Independência ou morte para o Mundo Livre S/A

Abandonado pelas gravadoras, grupo recifense lança música via Internet e se assume na contramão da mídia

Marco Antonio Barbosa
22/10/2001
"Atenção grandes investidores / corram enquanto é tempo", cantava Fred Zero Quatro na faixa Novos Eldorados 30'' excerpts, do penúltimo disco de sua banda, o Mundo Livre S/A (Carnaval na Obra ouvir 30s, de 1999). Fred, autor da letra, deve estar mais do que nunca ciente de sua ironia. Considerado há pelo menos sete anos como uma das mais instigantes bandas do pop nacional, e figura central do movimento manguebeat (com importância equivalente à de Chico Science), o Mundo Livre S/A peleja mais uma vez com a incompreensão (incompetência?) da indústria fonográfica e o descaso da mídia. Cerca de um ano depois de lançar seu segundo CD pela Abril Music, Por Pouco ouvir 30s, o grupo liderado por Fred se encontra sem gravadora. E agora se questiona: afinal, para quê gravadora?

No dia 11 de outubro, o Mundo Livre S/A colocou para download gratuito na homepage www.manguebit.org/mlsa o MP3 de sua última gravação, Caiu a Ficha. A atitude do grupo bateu com a incompatibilidade com a gravadora Abril, que tinha a opção de renovar o contrato com os recifenses em agosto. Mas não o fez. Historicamente maltratado pelo esquema de distribuição/divulgação dos grandes selos, o MLS/A pôde conferir que, com o "apoio" das gravadoras, estava dando passos menores que as próprias pernas. A liquidificação sonora do grupo - que mistura electronica, rock, samba e grooves jorgebenianos à estética experimental do manguebeat, tudo temperado com letras altamente argutas - ainda paira no buraco negro das FMs e emissoras de TV.

"A música teve 54 mil downloads em dois dias, depois que conseguimos um destaque na homepage do UOL (Universo Online, www.uol.com.br). Isso é mais do que nossos quatro discos venderam juntos. Isso, claro, se der para confiar nos números que as gravadoras passam. Na verdade nunca consideramos nossas 'vendagens' algo para se levar a sério", declara, de Recife, Fred Zero Quatro. O grupo já havia tido em 1999 uma amostra do alcance da Grande Rede Mundial, quando, ao oferecer a faixa Quem Tem Bit Tem Tudo 30'' excerpts no mesmo esquema via Internet, bateram o recorde de acessos num só dia a um site afiliado ao UOL - mais de 180 mil downloads. "A Internet é imune à corrupção, ao jabá", diz Zero Quatro. "Além disso, é democrática."

Caiu a Ficha tem letra bastante pertinente a estes tempos de terrorismo global, apesar de não ser uma canção nova. " Foi certeiro/rápido e sorrateiro/ E mortal", canta Fred na música. Referência ao derrubado World Trade Center? "Essa música foi feita há uns dois anos. Tínhamos que lançá-la agora, enquanto a coisa está quente. Se não, perderíamos o gancho", diz o vocalista. Mas Zero Quatro afirma que não se pode tirar um retrato da nova produção do mundo livre S/A só por essa música. "Temos muito material inédito guardado, sobras do disco anterior e coisas novas também. Mas nem tudo terá esse caráter tão politizado. Das letras que eu tenho escrito, algumas caem para este lado naturalmente, outras não. Sei o que está se passando no mundo, não aderi a nenhuma seita, nem virei ermitão", fala, rindo. "As músicas ainda estão num estágio 'caseiro', por isso não dá para comentar muito sobre como elas vão ficar quando prontas. Nosso método de composição não mudou desde o Por Pouco. Temos usado muito violão e cavaquinho."

Uma coisa é certa: esta nova safra do Mundo Livre S/A dificilmente verá a luz do dia através de uma gravadora convencional. Pelo menos é o que se depreende da recente experiência do grupo com a Abril Music. "Eles não nos procuraram quando chegou a hora de renovar o contrato. Nós também não fizemos questão, então... O nosso desgaste com eles já vem de longe", resume Zero Quatro. O desapontamento dos recifenses com a gravadora paulista soma-se a uma longa lista de tristezas similares. A começar pelo primeiro álbum do grupo, Samba Esquema Noise ouvir 30s, que não passou das (declaradas) três mil cópias vendidas, pelo selo Banguela (distribuído pela Warner). Enquanto isso, o grupo tinha alta rotação na MTV e era incensado pela crítica de todo o Brasil. Certamente, essas e outras levaram o grupo à esdrúxula circunstância de ter quatro discos distribuídos por três gravadoras diferentes, no espaço de seis anos.

Com a Abril, não foi diferente. "O Por Pouco teve uma tiragem irrisória. Mandaram uma meia-dúzia de CDs aqui para o Recife, esgotou tudo - estávamos tocando nas rádios FMs locais, o maior sucesso - e todo mundo ficava me perguntando onde comprar o disco", narra Fred. Sem contrato, o grupo agora considera as múltiplas possibilidades para o lançamento de seu novo material. "Não quero me precipitar", diz Zero Quatro. "Mesmo porque o momento econômico de um modo geral está incerto, o que já dificulta o acerto com uma gravadora grande. Mas agora há a possibilidade de vender em banca de jornal, por exemplo. Também podemos lançar exclusivamente na Internet. Depende de conseguirmos aproveitar bem o potencial que ela (a rede mundial de computadores) oferece, já que ainda temos pouca experiência na área."

Nos passos de algumas de suas admirações confessas - como o grupo Fellini, Tom Zé ou o próprio Chico Science - Zero Quatro reflete sobre o contraste entre o parco sucesso de massa do mundo livre e seu alto prestígio na intelligentzia: "Não sei se é karma ou falta de sorte mesmo. Talvez seja o destino de ser maldito, cult, ou coisa parecida." Em tom de tragicomédia, o líder do MLS/A conta: "Pô, a minha esposa acha muito estranho quando vê e compara essas notícias - sei lá quanto acessos recordes na Internet - com o cotidiano da banda, que ainda está aqui no Recife quase como quando começou. É um paradoxo." Investidores, corram enquanto é tempo.