Herbert Vianna exorciza as neuroses urbanas

Cercado de convidados, o líder dos Paralamas do Sucesso lança O Som do Sim, seu terceiro álbum solo, cujos temas remetem à violência do país, clamando por uma vida mais simples e solidária

Rodrigo Faour
13/09/2000
A cabeça de Herbert Vianna está mudando. Continua careca e de óculos. Mas por dentro o homem de 39 anos está passando por uma metamorfose. O líder dos Paralamas do Sucesso teve muitos entes queridos perdidos nos últimos meses – alguns, vítimas da violência urbana – e isso fez com que ele projetasse suas reflexões existenciais em seu terceiro trabalho solo. A seu ver, O Som do Sim é uma fronteira de resistência contra a violência humana, uma verdadeira ode ao amor ao próximo. Em clima de superprodução, ele capitaneou cinco produtores e chamou um monte de amigos da nova e da antiga geração da MPB, mulheres em sua maioria, para dividir as onze faixas do disco com ele. Por que tantas parcerias? "É fundamental eu me oxigenar gravando com outras pessoas", justifica o cantor, que misturou o maestro Eumir Deodato, Fernanda Abreu, Marinho (baixista da banda de rap Pavilhão 9) e Nana Caymmi no mesmo balaio.

O Som do Sim é o primeiro trabalho solo de Herbert Vianna projetado realmente como disco. Os dois anteriores surgiram ao acaso. O que o levou a fazer esse trabalho agora com tamanho empenho foi a oportunidade de promover uma reciclagem geral em sua vida. "Estou com 39 anos, já sou pai de três filhos, mas até hoje vinha trabalhando da mesma forma de quando eu tinha 21. Só que nos últimos tempos fui tantas vezes ao cemitério que percebi que ficar um dia inteiro em função de um show de uma hora e meia, que faço numa noite, estava me privando de muita coisa", ressalta.

Preocupação com a velhice? Não é isso. Herbert diz que suas crenças espirituais não lhe permitem viver um desconforto com relação a isso. "Acho bacana viver cada fase da história humana. Mas quando se chega aos 40, estamos em teoria na metade do que seja a expectativa otimista do Brasil. A qualidade do tempo é que me importa muito mais do que antes. Não estou mais disposto a viver 24 horas por dia em função de um show", frisa ele, que vai dar um tempo de seis meses de turnês com os Paralamas no ano que vem justamente para reciclar-se. Mas que ninguém espere assistir a shows solo do cantor. "Jamais vou poder reunir novamente num palco essas pessoas com quem gravei no CD. Seria um arremedo. Minha grande alegria é a de tocar com o Bi e o Barone."

Mulheres no poder
A opção por dividir os vocais de nove das onze faixas com mulheres foi o desdobramento da concepção inicial do disco. "A primeira idéia que tive para o disco era a de eu mesmo registrar músicas já gravadas por outros cantores e que nunca tinha cantado, músicas que às vezes as pessoas nem sabem que são minhas nas vozes de Marina Lima, Paula Toller, Fernanda Abreu, Gal Costa, Daúde, Cássia Eller, Daniela Mercury, Ivete Sangallo... Aí tive minha primeira constatação: 90% ou mais das pessoas que gravaram minhas músicas foram mulheres. Então, pensei: vou gravar com elas as músicas. Mas não quis que o disco fosse uma autocelebração, pois isso não se parecia comigo. Depois vi que, se fizesse o projeto dessa maneira, a Cássia e Gal teriam que cantar a mesma música pois ambas gravaram Lanterna dos Afogados. Então comecei a compor, comecei a contactar pessoas diferentes", explica.

O processo funcionou assim: quando a canção lhe remetia a algum intérprete que ele gostava, ele o chamava para dividir a faixa. Foi assim na bossa nova Hoje Canções, com os vocais com Nana Caymmi e Marcos Valle – que também assinou o arranjo. Em Partir, Andar ele chamou Zélia Duncan, em Inbetween Days (velho hit do grupo The Cure) ele divide os vocais com Érika Penélope Martins, e por aí vai. Black Alien (do Planet Hemp), Fernanda Abreu, Sandra de Sá, Cássia Eller, Moreno Veloso, Daúde, Fernanda Takai (Pato Fu) e Luciana Pestano completam o time de convidados.

Violência sórdida
Os temas abordados nas faixas do disco foram também uma decorrência das transformações internas que Herbert veio sofrendo a partir do desaparecimento de pessoas queridas e também de uma apreciação cada vez mais sórdida do país em que vive. "Embora as músicas pareçam muito diferentes, os temas que prevalecem são o amor ao próximo e a violência que vivemos e que há muito passaram do limite do tolerável", explica ele, dando como exemplo a canção A Mais, que compôs com o Pedro Luís. "Hoje somos bombardeados por um número tão grande de informações e temos que absorvê-las de uma forma que está acima de nossa capacidade. São tantas tragédias que as pessoas acabam se dessensibilizando. E a nossa idéia foi fazer uma música sobre um dia de paz. Falar das pequenas alegrias que podem vir da simplicidade. Três dias depois, mataram a irmã do Pedro", diz ele com voz embargada. "A todo momento há histórias humanas sendo apagadas na esquina de uma forma inacreditável. É um absurdo viver assim e ficar calado", revolta-se.

Herbert realmente está bastante chocado com o que anda vendo da janela lateral de seu quarto de dormir. Para não deixar que esta revolta se transforme em algo destrutivo, além de distribuir mensagens em suas canções, está fazendo algumas caridades. Acabou de leiloar (via Internet) sua guitarra por R$ 1.800 a fim de angariar fundos para uma instituição de caridade. Juntamente com os colegas do Paralamas também comprou uma Kombi para ajudar um abrigo de crianças. "O meu otimismo é ver pequenos focos aparecendo, pessoas fazendo coisas extraordinárias mesmo com tudo contra. Mesmo com o vetor vontade política apontando para o outro lado. Parece que o preço humano não interessa, mas não posso ser otimista realisticamente", pondera.

A título de exemplo de toda a inversão de valores que nossa sociedade está vivendo, ele discursa: "Estamos num momento muito polarizado. A molecada de classe extremamente baixa só tem uma opção de ascensão, prestígio, dinheiro e reconhecimento, que é entrar para o crime, cada vez mais cedo. Ao mesmo tempo, as pessoas de posses criam crianças sem pegar ônibus e coisa e tal e aí a gente vê crianças de academias destruindo boates e shows. E nos dois casos, a violência passa por essa coisa hormonal, juvenil, de emoção. E em ambos a trilha sonora é o funk, que é muito machista, sempre colocando a mulher como popozuda. Tem ainda o funk chamado funk real, que só fala de ‘atirei, o olho saiu, o miolo estourou’ e ainda, de um outro lado, uma música derivada do exterior e que várias bandas brasileiras já falam que diz que a mulher é vagabunda, que o negócio é porrada. Então, por isso, quando abri uma janela e ouvi o disco do Moreno Veloso, foi um raio ensolarado. Super bem trabalhado, com poesias em que inclusive a mulher é bem tratada fiquei muito feliz. Não estou condenando esse processo, isso é uma conseqüência da maneira como a gente está vivendo."