Isso é Zizi Possi, isso é muito natural

Eclético disco de bossa nova da cantora tem inédita de Herbert Vianna, Beatles, boleros - e até Tom Jobim

Marco Antonio Barbosa
28/09/2001
Virtudes e pecados já foram, e ainda são, cometidos em nome da bossa nova. De um lado, há o pavor de se contrariar os cânones do estilo, o que rende uma profusão de irrelevantes clones da estética banquinho-e-violão. De outro, há a síndrome batendo na mesma tecla que parece limitar os projetos ligados à bossa à mesma meia-dúzia de canções muito batidas. Entre a cruz e a caldeirinha, Zizi Possi - que acaba de lançar, via Universal Music, um CD chamado justamente Bossa ouvir 30s - optou por ser ela mesma. Pouco do que se tradicionalmente associa à bossa nova subsiste no álbum, que nasceu de uma "cantada" e terminou em um eclético conjunto de canções e referências. Fiéis não a um estilo, e sim à sua autora, Zizi.

"Eu só poderia fazer um disco como este se fosse capaz de passar a minha visão da bossa. Porque se fosse para fazer um álbum de bossa nova tradicional, eu me sentiria incapacitada - e além disso já tem tanta gente habilitada a fazer melhor...", explica Zizi sobre seu álbum de não-bossa. Afável mas sucinta ao responder (a cantora encomendou uma longa entrevista conduzida por Nelson Motta para acompanhar o CD, certamente para não se repetir ad infinitum na maratona de divulgação), a cantora relembra: "O Marcello Castelo Branco (presidente da Universal) vinha me cantando para fazer um disco de bossa nova desde 1998. Quando ele sugeriu, eu estava em plena fase italiana (a época dos discos Per Amore, de 1997, e Passione, de 98). Geralmente parto para os meus projetos a partir de conceitos meus, idéias próprias. Mas se a proposta alheia for boa, como era a do Marcello, por que não? Aí, resolvi fazer não um disco de bossa nova, e sim um trabalho que mostrasse a célula da bossa nova que se encontra, não explícita, dentro de minha musicalidade."

Traduzindo: Zizi acabou parando nas mãos com um disco de bossa que tem Cazuza (Preciso Dizer Que Te Amo, em duas versões), Beatles (Yesterday), boleros (Sabras que Te Quiero, Yo Tengo un Pecado Nuevo), Djavan (Capim), Madredeus (Haja o que Houver)... e até bossa nova mesmo (Caminhos Cruzados, de Tom Jobim e Newton Mendonça). Além de uma canção inédita de Herbert Vianna, Eu Só Sei Amar Assim. "A escolha do repertório veio de um mergulho em meu universo musical interno. A bossa nova estava dentro de mim, de tudo o que eu fiz, o que aconteceu é que agora eu focalizei melhor isso", diz Zizi.

Eu Só Sei Amar Assim veio mais uma vez das mãos de Marcello Castelo Branco, amigo de Herbert e que ofertou a canção a Zizi quando as gravações estavam quase encerradas. "A música tem tudo a ver com o clima do disco - afinal, é um álbum que fala de amor. Além de ser uma canção muito bonita", fala a cantora, que já gravou Meu Erro e Um Beijo Meu do líder dos Paralamas. As outras músicas foram encaixadas na bossa particular de Zizi. "Ouvia, por exemplo, Yesterday e ficava brincando com a música, esticando-a em direção à bossa nova. Também isso se deu com os boleros... e foi até fácil transformá-los em bossa", fala a cantora. O disco também traz um belo dueto entre mãe e filha. Luiza, filha de Zizi, canta em Haja o Que Houver. "Bem, ela é minha filha... o que mais dizer além disso?", fala Zizi. "É uma artista nova, está construíndo sua carreira agora e eu quero ajudar nisso. Mas descontando este lado, ela canta superbonito, fez uma interpretação muito emocionada."

Todo este ecletismo, a cantora garante, teve como fio condutor sua própria visão autoral. "Eu não componho, mas me considero uma autora. Sou a figura central de meu trabalho; o conceito é meu, eu defino os arranjos, sou a diretora musical de mim mesma", diz Zizi, que produziu o álbum. Concebido basicamente em parceria com o pianista Jether Garotti e o violonista Camilo Carrara, durante uma temporada na casa da cantora em Ibiúna, Bossa foi gravado no Rio e em São Paulo - com uma providencial passagem por Londres, onde os arranjos de cordas foram registrados. "Acompanho todas as etapas do processo, inclusive as partes mais técnicas, as mixagens, os ajustes sonoros. Só preciso ter um técnico de som que, além de competente, tenha a sensibilidade exata para entender a minha música. Conseguindo isso, passo do arranjo orquestral para a coisa mais minimal sem problemas", afirma a cantora.

O produtor (e hitmaker) Dudu Marote marca presença no álbum, co-produzindo com Zizi a versão de Preciso Dizer que Te Amo que fecha o disco. A primeira gravação foi produzida só por Zizi, e vai mais no clima cool e acústico que permeia o álbum. A segunda versão ganhou batidas programadas e samplers operados por Dudu, valorizando o groove. "Fizemos a primeira versão, o Max Pierre (diretor artístico da Universal) ouviu e sugeriu que o Dudu desse uma mexida na música. Não conhecia o trabalho dele a fundo e fui ouvir algumas coisas que ele produziu - Pato Fu, Skank - e topei", diz a cantora. "Batemos uma bola, eu e o Dudu, e a versão que ele preparou ficou bem interessante. Mas na hora de decidir qual entraria no disco, houve a maior dúvida. Acabamos colocando as duas, uma abrindo e outra fechando o disco. Achei isso muito pertinente."

Indagada sobre sua predileção por projetos de conceito fechado - como, por exemplo, os álbuns em italiano - Zizi Possi reflete: "Sou uma artista, uma criadora. Todas essas facetas e idéias fazem parte do meu universo interno. Não me vejo como uma atriz que 'incorpora' um personagem - tipo 'ah, agora serei uma cantora de música italiana' ou 'agora vou cantar bossa nova'. Sou sempre a mesma. Cantar em italiano, espanhol ou inglês, para mim não faz diferença; música é música, fronteira é fronteira." E, como que reafirmando sua independência e autosuficiência criativa, Zizi explica a citação de Fernando Pessoa ("Não tenho ambições nem desejos. Ser poeta não é uma ambição minha. É a minha maneira de estar sozinho") incluída no encarte do álbum: "Essa frase me resume como artista. Cantar é a minha maneira de falar com Deus. De estar sozinha."