Ivan Lins investe em CD renovador

Comemorando 30 anos de carreira, cantor grava disco de canções inéditas assinadas com diversos parceiros, prepara show recheado de surpresas para o final do mês e é homenageado em Nova York, no Carnegie Hall, em outubro

Rodrigo Faour
05/09/2000
Risonho, jovial e cheio de gás. É esse o perfil de Ivan Lins, o compositor de 55 anos que chega aos 30 anos de carreira com uma compulsão de compor incomum aos músicos veteranos. Se pudesse, confessa, ele ficaria numa cidadezinha do interior fazendo música. Acontece que os compromissos estão cada vez maiores. Só este mês, ele está lançando seu novo CD, A Cor do Pôr-do-Sol, o segundo após seu desligamento da Velas, e primeiro após o estouro de 250 mil cópias do anterior Um Novo Tempo, apenas com canções natalinas. No próximo dia 21, ele estréia seu novo show em Belo Horizonte, para depois chegar ao Rio de Janeiro, dia 27. Fora isso, será homenageado no evento A Love Affair – The Music of Ivan Lins que acontece no Carnegie Hall dia 25 de outubro, coincidindo com o lançamento do CD homônimo que reúne homenagens a ele prestadas por grandes astros da música internacional.

Há mudanças significativas no novo disco de Ivan Lins. Em primeiro lugar, basta dar uma olhada na lista dos autores. Cuidate Más e Eu Sabia são as únicas assinadas em dupla com seu tradicional parceiro, Vitor Martins. Nas outras, ele reveza parceiros como Celso Viáfora, Totonho Villeroy, Aldir Blanc e até Caetano Veloso, que musicou Dois Córregos (tema do filme homônimo de Carlos Reichenbach, no qual Ivan assina a trilha). Caetano, por sinal, é homenageado na faixa Vamos Indo, cujo verso "E uma canção de Caetano/ Encantando nosso amor" foi enviado para Aldir Blanc junto com a canção para que este concluísse a letra. "Quando enviei ao Aldir nem sabia que eles tiveram uma rixa, um bate-boca ou algo assim no passado. E o Aldir ficou na dele, foi muito elegante e manteve o verso. Achei um gesto muito elegante dele", elogia.

Na verdade, Caetano é uma inspiração muito grande para Ivan compor. Tanto assim que as poucas vezes que ele regravou músicas de outros autores em seus discos, estas foram do baiano (caso de Avarandado, Desde que o Samba é Samba e no atual CD, Lua de São Jorge). Ele conta que o primeiro LP de Caetano – Domingo, de 1967, dividido com Gal Costa – foi muito marcante em sua carreira. Deste álbum, ele pretende regravar a canção Um Dia para a versão em CD do songbook de Caetano que o produtor Almir Chediak está preparando. Ainda sobre o compositor baiano, Ivan disse que fez a melodia da faixa-título de seu CD depois de ouvir a canção Giulietta Masina, do LP Caetano (1987). "Mandei a fita da música para o Celso Viáfora e dei o título provisório de Caetânica. E ele sem saber que tinha me inspirado na Giulieta abriu o poema escrevendo ‘É Fellini’! Eu nem acreditei na coincidência. Não é incrível?", espanta-se.

Cuba & high tech
Ivan explica que não tem mais composto com tanta freqüência com Vitor Martins porque esse anda muito ocupado com a gravadora Velas. Mas sua relação de amizade com ele é tão grande que as faixas de abertura de seus dois últimos discos – Feliz Navidad e Cuidate Más – têm a ver com a influência "cubana" do amigo. "O Vitor me introduziu a Cuba. Ele teve a oportunidade de entrar em contato com produtores cubanos e acabou representando o selo Egrem no Brasil, muito antes desse estouro do Buena Vista Social Club. Há quatro anos, ele disse que tínhamos que ir para Cuba e realmente fomos. Gravei até um disco com o Irakere e o Chucho Valdez", conta o autor de Nicarágua e Ai Ai Ai Ai Ai, compostas muito antes de ele ir à Cuba.

Além disso, se apresentou no começo deste ano ao lado do pianista cubano Gonzalo Rubalcaba num show que contou também com o amigo João Bosco. A apresentação foi gravada e pode até virar disco, mas não agora. "Eu e o João acabamos de lançar nossos novos discos, além disso somos de gravadoras diferentes. Vai ser complicado lançar esse show em disco agora, mas a gravação ficou muito boa", antecipa.

Outra novidade na carreira de Ivan Lins é que ele começou a experimentar novas tecnologias musicais, como samplers e programações. "Gosto de misturar o eletrônico com o acústico. O resultado é muito interessante. No meu disco de Natal já tinha isso. Numa congada, lá pelas tantas usei um loop com sons de latas. Nesse disco, trabalhei com o Márcio Lomiranda. Talvez no Brasil ele seja o cara que melhor faça uso dessas novas técnicas. Fiquei muito impressionado com a rapidez e a qualidade dessas novas tecnologias de edição digital", conta Ivan, que sampleou um pedacinho do repique de abertura de um disco de Sérgio Mendes e uniu esse som ao de um bongô tocado pelo Chiquito Braga. "Que maravilha que ficou!", vibra.

Os novos shows
Por ora, Ivan dá um tempo nas gravações e prepara-se para começar a temporada de shows de A Cor do Pôr do Sol. Depois da estréia em Belo Horizonte, ele desembarca no Rio (onde se apresenta no Canecão a partir do dia 27) e depois segue com o espetáculo pelo país. Ele logo avisa que as maravilhas tecnológicas que vem descobrindo nos estúdios não poderão ser totalmente reproduzidas no palco a não ser num MD (minidisc) onde jogará pequenos trechos de percussão pré-gravados. "No show, vou ter que fazer versões mais minimalistas, puxando mais pelas letras", diz. Ele promete cantar pelo menos 11 das 15 faixas neste show. Como a maioria é inédita, ele as intercalará com alguns de seus grandes hits, como Bilhete. "Os sucessos aparecem para pontuar o show", resume.

O show vai abrir com Encontro dos Rios – tema instrumental que compôs para o filme Dois Córregos –, na qual pretende utilizar imagens do próprio filme no telão. Depois, encadeia com A Cor do Pôr-do-Sol, com direito a uma introdução baseada nas trilhas de Nino Rota – que musicava os filmes de Fellini. "Vamos colocar um crescente orquestral que, quando acaba, digo à capella: ‘É Fellini!’ Se tudo funcionar, vai ser demais!", diz, às gargalhadas. Ao final, ele também promete surpresas. O show acaba num grande pagodão, puxado ao final do funk/rap Ladrão, que acaba em samba. "Aí libero o meu lado tijucano. Vai ser tipo show de Zeca Pagodinho. Canto os sambas do disco e mais Onde Está a Honestidade, do Noel Rosa e o Desesperar, Jamais. E quando todo mundo pensar que o show acaba, canto Meu País e Voa, como um epílogo e deixo uma mensagem no ar".

Em meio à turnê do novo disco, ele dá um break no dia 25 de outubro e apresenta-se pela terceira vez no mítico Carnegie Hall, que será palco de um tributo ao cantor, com as presenças de Chaka Khan, Vanessa Williams, Brenda Russel, New York Voices, entre outros, além dos nossos Ed Motta e Leila Pinheiro. O CD que originou o show será lançado no Brasil pela Abril Music e traz ainda nomes como Sting, Diane Reeves, Freddy Cole e do falecido Groover Washington Jr. O que Ivan acha disso tudo? Modesto, ele ajeita os óculos e diz apenas: "É muito significativo". E como!