Funk carioca é a explosão do fim de século

Estilo cultuado nos subúrbios do Rio de Janeiro começa a fazer barulho fora dos domínios das equipes de som, conquistando admiradores e detratores

Silvia D e Silvio Essinger
16/01/2001
Está escrito no site da Furacão 2000 que o ex-presidente Castelo Branco ouviu um dos primeiros bailes promovidos pela equipe que à época se chamava Som 2000/Guarani 2000, e teria exclamado: "Isto não é Som 2000, nem Guarani. É um furacão". Passados 28 anos do início de suas atividades, o estilo musical surgido ali, com suas batidas cruas, letras berradas e quase ausência de melodia, parece cada vez mais polêmico. O estouro da Raimunda ("vai popozuda/ empina sua bunda/ ô Raimunda!), também conhecida como a Popozuda, inspirou uma nova onda de questionamento sobre um gênero que já está mais do que cristalizado na vida cultural do Rio de Janeiro e tem fãs apaixonados em vários estados do território nacional.

Em 2000, não foram poucos os sucessos dos bailes que ultrapassaram os domínios das equipes de som. Tapinha, Jonathan II (do MC mirim de mesmo nome), Dança da Motinha e Tchu Tchuca ("vem aqui com seu tigrão/ vou te deitar na cama/ e te dar muita pressão"), do disco Tornado Muito Nervosoamostras de 30s, da Furacão 2000, foram cantadas em todo lugar: de boates na Zona Sul carioca, a festas em cidades de fora do Rio de Janeiro, passando pelo programa da Xuxa. Percebendo o fenômeno, a Som Livre lançou o disco Explosão Tekno Funkamostras de 30s, que trouxe faixas de crias da Furacão como o ex-presidiário Sapão (com a melódica Eu Sei Cantar), jovens da classe média como o DJ Saddam (com Calça da Gang) e até bandas de rock como o gaúcho Defalla (Popozuda Rock'n Roll), que lançou um disco inspirado no batidão carioca, Miami Rock 2000amostras de 30s. A cantora Fernanda Abreu deu seu aval ao funk carioca em 2000 na música Baile da Pesadaamostras de 30s, faixa de seu mais novo disco, Entidade Urbana.

Além da Furacão, a ponta de lança do movimento, diferentes equipes dividem a responsabilidade de proporcionar (muitas vezes a única forma de) lazer a populações de áreas carentes, promovendo bailes semanais por toda a cidade que reúnem milhares de pessoas por vez. As mais famosas são a Pipo's, Espião Shock de Monstro e New Funk. Assim como a cultura hip hop, que transforma a vida de muitos jovens através da música de conscientização, também o funk carioca abre perspectivas para adolescentes oprimidos por uma situação social e econômica adversa, através da possibilidade de expressão e contato com a criatividade artística. Difícil é fazer uma comparação imparcial e proporcional sobre a mensagem passada pelos dois estilos.

"É som de preto/de favelado/mas quando toca/ninguém fica parado"
A massa funkeira está interessada em se divertir. Por isso, seus temas versam basicamente sobre sexo/sexualidade, roupas, comunidades, futebol e os bailes em si - assuntos que dizem respeito à realidade dos jovens de baixa renda do estado do Rio de Janeiro. E a tradução musical das condições de vida das galeras que produzem e consomem essa cultura é: um batidão eletrônico potente, um som agudo de sintetizador barato (opcional) e uma voz desafinada (de homem ou mulher), berrando frases como "calça da gang/ toda mulher quer/ 200 reais/ pra deixar a bunda em pé" ou "tá dominado/tá tudo dominado", repetidas ad infinitum.

Atualmente, pioneiros como o DJ Marlboro e DJ Jacaré e novos como o DJ Saddam se empenham em buscar mais a música e o conteúdo, produzindo batidas, letras e melodias de forma mais pensada, elaborando arranjos e passando mensagens positivas para a juventude. No entanto, o lado da violência, dos sangrentos enfrentamentos entre as galeras nos bailes, divididos entre Lado A e Lado B, é que tem garantido para o funk espaços em jornais e revistas - até mesmo do exterior. Em 2000, os "clubes da luta" do Rio foram alvo de extensas reportagens nas revistas MixMag (inglesa) e Spin (americana - leia a matéria em CliqueMusic).

As primeiras canções a romper a barreira social enfrentada pelo funk foram Ah! Eu Tô Maluco! e Uh! Tererê!, que funcionam como gritos de guerra, prática comum entre os bondes (grupos de rapazes de uma mesma comunidade, que vão juntos ao baile). Da favela para o condomínio da Barra foi um pulo. Com programas em rádios FM e na TV aberta, as equipes de bailes funk também fomentaram o aparecimento de uma pequena indústria. Lançamentos de discos (vendidos principalmente em bancas de jornais a preços baixos), marcas de roupas e lojas de equipamento de som acomodam hoje a implementação de produtos funk no mercado - ainda que esse mercado possa ser considerado paralelo.

Com a introdução da Popozuda nos lares das classes mais abastadas, novamente a massa sem rosto se faz perceber, trazendo acaloradas discussões sobre educação e cultura, estimulando músicos pop como Edu K (do Defalla) a reler o estilo e ajudando a fazer de Verônica Costa, a Mãe Loura, o Filé, mulher do dono da Furacão 2000 Rômulo Costa (que chegou a ser preso sob acusação de tráfico de drogas, mas foi solto em dezembro passado), um dos candidatos mais votados no ano passado para a Câmara dos Vereadores do Rio de Janeiro.