Homenagem a Francis Hime ganha um bis
Compositor fala de Álbum Musical, CD tributo reunindo um time estelar de figurões da MPB
Mônica Loureiro
03/09/2004
O cantor, compositor, maestro e pianista Francis Hime continua produzindo
tanto ou mais que no início de sua carreira. E olha que já são 40 anos de
música. Francis acaba de relançar seu Álbum Musical
(Biscoito Fino), disco de 1997 com 18 sucessos seus interpretados por grandes nomes da MPB. A novidade é que ele vem acompanhado por um livro de partituras, com melodias, cifras, letras e arranjos para piano feitos pelo próprio
Francis. Em um longo e agradável papo, Francis fala do disco, de sua relação "promíscua" com os parceiros e da aversão que tinha a shows - e porque, agora, adora estar no palco. Ele aproveita também para contar o que está compondo na área erudita, como será o show que estréia na próxima semana e que vai rodar o Brasil, além de seus planos para 2005.
Cliquemusic: Sem Mais Adeus, de 1963, é sua primeira música. A letra, escrita em um guardanapo, foi entregue a você por Vinícius de Moraes. Este tipo de espontaneidade era típico da época ou hoje, em tempos de globalização, ainda pode funcionar assim?
Francis Hime: Ah, hoje é mais por e-mail... Naquela época, acontecia muitas parcerias em bares, como com o Chico (Buarque), que aconteceu uma coisa parecida com esse episódio do Vinícius. Ele também escreveu a letra de E Se num papel, só não era guarnanapo!
Outra coisa que caracterizava bem esses anos eram as reuniões nas casas dos músicos para criar, tocar e trocar idéias. Ainda há esse clima?
Antigamente a gente se encontrava mais, ficava horas tocando. Depois, começou aquele hábito de entregar fitas, acho que a tendência é diminuir mesmo os encontros. Eu ainda tento cultivar essa coisa de jogar conversa fora, é mais divertido! A composição é uma atividade tão solitária...Sinto necessidade desse contato, coisa que se estende ao público. Hoje em dia eu gosto muito mais de fazer shows.
Por que? Antes você era tímido?
Também. Antigamente, para ter coragem, eu bebia muito, entornava todas mesmo para subir no palco. E não adiantava nada, porque a adrenalina cortava tudo! Há uns 20 anos, antes de fazer uma apresentação de piano e voz em Belém, eu tive fortes dores de estômago e tive que fazer a seco. Foi aí que passei a entender que as pessoas estão ali porque gostam de mim, que pagaram para me ver! A partir dali, nunca mais tomei nada antes de subir ao palco. Hoje, adoro fazer shows, conversar, seja em qualquer lugar e para público grande ou pequeno.
Na época em que você estava produzindo o Álbum Musical, ficou alguém de fora do projeto? Não acha que 18 músicas são pouco para representar quatro décadas de carreira?
Ficou muita gente de fora, como o João Gilberto, que interpretaria Último Canto, parceria minha e de Ruy Guerra, e Ney Matogrosso, com Pau-Brasil, minha e de Geraldinho Carneiro. É que o projeto inicial previa 30 músicas, mas acabamos fazendo só com as 18 da primeira etapa.
Como foi a escolha dos convidados? Dá a impressão que cada um está ali porque tem uma história com a música que interpreta...
Esse cast (Milton Nascimento, Djavan, Caetano, Chico, Ivan Lins, Zelia Duncan, Gil, Gal, João Bosco, Beth Carvalho, Toquinho, Maria Bethânia e outros) foi um verdadeiro quebra-cabeças para se montar. Ficava imaginando o que cada um poderia cantar. Realmente, a ligação afetiva pesou muito, mas também a adequação de cada um à música. Paulinho da Viola, em Meu Caro Amigo, me parece estar cantando uma música dele!
Houve alguma mudança no CD para este relançamento?
Só foi remasterizado e ganhou uma capa nova. A novidade é o livro Álbum (Editora Gryphus). Escrevi as melodias, letras, cifras e arranjos para piano nas tonalidades que os cantores deram, para ficar simples de tocar.
As canções que estão no Álbum Musical foram lançadas entre 1963 e 1984. É um período que você considera o mais importante de sua carreira? E depois disso, como analisa sua produção?
Não que eu considere mais importante, é porque foi a época que englobou as músicas de maior sucesso - mas a escolha para o disco também foi norteada por aquelas mais adaptáveis ao piano. Até 85, eu lançava um disco por ano. Depois, fiquei sem gravar entre 85 e 97, mas fazendo muitos shows e me dedicando à música erudita. Veio o Choro Rasgado, em 97, e, depois, mais seis anos sem disco. Agora, a tendência é lançar de dois em dois anos. Para mim, lançar disco me estimula a compor mais e mais. Quando não componho, fico jururu...
O que você está produzindo na área erudita?
Hoje em dia, aprendi a fazer a música erudita conviver com a popular no meu trabalho. Uma das obras mais importantes que fiz foi a Sinfonia do Rio de Janeiro de São Sebastião (2002). Agora, estou compondo a Ópera do Futebol - na verdade, há seis anos estamos trabalhando nela - que terá texto de Silvana Gontijo e duas horas de duração. É um projeto caro, já registrei 3/4 dela e pretendo encenar ano que vem no Rio. E, quem sabe, na Copa do Mundo da Alemanha, em 2006. Tenho também um concerto para violão e orquestra que fiz para Raphael Rabello mas, quando ele morreu, fiquei meio órfáo. Estou com vontade de lançá-lo ano que vem. Tem outro concerto, para violino e orquestra, em que também estou trabalhando.
E na música popular? Como andam as composições e os parceiros?
Ah, as parcerias vêm muito por acaso... Terminam, são retomadas... Geraldinho Carneiro diz que eu sou o parcerio mais promíscuo da música popular! (risos) É que cada um me leva por um caminho diferente. O mais antigo e com quem trabalho até hoje é o Paulinho (Paulo César Pinheiro), o terceiro na ordem cronológica. Com Chico, a última que fizemos foi Vai Passar, em 85. Na época do Choro Rasgado, eu mandei um samba, mas ele não conseguiu compor. O Paulinho então fez A Luz da Manhã. Nas últimas semanas peguei uma letra de Moraes Moreira - Visão, que transformei num samba minimalista - outra de Simone Guimarães e duas de Capinan, parceiro antigo com que estou retomando os trabalhos. Peguei outro dia um livro do Abel Silva e comecei a musicar uns poemas da parte que ainda não tinha sido musicada. Aí, ele disse, "ah, mas Sueli Costa já musicou esse, eu esqueci de incluir isso no livro!" (risos). Já combinei umas parcerias com Chico César e, quem sabe, Martinho da Vila. Tenho planos de lançar um disco de inéditas em 2005, mas ainda não sei que rumo isso vai tomar. Tenho material para três CDs!
Quantas composições você tem? E como é seu processo de compor?
Até pouco tempo, tinha músicas espalhadas por papéis, baús, agora estou conseguindo me organizar melhor. Devo ter umas 500 composições e, gravadas, 200. Tem muita música sem letra e muitos poemas para musicar. Às vezes, em uma noite surgem três, quatro músicas. Dessas, uma presta e as outras têm que ser retrabalhadas. Com a música popular, é um processo irregular. Na hora de trabalhar com a erudita, não, eu tenho disciplina: estipulo um horário para compor diariamente. Para a Sinfonia do Rio, foram 12 horas por dia durante seis, oito meses. Se eu levantasse para ir ao banheiro, eu descontava do horário!
Você estréia o show Álbum Musical no Rio dia 3 de setembro, na casa noturna Estrela da Lapa. Como será a apresentação?
Depois do Lua Cheia, que eu tinha uma orquestra no palco, montei um pocket-show. A estréia é no Baretto, em São Paulo, de quarta a sábado. Na Estrela da Lapa, farei duas apresentações, talvez com alguma canja, e depois sigo para o Mistura Fina (24 e 25 de setembro). A banda é formada por Gabriel Improta (violão/guitarra), André Santos (baixo), Élcio Cafaro (bateria/percussão) e eu no piano. É um show que vai correr o Brasil.
Cliquemusic: Sem Mais Adeus, de 1963, é sua primeira música. A letra, escrita em um guardanapo, foi entregue a você por Vinícius de Moraes. Este tipo de espontaneidade era típico da época ou hoje, em tempos de globalização, ainda pode funcionar assim?
Francis Hime: Ah, hoje é mais por e-mail... Naquela época, acontecia muitas parcerias em bares, como com o Chico (Buarque), que aconteceu uma coisa parecida com esse episódio do Vinícius. Ele também escreveu a letra de E Se num papel, só não era guarnanapo!
Outra coisa que caracterizava bem esses anos eram as reuniões nas casas dos músicos para criar, tocar e trocar idéias. Ainda há esse clima?
Antigamente a gente se encontrava mais, ficava horas tocando. Depois, começou aquele hábito de entregar fitas, acho que a tendência é diminuir mesmo os encontros. Eu ainda tento cultivar essa coisa de jogar conversa fora, é mais divertido! A composição é uma atividade tão solitária...Sinto necessidade desse contato, coisa que se estende ao público. Hoje em dia eu gosto muito mais de fazer shows.
Por que? Antes você era tímido?
Também. Antigamente, para ter coragem, eu bebia muito, entornava todas mesmo para subir no palco. E não adiantava nada, porque a adrenalina cortava tudo! Há uns 20 anos, antes de fazer uma apresentação de piano e voz em Belém, eu tive fortes dores de estômago e tive que fazer a seco. Foi aí que passei a entender que as pessoas estão ali porque gostam de mim, que pagaram para me ver! A partir dali, nunca mais tomei nada antes de subir ao palco. Hoje, adoro fazer shows, conversar, seja em qualquer lugar e para público grande ou pequeno.
Na época em que você estava produzindo o Álbum Musical, ficou alguém de fora do projeto? Não acha que 18 músicas são pouco para representar quatro décadas de carreira?
Ficou muita gente de fora, como o João Gilberto, que interpretaria Último Canto, parceria minha e de Ruy Guerra, e Ney Matogrosso, com Pau-Brasil, minha e de Geraldinho Carneiro. É que o projeto inicial previa 30 músicas, mas acabamos fazendo só com as 18 da primeira etapa.
Como foi a escolha dos convidados? Dá a impressão que cada um está ali porque tem uma história com a música que interpreta...
Esse cast (Milton Nascimento, Djavan, Caetano, Chico, Ivan Lins, Zelia Duncan, Gil, Gal, João Bosco, Beth Carvalho, Toquinho, Maria Bethânia e outros) foi um verdadeiro quebra-cabeças para se montar. Ficava imaginando o que cada um poderia cantar. Realmente, a ligação afetiva pesou muito, mas também a adequação de cada um à música. Paulinho da Viola, em Meu Caro Amigo, me parece estar cantando uma música dele!
Houve alguma mudança no CD para este relançamento?
Só foi remasterizado e ganhou uma capa nova. A novidade é o livro Álbum (Editora Gryphus). Escrevi as melodias, letras, cifras e arranjos para piano nas tonalidades que os cantores deram, para ficar simples de tocar.
As canções que estão no Álbum Musical foram lançadas entre 1963 e 1984. É um período que você considera o mais importante de sua carreira? E depois disso, como analisa sua produção?
Não que eu considere mais importante, é porque foi a época que englobou as músicas de maior sucesso - mas a escolha para o disco também foi norteada por aquelas mais adaptáveis ao piano. Até 85, eu lançava um disco por ano. Depois, fiquei sem gravar entre 85 e 97, mas fazendo muitos shows e me dedicando à música erudita. Veio o Choro Rasgado, em 97, e, depois, mais seis anos sem disco. Agora, a tendência é lançar de dois em dois anos. Para mim, lançar disco me estimula a compor mais e mais. Quando não componho, fico jururu...
O que você está produzindo na área erudita?
Hoje em dia, aprendi a fazer a música erudita conviver com a popular no meu trabalho. Uma das obras mais importantes que fiz foi a Sinfonia do Rio de Janeiro de São Sebastião (2002). Agora, estou compondo a Ópera do Futebol - na verdade, há seis anos estamos trabalhando nela - que terá texto de Silvana Gontijo e duas horas de duração. É um projeto caro, já registrei 3/4 dela e pretendo encenar ano que vem no Rio. E, quem sabe, na Copa do Mundo da Alemanha, em 2006. Tenho também um concerto para violão e orquestra que fiz para Raphael Rabello mas, quando ele morreu, fiquei meio órfáo. Estou com vontade de lançá-lo ano que vem. Tem outro concerto, para violino e orquestra, em que também estou trabalhando.
E na música popular? Como andam as composições e os parceiros?
Ah, as parcerias vêm muito por acaso... Terminam, são retomadas... Geraldinho Carneiro diz que eu sou o parcerio mais promíscuo da música popular! (risos) É que cada um me leva por um caminho diferente. O mais antigo e com quem trabalho até hoje é o Paulinho (Paulo César Pinheiro), o terceiro na ordem cronológica. Com Chico, a última que fizemos foi Vai Passar, em 85. Na época do Choro Rasgado, eu mandei um samba, mas ele não conseguiu compor. O Paulinho então fez A Luz da Manhã. Nas últimas semanas peguei uma letra de Moraes Moreira - Visão, que transformei num samba minimalista - outra de Simone Guimarães e duas de Capinan, parceiro antigo com que estou retomando os trabalhos. Peguei outro dia um livro do Abel Silva e comecei a musicar uns poemas da parte que ainda não tinha sido musicada. Aí, ele disse, "ah, mas Sueli Costa já musicou esse, eu esqueci de incluir isso no livro!" (risos). Já combinei umas parcerias com Chico César e, quem sabe, Martinho da Vila. Tenho planos de lançar um disco de inéditas em 2005, mas ainda não sei que rumo isso vai tomar. Tenho material para três CDs!
Quantas composições você tem? E como é seu processo de compor?
Até pouco tempo, tinha músicas espalhadas por papéis, baús, agora estou conseguindo me organizar melhor. Devo ter umas 500 composições e, gravadas, 200. Tem muita música sem letra e muitos poemas para musicar. Às vezes, em uma noite surgem três, quatro músicas. Dessas, uma presta e as outras têm que ser retrabalhadas. Com a música popular, é um processo irregular. Na hora de trabalhar com a erudita, não, eu tenho disciplina: estipulo um horário para compor diariamente. Para a Sinfonia do Rio, foram 12 horas por dia durante seis, oito meses. Se eu levantasse para ir ao banheiro, eu descontava do horário!
Você estréia o show Álbum Musical no Rio dia 3 de setembro, na casa noturna Estrela da Lapa. Como será a apresentação?
Depois do Lua Cheia, que eu tinha uma orquestra no palco, montei um pocket-show. A estréia é no Baretto, em São Paulo, de quarta a sábado. Na Estrela da Lapa, farei duas apresentações, talvez com alguma canja, e depois sigo para o Mistura Fina (24 e 25 de setembro). A banda é formada por Gabriel Improta (violão/guitarra), André Santos (baixo), Élcio Cafaro (bateria/percussão) e eu no piano. É um show que vai correr o Brasil.