Graforréia Xilarmônica: os desconhecidos pioneiros

Com seus dois obscuros discos hoje fora de catálogo, a banda foi a primeira em Porto Alegre a fazer jovem guarda com visão irônica, influenciou bandas, mas não saiu do circuito cult

Silvio Essinger
02/04/2001
Diego Medina, do Video Hits, é o primeiro a reconhecer: "A Graforréia Xilarmônica foi a grande inspiradora do novo rock de Porto Alegre. Quando ela acabou, deixou muita gente órfã." De fato: se hoje as bandas gaúchas tendem para um som com inspiração na jovem guarda e no rock dos anos 60, mas com letras que refletem uma visão irônica da vida (uma visão bem gaúcha, diga-se de passagem), isso se deve à banda fundada em 1987 por Frank Jorge (baixo e vocais) e Marcelo Birck (guitarra e vocais), que acabou melancolicamente em janeiro do ano passado, em um show no bar Ocidente. Com apenas duas fitas demo e dois discos por selos pequenos, já fora de catálogo (Coisa de Louco II, amostras de 30s de 95, e Chapinhas de Ouro amostras de 30s, de 98), a Graforréia é um dos melhores exemplos do que é ser uma banda de rock cult no Brasil. "Ela deveria ser conhecida, mas morreu na casca", lamenta Frank Jorge, que ficou com "uma grande ressaca" depois do fim da banda.

O fã-clube da Graforréia, no entanto, não pára de crescer - dele fazem parte desde o Pato Fu (que regravou Nunca Diga ouvir 30s, de Coisa de Louco, no CD Televisão de Cachorro  e agora inclui uma versão de Eu, de Chapinhas, em novo CD) e os cariocas Los Hermanos aos ainda desconhecidos Repolho (de Chapecó, em Santa Catarina) e Relógios de Frederico (de Porto Alegre). Para todos eles, uma boa notícia: depois de lançarem seus discos solo (o vanguardista Marcelo Birck amostras de 30s e Carteira Nacional de Apaixonado amostras de 30s, ambos do ano passado), Birck e Frank Jorge acabaram de retomar a parceria responsável pelos grandes clássicos da Graforréia, como Você Foi Embora, Empregada, Amigo Punk, Fulvio Sillas, Meus Dois Amigos e Eu Gostaria de Matar os Dois. "O disco do Birck despertou muita curiosidade - e o meu também. Era meio inevitável que nos encontrássemos", conta Frank.

O primeiro show da dupla foi no ano passado, no Sindicato dos Bancários de Chapecó. O próximo acontece em Porto Alegre, dia 26, na Reitoria da UFRGS. Antes disso, no dia 14, o baixista lança o Carteira em São Paulo, no Orbital, em festa do site London Burning, ao lado das bandas Wry e Grenade. Frank e Birck pensam até em gravar um disco, que deve reunir as novas composições dessa parceria que está "tão boa e crocante quanto antes", nas palavras do baixista. As letras que estão escrevendo, segundo Frank, falam "sobre a inconseqüência do amor livre dos anos 60 que deu gonorréia para todo mundo e outras coisas relevantes." Um começa uma idéia, o outro completa. O baixista vem com uma frase, do tipo de "o rock não tem cura, então eu quero me matar" e Birck leva a coisa para um lado ainda mais inusitado - assim como era com a Graforréia.

Entre a jovem guarda e a vanguarda
Amigos de infância, Frank e Birck começaram na banda Prisão de Ventre, que durou de 1982 a 85 e misturava jovem guarda, new wave e Arrigo Barnabé. Quando começaram a Graforréia, com o baterista Alemão (Alexandre, irmão de Marcelo), eles de certa forma retomaram o espírito do Prisão: "Nossa intenção era misturar a comunicação direta da jovem guarda, do brega e do rock dos anos 60 com a pesquisa da música de vanguarda", conta Marcelo Birck. E foi justamente na mesma época em que bandas de Porto Alegre, como Engenheiros do Hawaii, Nenhum de Nós, Replicantes, Garotos da Rua, TNT e Defalla começavam a fazer sucesso no país inteiro, a reboque de contratos com a gravadora RCA. "Ficava feliz em ver os amigos fazendo sucesso, mas a gente ficava meio à margem. A Graforréia era renegada até mesmo em Porto Alegre, as músicas não tocavam em rádio", conta Birck.

Algum tempo depois, Marcelo saiu da banda e ela continuou com Carlo Pianta (ex-Defalla) na guitarra - de qualquer forma, ele continuava sendo compositor da Graforréia junto com Frank Jorge, que levou o trio mais para os lados da jovem guarda que da vanguarda. A inesperada popularização da banda através das fitas demo (que corriam de mão em mão) acabou levando a um contrato com o selo Banguela Discos para a gravação de Coisa de Louco II, que teve um sucesso relativo, uma vez que o videoclipe de Você Foi Embora passou bastante na MTV.

Enquanto isso, Birck foi cuidar do Aristhóteles de Ananias Jr., banda formada por ele com Pedro Porto (baixo) e Luciano Zanata (sax alto), que lançou álbum homônimo amostras de 30s em 96 pelo selo Grenal Records, do próprio guitarrista. "Era o que eu considerava um passo à frente da Graforréia", diz. Mais vanguardista que qualquer coisa da antiga banda, o CD é a junção de duas demos, insatisfatórias e de níveis de qualidade absolutamente diferentes. Birck mixou o disco de forma anárquica, no estúdio dos irmãos Dreher, às vezes pegando nas duas fitas pedaços para uma mesma música. "O rock gaúcho pode ser dividido entre antes e depois dos Dreher", elogia o músico. Depois da Graforréia de Birck, por lá passaram outros artistas de importância para o novo rock gaúcho, como Júpiter Maçã (depois Jupiter Apple) e Ultramen.

Mais vanguardista ainda que o disco do Aristhóteles é Marcelo Birck, que reúne material de fitas demo músicas novas, num CD que, como faz questão de ressaltar a ficha técnica, foi "gravado, mixado e masterizado entre dezembro de 1997 e junho de 2000". "Não fiz as gravações pensando em disco", explica Birck. Com surf music, dodecafonismo e intervenções eletrônicas ao longo de músicas como Ié-Ié-Ié do Oiapoque ao Chuí, O Meu Cigarro, Biquinis em Versos e Tchap Tchura, o disco foi metade gravado no estúdio Dreher, metade no computador do músico, que tocou vários instrumentos. Além de divulgar Marcelo Birck e de compor com Frank Jorge, Marcelo ainda se dedica hoje em dia a mais um projeto: os Atonais, sua banda paralela, só de jovem guarda.

Gravando na loucura
Mesmo ainda com a Graforréia, Frank foi outro que não se furtou dos projetos paralelos. No fim dos anos 80, tocou baixo com os Cascavelletes ("Cuja importância maior foi a de ter me colocado na estrada", diz) e foi o autor principal de um dos maiores sucessos da banda, Menstruada. Há dois anos, também participou dos Cowboys Espirituais, trio country formado com Júlio Reny e com o ex-TNT Márcio Petrarco. A banda lançou um disco pela Trama, mas nada aconteceu e Frank achou melhor picar a mula. "Aquilo era como continuar num casamento só por causa dos filhos", conta. Curtindo a ressaca do fim da Graforréia, resolveu fazer seu disco solo ("Fui gravando na loucura, sem saber como ia pagar"), que acabou saindo pelo selo Barulhinho, da dupla de músicos gaúchos The Dharma Lovers. O estilo é bem próximo daquele da Graforréia, com músicas como Serei Mais Feliz (Vou Largar a Jovem Guarda), Cabelos Cor de Jambo, Não Recebo em Dólar e a regravação de Nunca Diga.

"Talvez o Frank seja o compositor mais na linha canção-jovem-guarda. Eu sou mais ácido nos meus comentários", explica Birck, ressaltando que as canções da Graforréia só saem quando ele e Frank compõem juntos. Já segundo o baixista, a permanência da banda até hoje se deve ao fato de ela ter mantido uma postura firme. "Não éramos publicitários querendo fazer uma banda engraçadinha. E tínhamos uma maneira própria de buscar a brasilidade [com elementos de música regional gaúcha, como se pode conferir em canções como Benga Minueto, de Chapinhas de Ouro]."

"Até a Graforréia conseguir ver sua importância muita coisa já tinha passado", lamenta Frank, observando que "hoje os grupos sabem lidar melhor com a indústria". "Mas com o tempo, o trabalho da Graforréia tem se mostrado viável", complementa Birck. "O reconhecimento existe, mas capitalizamos pouco disso." Como nenhuma gravadora voltou a se interessar pela Graforréia, eles chegaram a pensar em lançar por conta própria uma coletânea de fitas demo, mas a disparidade de qualidade os desanimou. Quem sabe no próximo século...

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