Geraldo Vandré rompe silêncio
Em entrevista exclusiva a CliqueMusic, o recluso autor de Disparada fala sobre seus projetos, entre eles o disco que pretende gravar em parceria com Zé Ramalho. Mas avisa: "Não tenho pressa. Vivo em outro mundo"
Tom Cardoso
28/07/2000
Numa entrevista recente a CliqueMusic, Zé Ramalho deu a pista: "Olha, estive com o Geraldo Vandré há pouco tempo. Ele está ótimo, me mostrou várias canções inéditas maravilhosas e quer gravar um disco em parceria comigo". Depois da insistência do repórter, Zé concordou em dar os telefones de contato do autor de Disparada, que amarga um auto-exílio de mais de 30 anos. "Mas vê se não liga muito, ele costuma se irritar fácil com as pessoas", alertou o compositor.
De nada adiantou o aviso de Zé Ramalho. Foram mais de 40 ligações ao celular e à casa de Geraldo Vandré. Monossilábico, o músico paraibano quase sempre repetia a mesma frase: "Vamos nos encontrar, me liga amanhã. Tá frio aí no Rio?". E nada de encontro. Depois de dois meses conversando sobre o clima do Rio de Janeiro e outras amenidades, Vandré resolveu, enfim, marcar uma entrevista com a reportagem de CliqueMusic.
O cantor escolheu um restaurante árabe localizado no centro de São Paulo, a poucos metros do edifício onde mora. Chegou pontualmente no horário marcado. Vestindo um blusão preto e um boné de aviador, pediu cerveja quente e uma coalhada e reclamou da fria noite paulistana (parece ter obsessão por temperaturas). O fato de ter pedido cerveja quente já reforçaria a tese de que Vandré estivesse, de fato, louco. Vítima da tortura dos militares? Vítima do cruel ostracismo?
Mas não. Geraldo Vandré não pirou. Calmo, conversou sobre tudo. Deu opiniões curtas, mas inteligentes, sobre os mais variados assuntos. Mora sozinho há mais de três décadas. Não tem filhos e são poucos os amigos. No entanto, Vandré diz levar uma vida super ocupada para um senhor de 65 anos de idade. "Sou advogado (formou-se em direito no fim dos anos 50, no Rio de Janeiro), o único da minha região. Advogado, porém inútil", brinca.
Durante a entrevista, Vandré conversou sobre os seus projetos. Do disco que pretende gravar no Uruguai e da esperada parceria com Zé Ramalho. "Só depende dele". Afirmou não ter gostado do álbum que o Quinteto Violado gravou em sua homenagem em 1997, Quinteto Canta Vandré ("É um disco equivocado", diz) e confessou desconhecer o que a MPB tem produzido. "Só ouço música clássica".
O músico revelou sua paixão por carros e principalmente por aviões, que o levou a escrever uma canção em homenagem à FAB (Força Aérea Brasileira), Fabiana, no fim da década de 80, rompendo um silêncio de várias décadas sem compor. Sobre a atual e controvertida lua-de-mel com os militares, que em 1968, em pleno AI-5, ficaram furiosos e censuraram Caminhando (Pra Não Dizer que Não Falei de Flores), sua canção mais emblemática, Vandré não conseguiu dar uma explicação muito convincente. "Caminhando não era uma canção política. Era um aviso aos militares: ‘Olha gente, desse jeito não dá mais’. Eles (militares) nunca tocaram um dedo em mim".
CliqueMusic – O sr. vive recluso há muitos anos. Não dá entrevistas, não faz shows e não grava discos. Como é a sua rotina de vida? Vive do que hoje em dia?
Geraldo Vandré – Sou advogado, o único da minha região. Advogado, porém inútil (risos). Tô sempre muito ocupado, muito mais do que muita gente da minha idade. Quando estou em casa, com o tempo livre, componho, mas não tenho pressa para gravar discos.
CliqueMusic – Zé Ramalho, seu conterrâneo e amigo, disse que o sr. concordou em gravar um disco com ele. Quando vão entrar em estúdio?
Geraldo Vandré – A gente combinou sim. Mas ele não me ligou mais. Deve estar ocupado com o novo show, que é muito bom. Fui assistir outro dia, gostei da regravação de Caminhando.
CliqueMusic – O mesmo Zé Ramalho também confirmou que o sr. tem canções inéditas belíssimas guardadas. Por que tanto tempo sem gravar um disco?
Geraldo Vandré – Por que vou atender as exigências do mercado de gravar um disco por ano? A maioria das minhas canções eu compus em espanhol. Pretendo primeiro lançar um disco no Uruguai. Estou indo para lá estudar um pouco de música.
CliqueMusic – O Quinteto Violado gravou em 1997 um disco só de canções de sua autoria. Chegou a ouvi-lo?
Geraldo Vandré – Ouvi. Tem uma série de coisas equivocadas neste disco. As pessoas fazem tudo com muito pressa.
CliqueMusic – O sr. ficou marcado como um compositor de protesto. Alguma dessas canções novas têm essa característica?
Geraldo Vandré – Nunca fui um compositor de protesto. Sou um músico de formação erudita. Ouço Villa-Lobos, Wagner...
CliqueMusic – Mas muitas das suas canções são sim de protesto, Caminhando, Canção da Despedida, e estão longe de ter um perfil erudito.
Geraldo Vandré – Não quero falar do passado. Ouça essa minha canção, que eu acabei de compor, ainda não tem título (começa a cantarolar um tango em portunhol): "Hoje cantor de mi tango/ Um tango do meu viver/ La Pampa, larga e serena/ Nela, vou renascer/ E há o outro lado, Argentina/ Que parte de mi querer".
CliqueMusic –O sr. pode mostrar alguma canção inédita em português?
Geraldo Vandré – Eu fiz essa música para a FAB (retira da bolsa um cartão com a letra de Fabiana, com um brasão da Força Aérea desenhado no verso).
CliqueMusic – Não é estranho alguém que protestou contra a ditadura militar hoje compor músicas em homenagem à Força Aérea?
Geraldo Vandré – Vocês não entendem, nunca entenderam (irritado, bate com força a colher com coalhada no prato). A minha relação com os militares não foi política e nunca vai ser. Caminhando era um aviso: "Olha gente, desse jeito não dá mais".
CliqueMusic – Muita gente tem convicção de que o sr. foi torturado na época do AI-5, por causa dos polêmicos versos de Caminhando ("Há soldados armados, amados ou não/ Quase todos perdidos de armas na mão/ Nos quartéis lhes ensinam uma antiga lição/ De morrer pela pátria e viver sem razão ).
Geraldo Vandré – Nunca fui preso. Eles (militares) nunca encostaram um dedo em mim. Aproximei-me da FAB porque voar sempre foi uma paixão de criança. Veja o início da letra de Fabiana, diz assim: "Desde os tempos distantes de criança/ Numa força, sem par, do pensamento..." Sou fascinado pela mecânica dos aviões e dos automóveis desde criança. Tenho dois carros em casa, um Fiat Palio e um Fusca. Hoje prefiro mexer num motor de carro do que compor uma música.
CliqueMusic – O sr. esteve visitando o Wilson Simonal no hospital um pouco antes de sua morte (em junho deste ano). Não te incomodou o fato dele carregar por muito tempo a fama de delator na época da ditadura?
Geraldo Vandré – Isso foi uma grande injustiça. Não fizeram essa acusação porque ele era preto e rico. Senão, tinham feito o mesmo com o Jair (Rodrigues). Era porque ele era um cara petulante, tinha aquele jeitão, mas nunca dedurou ninguém. Tenho certeza disso.
CliqueMusic – Se alguns dos seus antigos parceiros o convidassem para compor de novo, o sr. aceitaria?
Geraldo Vandré – Acho que sim. Estive assistindo o show do Baden (Powell) recentemente. Um grande show, um grande artista.
CliqueMusic – O sr. soube que ele se recusa a cantar os seus afro-sambas (em parceria com Vinícius de Moraes) depois que virou evangélico?
Geraldo Vandré – É sério? Que grande maluquice (risos).
CliqueMusic – O Caetano Veloso contou em seu livro, Verdade Tropical, que o sr. brigou com ele e com a Gal Gosta por causa da música Baby. O que acha do movimento tropicalista?
Geraldo Vandré – Achava Baby uma m. e hoje acho mais m. ainda (risos). O Rogério Duprat (maestro e arranjador da Tropicália) deve ter ficado surdo de tanto ouvir a barulheira dos tropicalistas.
CliqueMusic – O sr. ouve música? Vê televisão?
Geraldo Vandré – Ouço só rádio, a Cultura AM, que toca música clássica. Tenho um aparelho de TV branco e preto em casa, mas raramente ligo.
CliqueMusic – Já ouviu Chico César?
Geraldo Vandré – Nunca ouvi falar. Da onde ele é?
CliqueMusic – Da sua terra, a Paraíba.
Geraldo Vandré – Não sei quem é. Vivo em outro mundo.
De nada adiantou o aviso de Zé Ramalho. Foram mais de 40 ligações ao celular e à casa de Geraldo Vandré. Monossilábico, o músico paraibano quase sempre repetia a mesma frase: "Vamos nos encontrar, me liga amanhã. Tá frio aí no Rio?". E nada de encontro. Depois de dois meses conversando sobre o clima do Rio de Janeiro e outras amenidades, Vandré resolveu, enfim, marcar uma entrevista com a reportagem de CliqueMusic.
O cantor escolheu um restaurante árabe localizado no centro de São Paulo, a poucos metros do edifício onde mora. Chegou pontualmente no horário marcado. Vestindo um blusão preto e um boné de aviador, pediu cerveja quente e uma coalhada e reclamou da fria noite paulistana (parece ter obsessão por temperaturas). O fato de ter pedido cerveja quente já reforçaria a tese de que Vandré estivesse, de fato, louco. Vítima da tortura dos militares? Vítima do cruel ostracismo?
Mas não. Geraldo Vandré não pirou. Calmo, conversou sobre tudo. Deu opiniões curtas, mas inteligentes, sobre os mais variados assuntos. Mora sozinho há mais de três décadas. Não tem filhos e são poucos os amigos. No entanto, Vandré diz levar uma vida super ocupada para um senhor de 65 anos de idade. "Sou advogado (formou-se em direito no fim dos anos 50, no Rio de Janeiro), o único da minha região. Advogado, porém inútil", brinca.
Durante a entrevista, Vandré conversou sobre os seus projetos. Do disco que pretende gravar no Uruguai e da esperada parceria com Zé Ramalho. "Só depende dele". Afirmou não ter gostado do álbum que o Quinteto Violado gravou em sua homenagem em 1997, Quinteto Canta Vandré ("É um disco equivocado", diz) e confessou desconhecer o que a MPB tem produzido. "Só ouço música clássica".
O músico revelou sua paixão por carros e principalmente por aviões, que o levou a escrever uma canção em homenagem à FAB (Força Aérea Brasileira), Fabiana, no fim da década de 80, rompendo um silêncio de várias décadas sem compor. Sobre a atual e controvertida lua-de-mel com os militares, que em 1968, em pleno AI-5, ficaram furiosos e censuraram Caminhando (Pra Não Dizer que Não Falei de Flores), sua canção mais emblemática, Vandré não conseguiu dar uma explicação muito convincente. "Caminhando não era uma canção política. Era um aviso aos militares: ‘Olha gente, desse jeito não dá mais’. Eles (militares) nunca tocaram um dedo em mim".
CliqueMusic – O sr. vive recluso há muitos anos. Não dá entrevistas, não faz shows e não grava discos. Como é a sua rotina de vida? Vive do que hoje em dia?
Geraldo Vandré – Sou advogado, o único da minha região. Advogado, porém inútil (risos). Tô sempre muito ocupado, muito mais do que muita gente da minha idade. Quando estou em casa, com o tempo livre, componho, mas não tenho pressa para gravar discos.
CliqueMusic – Zé Ramalho, seu conterrâneo e amigo, disse que o sr. concordou em gravar um disco com ele. Quando vão entrar em estúdio?
Geraldo Vandré – A gente combinou sim. Mas ele não me ligou mais. Deve estar ocupado com o novo show, que é muito bom. Fui assistir outro dia, gostei da regravação de Caminhando.
CliqueMusic – O mesmo Zé Ramalho também confirmou que o sr. tem canções inéditas belíssimas guardadas. Por que tanto tempo sem gravar um disco?
Geraldo Vandré – Por que vou atender as exigências do mercado de gravar um disco por ano? A maioria das minhas canções eu compus em espanhol. Pretendo primeiro lançar um disco no Uruguai. Estou indo para lá estudar um pouco de música.
CliqueMusic – O Quinteto Violado gravou em 1997 um disco só de canções de sua autoria. Chegou a ouvi-lo?
Geraldo Vandré – Ouvi. Tem uma série de coisas equivocadas neste disco. As pessoas fazem tudo com muito pressa.
CliqueMusic – O sr. ficou marcado como um compositor de protesto. Alguma dessas canções novas têm essa característica?
Geraldo Vandré – Nunca fui um compositor de protesto. Sou um músico de formação erudita. Ouço Villa-Lobos, Wagner...
CliqueMusic – Mas muitas das suas canções são sim de protesto, Caminhando, Canção da Despedida, e estão longe de ter um perfil erudito.
Geraldo Vandré – Não quero falar do passado. Ouça essa minha canção, que eu acabei de compor, ainda não tem título (começa a cantarolar um tango em portunhol): "Hoje cantor de mi tango/ Um tango do meu viver/ La Pampa, larga e serena/ Nela, vou renascer/ E há o outro lado, Argentina/ Que parte de mi querer".
CliqueMusic –O sr. pode mostrar alguma canção inédita em português?
Geraldo Vandré – Eu fiz essa música para a FAB (retira da bolsa um cartão com a letra de Fabiana, com um brasão da Força Aérea desenhado no verso).
CliqueMusic – Não é estranho alguém que protestou contra a ditadura militar hoje compor músicas em homenagem à Força Aérea?
Geraldo Vandré – Vocês não entendem, nunca entenderam (irritado, bate com força a colher com coalhada no prato). A minha relação com os militares não foi política e nunca vai ser. Caminhando era um aviso: "Olha gente, desse jeito não dá mais".
CliqueMusic – Muita gente tem convicção de que o sr. foi torturado na época do AI-5, por causa dos polêmicos versos de Caminhando ("Há soldados armados, amados ou não/ Quase todos perdidos de armas na mão/ Nos quartéis lhes ensinam uma antiga lição/ De morrer pela pátria e viver sem razão ).
Geraldo Vandré – Nunca fui preso. Eles (militares) nunca encostaram um dedo em mim. Aproximei-me da FAB porque voar sempre foi uma paixão de criança. Veja o início da letra de Fabiana, diz assim: "Desde os tempos distantes de criança/ Numa força, sem par, do pensamento..." Sou fascinado pela mecânica dos aviões e dos automóveis desde criança. Tenho dois carros em casa, um Fiat Palio e um Fusca. Hoje prefiro mexer num motor de carro do que compor uma música.
CliqueMusic – O sr. esteve visitando o Wilson Simonal no hospital um pouco antes de sua morte (em junho deste ano). Não te incomodou o fato dele carregar por muito tempo a fama de delator na época da ditadura?
Geraldo Vandré – Isso foi uma grande injustiça. Não fizeram essa acusação porque ele era preto e rico. Senão, tinham feito o mesmo com o Jair (Rodrigues). Era porque ele era um cara petulante, tinha aquele jeitão, mas nunca dedurou ninguém. Tenho certeza disso.
CliqueMusic – Se alguns dos seus antigos parceiros o convidassem para compor de novo, o sr. aceitaria?
Geraldo Vandré – Acho que sim. Estive assistindo o show do Baden (Powell) recentemente. Um grande show, um grande artista.
CliqueMusic – O sr. soube que ele se recusa a cantar os seus afro-sambas (em parceria com Vinícius de Moraes) depois que virou evangélico?
Geraldo Vandré – É sério? Que grande maluquice (risos).
CliqueMusic – O Caetano Veloso contou em seu livro, Verdade Tropical, que o sr. brigou com ele e com a Gal Gosta por causa da música Baby. O que acha do movimento tropicalista?
Geraldo Vandré – Achava Baby uma m. e hoje acho mais m. ainda (risos). O Rogério Duprat (maestro e arranjador da Tropicália) deve ter ficado surdo de tanto ouvir a barulheira dos tropicalistas.
CliqueMusic – O sr. ouve música? Vê televisão?
Geraldo Vandré – Ouço só rádio, a Cultura AM, que toca música clássica. Tenho um aparelho de TV branco e preto em casa, mas raramente ligo.
CliqueMusic – Já ouviu Chico César?
Geraldo Vandré – Nunca ouvi falar. Da onde ele é?
CliqueMusic – Da sua terra, a Paraíba.
Geraldo Vandré – Não sei quem é. Vivo em outro mundo.