e suas respectivas autoras. "A música de Adriana Calcanhotto, Depois de Ter Você, eu digo que é pra tocar em motel... Quando ela me deu a canção, eu logo quis fazer dela um tipo de música do Roberto Carlos, daquelas do tipo 'não dá mais pra segurar'... Aí eu fiz a gravação, mandei para ela e fui para a Europa, nem esperei a resposta!", conta Bethânia, marota. "A Adriana tem esse veneninho popular nas canções românticas. Costumo falar que ela é uma novata-veterana comigo." Da cantora gaúcha, Bethânia já gravou Âmbar e Uns Versos. De Ana Carolina, a baiana registrou Pra Rua Me Levar, parceria com Totonho Villeroy. "Ana Carolina precisa gravar urgentemente um CD ao vivo. Os trabalhos de estúdio não mostra a leoa que ela é em cena. Ela tem uma assinatura muito firme no que faz. Quando me mostrou a música, adorei mais ainda", elogia Bethânia.

A novata matogrossensse Vanessa da Mata, parceira de Chico César, também mereceu espaço no disco, com sua O Canto de Dona Sinhá. Foi justamente a faixa escolhida por Bethânia para um dueto com o irmão Caetano. "A música traz um grande sentimento de intimidade", fala a cantora. "Já que Caetano não compôs música alguma neste disco, ele veio cantar essa." Outra compositora em ascenção, Simone Guimarães, está na mira de Bethânia. "Fiquei impressionada com o trabalho dela. Ela é sofisticada na maneira de compor; mesmo não conhecendo todo seu trabalho, sinto o seu estilo e sou capaz até de identificar uma música como sendo dela."

Uma polêmica surgida "aos 48 minutos do segundo tempo" impediu que Maricotinha chegasse às lojas no formato concebido originalmente. Imagens, canção de Sueli Costa baseada em versos de Cecília Meireles, chegou a ser gravada - mas foi retirada do álbum por uma discordância sobre royalties com os herdeiros da poetisa. "São três os herdeiros, mas o desentendimento foi com os dois advogados da família", explica Bethânia. "Eles alegaram que houve pouco tempo para deliberação, mas a música já estava liberada há meses, eles é que voltaram atrás. Sueli Costa não poderia ter ficado de fora desse disco. Imagens encerrava o CD, tinha um piano de João Carlos Assis Brasil maravilhoso. Isso me magoou muito. Agora a música está proibida, nem em show posso cantar. Não tenho intenção de continuar nessa confusão para tentar gravar futuramente, nao vale a pena", fala a cantora. Segundo fontes próximas ao incidente, o valor pedido pelos advogados da família de Cecília Meireles remontaria a US$ 70 mil, mas Bethânia desconversa. "Não tenho idéia de valores, quem lida com isso é a minha equipe."

Para o show de Maricotinha, Maria Bethânia - artista de presença legendária sobre os palcos - prepara muitas surpresas. "Tenho muitas coisas que quero trabalhar em texto para o show. Versos de poetas portugueses, como Sofia de Melo, Natália Corrêa - muito munha amiga e de Vinicius - e Antonio Ramos Rosa, que escreveu, há anos, 12 poemas para mim." A turnê começará em outubro. De certo, Bethânia só garante uma coisa: vai usar microfones com fio. "Tecnologia pra mim é um inferno", diz a cantora. "Agora a estrela é o técnico de som, não vou mais pela regência da batuta do maestro. Mas o meu microfone é com fio. Aquele 'picolé sem alma' - os microfones sem fio - eu não uso!", brinca.