Fundo de Quintal: expectativa na troca de casa

Grupo pioneiro de pagode, que era da finada RGE, lança pela BMG disco ao vivo comemorativo dos 20 anos de carreira e sai em busca de maior destaque na mídia

Rodrigo Faour
10/10/2000
"Estamos há 20 anos fazendo sucesso sem mídia. Agora, estamos numa gravadora que está se prestando a fazer um trabalho bem maior. Por isso acho que o Fundo de Quintal vai viver mais 100 anos". O desabafo é de Bira Presidente, fundador do Bloco Cacique de Ramos – reduto de bambas cariocas – e pandeirista do Fundo de Quintal desde a sua primeira formação. Assim como os demais componentes do grupo, ele está animado com a transferência do grupo da extinta RGE para a BMG, que segundo ele está prometendo fazer de tudo para divulgar seu novo CD, Simplicidade. Este é o segundo álbum ao vivo do grupo (o primeiro foi há dez anos) em duas décadas de atividade e foi gravado durante uma temporada no Tom Brasil (SP). O disco traz, em diversos pot-pourris, os principais sucessos do grupo, como Rosalina, Lucidez, O Show Tem Que Continuar e Do Fundo do Nosso Quintal. Tudo com a produção cuidadosa do craque Rildo Hora.

"Esse disco é o encontro do Fundo de Quintal com o povão, gravado com a participação desse povo", anima-se Bira. Ele sabe o que diz. O Fundo de Quintal tem público certo nos quatro cantos de país - o quartel-general do seu fã-clube, no entanto, fica em São Paulo. "Somos o grupo que mais trabalha no país, embora a mídia não mostre. Temos um mínimo de quatro shows por semana. E em São Paulo nós trabalhamos mais do que nunca. Modéstia à parte, nós nos consideramos as pessoas mais queridas do samba nesse estado", completa, afirmando que a receita no sucesso está justamente na simplicidade do sexteto. "A gente faz o samba como ele é. Aqui não tem apelação, tem autenticidade".

Mas o Fundo de Quintal é diplomático ao falar dos neopagodeiros. Também não é para menos. Alguns deles tiraram os nomes de seus conjuntos de títulos de sucessos do grupo – caso mais célebre, o Só Pra Contrariar. "Somos um espelho para todos eles", orgulha-se Bira. "A gente tem um respeito com quem faz samba. Só que a gente segue a linha dos nossos antepassados". Bira acha que as pessoas querem ouvir mesmo é o samba de raiz. "Quem está fazendo sucesso agora? É o samba verdade... Zeca Pagodinho, Dudu Nobre, Fundo de Quintal... O que você mais vê em shows nossos é a juventude". Ubirany, repiquenista do grupo, concorda. "O pessoal está querendo samba tradicional, como sempre quis. Ele só não era bem mostrado. Agora, então, na nova gravadora, nosso trabalho vai deslanchar". Não é nada, não é nada, eles já vão estar no próximo Domingão do Faustão, ao lado do Só Pra Contrariar.

Bênção da madrinha e memória de japonês
Bira conta que o grupo não esquece o empurrão da madrinha Beth Carvalho, que em 1977 os conheceu no Bloco Cacique de Ramos. "Emplacamos sem a interferência de ninguém várias músicas no seu LP De Pé no Chão (78), como Vou Festejar", lembra ele, que junto com os colegas introduziram o repique de mão, o tantã e reincorporaram o velho banjo ao som do samba. O grupo passou por várias formações. Jorge Aragão e Almir Guineto saíram no começo dos anos 80, mas entraram Arlindo Cruz e, mais tarde, Sombrinha – que hoje atuam em dupla. Mas o espírito continua o mesmo. O Fundo de Quintal se orgulha de ter ganho 10 dos 11 prêmios Sharp a que concorreu e de ter excursionado pela Europa, América do Norte e África.

"Estivemos em Nova York, em 87, fazendo três shows. Um foi beneficente, no Bronx. Outro foi no Town Hall (casa da prefeitura de NY) e outro no Village Gate. Fomos duas vezes ao Japão. Na primeira vez ficamos 20 dias e a segunda por um mês, entre 88 e 89. Fomos também a Paris e a Angola", enumera Ubirany, que se emocionou especialmente com a platéia japonesa. "O japonês adora samba. Uma vez tocamos Prazer da Serrinha e o Arlindo começou a versar. Qual foi a nossa surpresa: o japonês respondeu! Depois, soubemos que o cara não falava português, ele simplesmente decorou de tanto ouvir o nosso disco".