Gorda, alegre e generosa

Cantora que lançou Juca Chaves como compositor e ajudou Cauby Peixoto no início da carreira, Leny Eversong é lembrada pelos amigos como uma figura doce, que falava alto e comia muito

Rodrigo Faour
31/08/2000
A julgar pelas lembranças de seus colegas do meio musical, Leny Eversong era muito querida. Eles se referem a ela como uma criatura alegre, vibrante no palco e fora dele, dona de uma voz impactante e dada à boa mesa – haja vista seu porte corpulento. "Ela era sempre forte, bonita e vibrante. Não houve um show que tenha assistido em que ela não fosse aplaudida de pé", diz Agnaldo Rayol, que foi seu amigo íntimo. "Leny foi uma das maiores cantoras do Brasil. Era versátil – cantava todos os gêneros –, carismática e alegre", elogia Adelaide Chiozzo, que numa temporada na Rádio Nacional de São Paulo chegou a parabenizá-la pelo sucesso. "Eu dizia que ela era como vinho, que a cada ano que passava ficava melhor".

Outra que foi do cast da Rádio Nacional de São Paulo no início dos anos 50, Inezita Barroso, é mais uma a lembrar com entusiasmo da colega. "É uma das vozes mais lindas do Brasil. Ela tinha volume, um timbre grave, de teatro, não precisava nem de microfone. A voz dela empolgava quando cantava Babalu, que ela já apresentava bem antes da Ângela Maria. Ela também cantava muita coisa em inglês, embora não falasse uma palavra do idioma. Ela escrevia nas mãos a pronúncia das palavras. Então em vez de light ela escrevia laite (risos). Leny também fez muito sucesso nos Estados Unidos. Eles a adoravam", diz a amiga que ainda admirava seu caráter. "Era dócil, bem educada e não tinha frescuras. Era famosa mas não estava nem aí".

A figura gorda da cantora também desperta lembranças. Segundo Carminha Mascarenhas, Leny era exímia cozinheira. "Ela pouco conviveu em grupo, não andava em bando. Era mais caseira. De servir em sua casa para pouquíssimos amigos", lembra a cantora que atuou a seu lado no programa Almoço com as Estrelas, na TV Record. Ela diz que Leny lhe parecia ter um gênio explosivo por conta de seu tom de voz, sempre alto, mas ressalva que, ao mesmo tempo, a colega estava sempre risonha. "Ela ria, brincava, falava muito alto e cantava maravilhosamente bem", define.

Lana Bittencourt chegou a presenciar cena da colega no restaurante do italiano Bolinha, em São Paulo, próximo ao aeroporto, servindo-se de dois pratos cheios de feijoada. "Nossa! Ela comia que era uma barbaridade. Os dois pratos que ela enchia davam para quatro pessoas. Ela pedia sempre o prato dobrado. Depois se abanava muito", conta a cantora. Lana lembra ainda que Leny era vista como fenômeno vocal. "Ela tinha uma voz rara porque praticamente atingia as quatro escalas musicais – ia de mezzo soprano até a voz masculina de barítono. Pode reparar que quando canta Jezebel ela prolonga as notas como se fosse um barítono".

O compositor Klecius Caldas é outra testemunha do peso de Leny. "Uma vez ela esteve para gravar uma música minha e tivemos alguns encontros. Num desses, dei uma carona para ela, mas ela era ultrapesada e me arriou os pneus do carro", ri o autor de Boiadeiro e Maria Escandalosa, que chegou a vê-la no Cassino da Urca e não deixou de admirá-la por esse contratempo. "Era uma figura diferente. Uma cara doce, pequena, mas com aquele corpão e os cabelos oxigenados", define.

Toninho, 72 anos, único integrante da formação original dos Demônios da Garoa em atividade, foi mais um de seus colegas na Rádio Nacional de São Paulo e lembra de um detalhe pitoresco sobre Leny, também relacionado à sua figura opulenta. "Quando ela ia ensaiar pela manhã para as apresentações no programa Manuel de Nóbrega, que ia de meio-dia às duas da tarde, ela trazia uma marmitinha porque tinha medo de ficar com fome", diverte-se o cantor.

Generosidade com novos talentos
Outro aspecto do temperamento de Leny Eversong é sua generosidade. Ela chegou a ajudar o estreante Cauby Peixoto no início de sua carreira. "A Leny foi uma das maiores amigas que tive. Quando comecei a gravar, na época da Rádio Excelsior de São Paulo, vivia atrás dela. Ficávamos juntos nos bastidores da rádio até seu marido chegar para apanhá-la", lembra o cantor que aprendeu diversas técnicas de canto com Leny. "Ela é sem dúvida o maior potencial do mundo. Quando cantou na América, no programa do Ed Sullivan, ele lhe disse que se ela ficasse por lá seria a maior cantora do mundo. Disse que ela era a maior cantora da América, melhor que Sophie Tucker", depõe Cauby, comparando-a a uma das mais tradicionais cantoras americanas.

O humorista, cantor e compositor Juca Chaves é outra figura que deve muito à cantora. "Eu tinha 16 anos e quem me gravou pela primeira vez foi a Leny", revela. Foi a canção Águas de Saquarema, gravada no LP Leny em Foco (1957), na Copacabana. Nessa época, Juca estudava harmonia e composição com o maestro Guerra Peixe e já esboçava suas primeiras composições, inspirado nas canções praieiras de seu ídolo Dorival Caymmi. "A Leny era muito amiga da minha mãe e nessa época ela já era famosa no mundo todo. Eu, com meus 16 anos, já era notado por ela, que dizia: ‘Esse menino vai ser bom’", recorda. "Mas isso foi na época que o Brasil tinha música", ri.

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