Itaú Cultural faz novo mapeamento da MPB

Ao analisar os 1.712 trabalhos inscritos em seu projeto de incentivo à produção musical, curadores surpreenderam-se ao descobrir a qualidade que passou ao largo do Festival da Globo

Carlos Calado
14/11/2000
Uma notícia animadora para aqueles que, influenciados pelo insólito Festival da Música Brasileira da Rede Globo, chegaram a acreditar que a produção musical no Brasil estaria vivendo uma crise profunda de criação. Mais de trinta conceituados músicos, pesquisadores e jornalistas de diversos estados do país, que compõem o corpo de curadores do programa de mapeamento da música brasileira patrocinado pelo Itaú Cultural, chegaram a uma conclusão radicalmente diversa da veiculada pelo decepcionante festival. Segundo esses curadores, o nível musical verificado em boa parte dos 1.712 trabalhos inscritos no projeto foi tão surpreendente que, em vez de selecionar 50 músicos ou bandas, eles se sentiram obrigados a ampliar esse número para 78.

"Ficamos chocados com a qualidade do que ouvimos. O Brasil vive hoje uma fase muito rica em termos de uma produção musical que se divorciou da grande mídia e da grande indústria. Esses artistas estão procurando caminhos alternativos para veicular sua produção", afirmou o pianista e produtor paulista Benjamim Taubkin, coordenador nacional do Rumos Itaú Cultural Música, durante coletiva de imprensa realizada ontem, em São Paulo, para anunciar os selecionados. Os trabalhos desses 78 músicos ou grupos serão gravados em CDs organizados por região, além de integrarem um programa de rádio a ser veiculado por diversas emissoras do país. Um artista de cada região será escolhido também para participar de um painel nacional de tendências, que resultará em um show previsto para março do próximo ano, em São Paulo.

"Esta não é a noite de gala de um festival que vai revelar seus premiados", ironizou Hermano Vianna, um dos três curadores nacionais, reforçando a idéia de que o projeto não deve ser encarado como um concurso. Buscou-se mapear a música do país, identificando suas tendências e vertentes regionais, através de diversos gêneros e estilos, que vão do popular ao erudito, do vocal ao instrumental. Segundo o antropólogo e pesquisador carioca, a própria visão que possuía até então – baseada em seu recente projeto Música do Brasil, outra ambiciosa tentativa de mapear a produção musical do país, que resultou em uma série de programas de TV e uma caixa de CDs – foi profundamente alterada pelo que ouviu nesse novo mapeamento. "Percebi que conhecia muito pouco", reconheceu, revelando que os envolvidos no projeto pretendem criar uma associação para veicular melhor as informações musicais obtidas durante o exaustivo processo de seleção.

Taubkin credita o sucesso do projeto em atrair trabalhos de alta qualidade ao fato de a maioria dos curadores do projeto ser formada por músicos de todas as regiões do país, o que teria afastado a desconfiança de favorecimento ao inscritos originários do eixo São Paulo-Rio. "Dos 146 artistas do Rio Grande do Sul que se inscreveram neste projeto, nenhum tinha enviado canções para o festival da Globo", revelou o músico, jornalista e curador regional Arthur de Faria, reforçando a tese de seu colega paulista. "Aquele não era o retrato da música brasileira. As pessoas hoje estão cada vez mais preocupadas com qualidade", continuou Taubkin, observando que o drama da música no Terceiro Mundo é confundir a indústria do entretenimento com o mercado cultural: "No Brasil, elege-se a grande mídia como o único meio onde pode haver vida cultural. Muitos artistas que sumiram da grande mídia desistiram dela por vontade própria."

Velhas e novas caras
Entre os 78 selecionados para integrar a série de CDs aparecem alguns artistas já um pouco conhecidos fora de suas regiões, como o compositor e cantor mineiro Vander Lee, o músico e ator gaúcho Hique Gomez (da dupla Tangos e Tragédias), a compositora e cantora carioca Suely Mesquita, o músico mato-grossense Jerry Espíndola, o pernambucano DJ Dolores ou os instrumentistas cariocas Silvério Pontes e Zé da Velha. Mas quem teve a chance de ouvir, durante a coletiva, trechos de trabalhos como o do compositor gaúcho Luciano Zanatta, que tenta aproximar a música pop da vanguarda do século XX, ou ainda do guitarrista Pio Lobato, que desenvolve experimentações a partir das populares guitarradas de Belém do Pará, já pôde sentir o grau de novidade e qualidade trazido por esse estimulante mapeamento. "Ouvindo a música de cada estado ou região, você percebe maneiras diferentes de se pensar o que é pop, o que é MPB, o que é canção", concluiu o músico pernambucano Siba (do grupo Mestre Ambrósio), curador da região Nordeste.

De início, os mil CDs produzidos pelo Itaú Cultural no próximo ano serão doados a rádios, escolas, bibliotecas, pesquisadores e à imprensa especializada. Posteriormente, a instituição pretende estabelecer parcerias com gravadoras independentes, para distribuir os discos em cada região. A idéia é que essas gravadoras distribuam também os CDs das outras regiões em seus estados. Segundo Taubkin, o projeto continua com a realização de seminários sobre produção e educação musical a partir de março de 2001. Outro plano dos curadores é, assim que obtiverem as autorizações dos artistas, disponibilizar músicas de todos os selecionados na Internet. Os nomes dos 78 finalistas já estão disponíveis no site do Itaú Cultural: www.itaucultural.org.br.