Gilberto Gil estréia show correto no Canecão (RJ)

O cantor empolga com baiões e xaxados clássicos de Luiz Gonzaga e de sua própria lavra. Mas as três inéditas que compôs para a trilha do filme Eu, Tu, Eles passaram em branco

Rodrigo Faour
19/05/2000
Para muitos especialistas, o baião e seus desdobramentos ainda são uma música de segunda classe. Que somente com o advento da bossa nova a MPB evoluiu, se sofisticou e coisa e tal. Conversa fiada. A prova que a música popular nordestina dos anos 40 e 50 era das melhores e influenciou o trabalho de muitos dos nossos artistas contemporâneos está em cartaz até domingo no Canecão. Gilberto Gil comanda uma verdadeira celebração do gênero, rodeado de ótimos músicos, com destaque para o pife muderno do flautista Carlos Malta, o ritmo do zabumbeiro Jorginho Gomes e o charme discreto – digno de Dominguinhos – do jovem acordeonista Cissinho.

As canções do filme Eu, Tu, Eles , de Andrucha Waddington, apresentado esta semana no Festival de Cannes, na verdade são basicamente do repertório do divino rei do baião, Luiz Gonzaga (nem sempre de sua autoria), e três inéditas do próprio Gil. No show houve acréscimos de outros autores que beberam na fonte de Gonzaga. É o caso de Caetano Veloso ( Cajuína ), Dominguinhos ( Só Quero um Xodó e Pedras que Cantam ), e do próprio Gil ( Refazenda , De Onde Vem o Baião , Expresso 2222 ). Além dessas, há parcerias de Gil com os dois primeiros, como São João Xangô Menino e Lamento Sertanejo , respectivamente.

Com cenário de bom gosto, iluminação correta e indumentária clean dos músicos – estavam todos de branco – contrastando com aquele ritmo que de clean não tem nada, o show serve para realçar a ótima música que o povão curtia na virada dos anos 40 para os 50. Era boa demais! Qui nem Jiló, Asa Branca, Olha pro Céu ou Último Pau de Arara são absolutamente irresistíveis. O ponto alto do show veio já quase no final com a seqüência que trazia o xaxado arretado Vem Morena, a infalível Expresso 2222 e a esperançosa A Volta da Asa Branca.

As músicas inéditas não chegam a ser brilhantes nem tampouco empolgam o público. Aliás, encerrar o show com uma delas, Esperando na Janela, foi uma escolha equivocada, mas tanto esta quanto as outras duas não chegam a comprometer o espetáculo, já que tudo o que vem de Gil é sempre, no mínimo, interessante. O show é, na realidade, sem compromisso. Só vai até domingo, no Rio, e encerra a temporada nos dias 9 e 10 de junho no Via Funchal, em São Paulo. O CD que deu origem à apresentação, como Gil comentou duas vezes, foi gravado em 11 dias e mixado em quatro. E o show é apenas um passeio por canções nordestinas clássicas. Não pretende ser mais do que isso.

No mais, Gil estava simpático. Convocou a platéia para ir no próximo domingo ao final do Leblon, no Rio, protestar contra o novo projeto de lei florestal. E celebrou seu ídolo de infância, Luiz Gonzaga, explicando que conseguiu reproduzir a batida do baião para o violão antes daquela imortal de bossa nova, de João Gilberto. Só tropeçou nas datas. Disse que tudo isso começou em 1941, “quando apareceu a palavra baião pela primeira vez num disco de Luiz Gonzaga, da mesma forma como ocorreu com Donga em 1917 com Pelo Telefone”. Dois erros. Na verdade, Gonzagão estreou realmente em 41, porém como instrumentista, gravando valsas, mazurcas, e posteriormente polcas, xamegos e choros. A primeira gravação atinando para o novo gênero foi da antológica Baião – incluída no roteiro do show – pelo grupo Quatro Ases e um Coringa, em 46. E Gonzagão só a gravaria três anos depois. O outro erro foi sobre Pelo Telefone. O primeiro samba gravado que se tem notícia foi em 1908 e se chama Quando a Mulher Não Quer, gravado pelo cançonetista Arthur. Erros esclarecidos, resta apenas xaxar à vontade.