Internet passa a informação musical em revista

Especial: músicos e jornalistas comentam o papel dos sites na cobertura do mundo musical, diante da falta de revistas especializadas

Tatiana Tavares
16/10/2001
Apesar de atualmente o Brasil ocupar o quinto lugar no mercado fonográfico mundial, o público consumidor de tantos CDs não tem hoje uma revista especializada em música - seja ela de qualquer gênero ou estilo - ou cultura pop em geral com representatividade nacional. Com o fim da Showbizz - última remanescente que depois de 16 anos, sucumbiu às sucessivas mudanças de equipe, formato e conteúdo - o que sobrou foram publicações nanicas, regionais e de pouca influência, ao contrário do que acontecia no início dos anos 80 e final dos 70, quando nosso mercado nem era tão expressivo.

Mas enquanto aguardam-se as mudanças, para alguns parece haver luz no fim do túnel. Após o primeiro boom que fez da Internet mania nacional - e mundial -, a rede, agora mais estabilizada, passou por uma seleção natural e o que ficou foi uma boa penca de sites especializados em música e cultura, o que vem atraindo não apenas os internautas, mas também aqueles que querem apenas saber das últimas novidades sobre seus artistas preferidos. Muitos destes sites no entanto limitam-se a estampar notas e matérias traduzidas de agências internacionais de notícias, o que para muita gente é um grande defeito - que faz com que não possam ocupar esta lacuna deixada pela falta de revistas, gerando também falta de credibilidade em informações muitas vezes mal apuradas.

"O legal dos sites é que muitos têm um espírito de zine, são mais autênticos. Mas por outro lado, já vi muita falta de informação", diz o jornalista e crítico do jornal O Globo Tom Leão. Segundo ele, uma vantagem dos sites é sua agilidade. "As revistas fecham com dois meses de antecedência, enquanto os sites têm dinamismo. Uma revista fica velha rapidamente, e no site a notícia está ali, na hora". Bruno Gouveia, vocalista do Biquini Cavadão, compartilha a mesma idéia. "Acho que os sites de música estão fazendo um trabalho maravilhoso, principalmente por englobar sem preconceitos ou comprometimentos todos os estilos musicais. Eu na verdade parei de ler revistas há muito tempo, porque acho que a preocupação com o texto não existe mais. Este foco na informação é uma característica dos sites".

As opiniões são divergentes. Procurados pelo Cliquemusic, músicos e jornalistas das principais capitais brasileiras se mostram divididos e apontam as principais vantagens e desvantagens dos sites sobre as publicações em papel. A maioria concorda com Tom e Bruno e aponta a agilidade como o grande atrativo desta nova mídia. Surgiram ainda teorias sobre as dificuldades em se manter uma revista no Brasil. Questões como a falta de interesse do jovem pela leitura e a instabilidade econômica do país foram levantadas. "Essa idéia de que o jovem não lê é muito relativa. Será que ele não lê porque não há o que ler? Ou seria o contrário?", pergunta Dinho Ouro-Preto, vocalista do Capital Inicial.

Sem resposta, Samuel Rosa, do Skank, prefere levantar outro ponto: "Sem falar na questão econômica que é muito complicada para ser analisada por mim, acho que houve uma expansão grande no mercado, que sem dúvida atrapalhou o crescimento das revistas especializadas", analisa. "Hoje há as revistas de rádios, jornais de gravadora e coisas similares, o que acabou segmentando demais o mercado em favor de interesses específicos. Eu na verdade sinto falta de uma referência, uma espécie de bíblia para artistas e jornalistas, como a Bizz foi durante muito tempo. Essa movimentação dos sites é bacana, porque pelo menos não deixa as pessoas totalmente orfãs". Segundo Samuel, o caminho para o futuro é o desenvolvimento desta nova mídia. "Não sei se uma coisa (a Internet) pode substituir a outra (a imprensa) em termos de qualidade e de conteúdo, mas é o que vai acontecer. (A Internet) é mais viável, menos agressiva ao meio-ambiente e tem muito mais agilidade".

André Forastieri, que no início da década de 90 foi responsável pelas revistas General e Som, editou a Bizz e foi um dos idealizadores do caderno Folhateen, da Folha de São Paulo, diz que os problemas para se manter uma publicação no Brasil podem ser divididos em duas partes: "Em primeiro lugar estão os problemas gerais, de qualquer um que abra uma empresa no país, seja padaria, locadora ou editora - burocracia, falta de crédito e capital de giro, impostos altos e leis burras". Em segundo lugar o jornalista e atual dono da Conrad Editora aponta os problemas específicos. "Neste caso temos o conservadorismo dos anunciantes, a hipercompetição nos pontos de venda, un sistema de distribuição que privilegia as grandes tiragens, ausência de canais segmentados de distribuição... a lista vai longe", explica.

Além de não precisarem driblar estas dificuldades, os sites têm ainda a vantagem da tecnologia sobre as revistas, garantindo agilidade, imediatismo e recursos que permitem que o leitor, por exemplo, possa ter acesso à música sobre a qual está lendo na mesma hora. "Acho que as revistas de música em papel experimentaram sucessivas derrocadas nos primeiros meses deste novo século", conclui o jornalista paulistano Luís Antonio Giron. "Revistas como a Showbizz e a Jovem Pan parecem não mais preencher as expectativas do público. Os cadernos culturais dos jornais tampouco praticam um jornalismo musical ágil. Apesar da era do pontocom estar sendo enterrada pelos especialistas, a área musical tem muito a crescer na Internet". Giron aponta os recursos de MP3, players para áudio e vídeo online e os recursos audiovisuais como atrativos complementares mas decisivos para a expansão da nova mídia.

Outra questão levantada foi a do conteúdo. Segundo Dinho Ouro-Preto, a crítica especializada contribui bastante para o fracasso das revistas nacionais. "Para falar a verdade, não entendo qual é o problema, o por que das revistas não conseguirem se manter. Acho que a culpa pode ser atribuida um pouco aos jornalistas mesmo. Existe uma idéia na cabeça de boa parte da crítica de que eles podem ser capazes de destruir um artista ou um disco em particular", opina Dinho. "Não concordo com isso e com certeza, o público também não. Essa crítica de opiniões próprias, que está interessada em ser a estrela da matéria, acaba destruindo os próprios veículos porque o público não quer mais ler este tipo de coisa. Talvez essa seja uma diferença dos sites. Há mais conte£do, mais informação nos sites e a agilidade dessa nova mídia talvez não abra espaço para a auto-promoção. Acho que o retorno quase imediato do leitor inibe um pouco essa crítica rancorosa e mal-humorada".

Mas Dinho faz questão de deixar claro que não tem nenhum problema pessoal com a crítica. "Não estou querendo dizer que os críticos não têm o direito de falar que não gostam de um determinado trabalho. Não é o fato de um disco do Capital ser malhado, por exemplo, que me incomoda. O que é chato é essa falta de informação de quem escreve. Às vezes tenho a impressão de que as pessoas que escrevem sobre música não têm o mínimo de conhecimento sobre o que falam e nem a menor empatia com o público", diz.

O acesso à informação através da Internet é uma questão que segundo a maioria dos entrevistados ainda impede um maior desenvolvimento do meio. "Acredito que a curto prazo este é o principal empecilho para que os sites ocupem o lugar deixado pelas revistas", diz Marcos Filipe, editor do site Dgolpe.com. "A quantidade de pessoas que tem acesso à Internet é muito pequena. Infelizmente o brasileiro não tem o hábito de ler. Também por isso as revistas de música no Brasil precisam ser segmentadas, como é o caso da Rock Brigade (especializada em rock pesado). Isso não aconteceu com a Bizz, que queria abranger uma fatia muito grande da música pop".

Edgard Scandurra, guitarrista do Ira!, também aposta na diversidade como grande vantagem dos sites sobre as publicações de papel. "Há  espaço para todos os estilos, sem preconceitos. O problema é que, apesar do crescimento da Internet e das facilidades que hoje são oferecidas para se comprar um computador, muita gente ainda está de fora dessa nova mídia. Por isso, apesar de acreditar ser o caminho natural na evolução da informação, acho que esta eventual substituição só acontecerá a longo prazo".

A nostalgia da geração que era adolescente ou começaava a ver suas bandas despontarem na época em que revistas como a Somtrês ou a Pipoca Moderna estavam no auge aparece como um ponto contra os sites. "Quando eu era adolescente, em Brasília, adorava decorar o quarto com fotos de artistas que eu gostava. Parece bobagem, mas é uma coisa que faz parte da juventude de muita gente e faz falta. Com os sites você não tem essa opção de recortar e guardar os artigos. Acho que isso também acabava desenvolvendo nosso gosto pela leitura e pela informação. Hoje é tudo muito na mão também", rememora Dinho. Scandurra concorda: "É legal poder manusear uma revista. Ler na tela do computador não é a mesma coisa e por mais que isso possa parecer alguma coisa nostálgica da minha geração, uma besteira, tenho certeza de que muita gente vai continuar preferindo sempre o papel".

Uma novidade que anima um pouco o consumidor de notícias sobre música é a possibilidade de uma edição brasileira da revista Rolling Stone, uma das mais importantes dos Estados Unidos, que há mais de dois anos vem sendo negociada e que finalmente pode estar nas bancas daqui em meados do ano que vem. "A Conrad Editora negociou durante um ano com a Warner Media, editora americana da RS", conta André Forastieri, dono da Conrad. "No fechamento do acordo, fomos informados de que ele deveria incluir uma parceria com a editora da versão argentina da Rolling Stone". Segundo Forastieri, depois de mais um ano negociando com os argentinos, a Conrad se retirou do negócio. "A coisa agora está parada. A situação na Argentina está muito pior que a nossa e acho difícil haver alguma mudança pelo menos até março. O negócio está nas mãos de uma editora pequena aqui de São Paulo", diz Forastieri.