Geraldo Azevedo: hoje Brasil, amanhã EUA?

Pernambucano lança disco gravado em Los Angeles, com músicos americanos, mas diz que sua prioridade é o Brasil. "O que vier de fora é lucro", garante.

Silvio Essinger
31/10/2000
Daqui a 15 dias, Geraldo Azevedo sabe que terá mais compromissos de imprensa: estará participando do lançamento do terceiro volume do Grande Encontro – nesta nova celebração da música nordestina, ele, Zé Ramalho e Elba Ramalho receberam como convidados o cearense Belchior, o pernambucano Lenine e o baiano Moraes Moreira. A coisa promete, garante Geraldo, mesmo que, pela segunda vez, Alceu Valença (um dos fundadores do projeto) esteja ausente. "Alceu tem dificuldade em trabalhar em grupo, tem um ego muito forte, é muito intuitivo", diz o músico, com a autoridade de quem estreou em vinil em 1972, dividindo um LP com o conterrâneo. "Fiz todo aquele disco por nós. Alceu tem a intuição, mas não a disciplina e não melhorou até hoje." Mas não foi disso que Geraldo veio falar, e sim de Hoje Amanhã, seu mais novo disco de carreira, gravado em Los Angeles no ano passado. Burocracias mil fizeram com que só agora o CD, produzido pelo próprio selo do músico, o Geração, pudesse ser lançado (no Brasil, pela BMG). "Vivi essa mesma coisa no primeiro Grande Encontro, quando estava lançando Futuramérica", recorda-se "Mas com o tempo esses meus discos de carreira vendem."

Gravado ao longo de 27 dias, passados em uma casa à beira da praia, em Santa Monica ("Era da casa para o estúdio e do estúdio para casa, não teve dispersão", conta Geraldo), Hoje Amanhã foi um disco feito com muito desprendimento, sem muita autocrítica, buscando o cerne das canções, que passeiam pelo forró, o rock, o bolero e as harmonias beatles, sempre com um tratamento muito delicado. "Procurei limpar o som, usando o mínimo possível de teclados", diz. O disco teve produção de Pippo Spera, parceiro do músico e dono do selo Snow Creek, que está lançando Hoje Amanhã em parceria com o Geração. Spera, que produziu outros dois discos de Geraldo Azevedo (Bossa Tropical, de 1989, e Berekekê, de 92, o primeiro que ele gravou nos EUA), trouxe para o estúdio músicos do quilate do percussionista Alex Acuña e do baixista Alphonso Johnson (ambos ex-integrantes do supergrupo de jazz Weather Report).

Do Brasil, o cantor, violonista e compositor só levou dois músicos: o pianista Luiz Antônio e o saxofonista e flautista César Michiles. Zabumbas, coros e sanfona, ele gravou no estúdio Discover, no Rio – foi a garantia da autenticidade dos forrós, como Onde Tu Vai, João?, que hoje em dia não podem faltar em seus discos. No meio dos trabalhos de Hoje Amanhã em Los Angeles, Dori Caymmi, que mora há mais de década na cidade, fez uma visitinha ao estúdio para gravar vocais e fazer os arranjos do bolero Una Palabra. "O Dori fez todas as orquestrações dos meus primeiros quatro disco solos", lembra Geraldo, que chegou a excursionar pela África com parte da família do amigo: o pai Dorival e o irmão Danilo Caymmi. Boa parte das músicas, o pernambucano compôs exclusivamente para o disco. "A mais antiga era Manequim", revela.

Desde o lançamento de Berekekê, que foi distribuído nos Estados Unidos pela Amazon Records, a carreira americana de Geraldo foi lentamente crescendo. "Com aquele disco, criou-se um mercado de trabalho", conta. Cerca de 10 mil cópias da coletânea A Personalidade de Geraldo Azevedo, importadas do Brasil, foram vendidas no país. Músicas suas também entraram na trilha do filme Woman on Top (no Brasil, Sabor da Paixão, com Penelope Cruz e o nosso Murilo Benício) e numa coletânea da gravadora Putamayo. "Não tenho a pretensão de me tornar um artista pop na América", desdenha o músico. "Valorizo muito a dimensão do mercado brasileiro, o que vier de fora é lucro." Recentemente, Geraldo fez três shows com Elba Ramalho na Califórnia – um deles foi gravado para um futuro disco. Depois, ele seguiu para Boston e Nova York, onde se apresentou para a comunidade brasileira.