Ivan Lins passado a limpo

Cantor, que estréia quinta-feira em Belo Horizonte a turnê de seu novo CD, A Cor do Pôr-do-Sol, revela em entrevista a CliqueMusic detalhes inéditos dos seus 30 anos de carreira e fala sobre o tributo que receberá mês que vem no Carnegie Hall, em Nova York

Rodrigo Faour, Silvio Essinger e Tárik de Souza
18/09/2000
Em meio ao trabalho de divulgação do seu mais recente CD, A Cor do Pôr-do-Sol, Ivan Lins recebeu a equipe de CliqueMusic – Tárik de Souza, Rodrigo Faour e Silvio Essinger – para uma entrevista na sucursal carioca da gravadora Abril Music. Em longo e descontraído papo, ele fez um retrospecto de seus 30 anos de carreira, contando diversas histórias curiosas – muitas delas sobre os rumos de sua música nos Estados Unidos. Do primeiro e tenebroso contrato que o produtor Quincy Jones queria que ele e seu parceiro Vitor Martins assinassem e das versões horrorosas que suas canções receberam por lá, ao projeto que Miles Davis tinha antes de morrer de gravar um CD só com músicas suas e à homenagem que receberá de grandes cantores americanos em forma de disco e show no Carnegie Hall, dia 25 de outubro. Ivan fala também do recorde de vendagem no Brasil com seu CD natalino do ano passado, de seus novos parceiros, como Celso Viáfora e Totonho Villeroy e de seu próximo disco – apenas musicando poemas assinados por mulheres.

CliqueMusic – Como vai ser esse show no Carnegie Hall, em Nova York? Como você se sente?
Ivan Lins
– O show vai ser no dia 25 de outubro. Chama-se A Love Affair – The Music of Ivan Lins. É algo significativo. Essa é a terceira vez que me apresento lá. A primeira vez foi como convidado do David Grusin, com quem cantei duas músicas. Depois, voltei há dois anos, num show promovido pelo César Camargo Mariano, em homenagem ao Tom Jobim. Aliás, nesse show, houve uma passagem engraçadíssima. Eu ia cantar Vivo Sonhando com Al Jarreau. E ele ia entrar cantando em português, e ensaiamos exaustivamente porque ele estava meio inseguro. Na hora H ele desapareceu. E ele ia entrar na hora em que a letra diz "Você não vindo, não vindo..." e como ele não veio, ataquei a letra imitando ele, com aquele sotaque carregado cantando em português. Neguinho começou a rir, e de repente ele apareceu e me viu o imitando. Aí, tentou me imitar também e foi muito engraçado. Fizemos scating vocal, batucada de boca, de peito e a platéia veio abaixo.

CliqueMusic – O Quincy Jones ainda cuida do seu repertório lá fora?
Ivan Lins
– Não, o Quincy hoje não cuida mais. Ele administra umas dez canções que foram as dez primeiras que ele colocou no mercado americano.

CliqueMusic – É verdade que você vendeu os direitos de Velas Içadas para ele?
Ivan Lins
– Não vendi nada. O que aconteceu é que o primeiro contrato que ele mandou para a gente foi estarrecedor. Era uma coisa bárbara e aí a gente saiu brigando com ele. O Vitor perdeu a compostura quando viu o contrato. Ficou p.! Ligou para a casa do Quincy para esculhambar. E o Vitor não falava inglês. Ele dizia aos berros: "Quincy não vou assinar essa p...!" (risos) Aí, ele chamou o Paulinho Albuquerque, colocou ele na extensão e pediu: "Diz a ele que aquele advogado dele é filho da p... que eu não vou assinar mais p... nenhuma!!!" (gargalhadas)

CliqueMusic – Qual foi a origem desse projeto do Carneggie Hall?
Ivan Lins
– Foi idéia do produtor Jason Miles. Ele foi um dos tecladistas do Miles Davis e trabalhou como programador com o (baixista) Marcus Miller. E conheceu a minha música, por incrível que pareça, através do Miles Davis. Alguém que não sei quem foi deu meus CDs para o Miles. O (produtor) Tommy Li Puma me localizou e disse que ele queria gravar um disco inteiro com músicas minhas. Foi uma conversa louca porque o Miles me ligou com aquela voz cavernosa e pedi para um amigo ficar na extensão para o caso de eu não entender o que ele falava. Ele dizia que minha música era ótima, mas que as minhas gravações tinham nota pra c... (risos). Essa conversa foi quatro meses antes dele morrer. Quem ia produzir ia ser o Marcus Miller, que depois passou para o Quincy. Um dos caras que iam trabalhar com ele era justamente o Jason. Porque o Miles adorava o Jason. Então, através do Miles ele conheceu muito mais da minha obra e ficou apaixonado pela minha música e me disse: "Vou fazer o que o Miles não conseguiu fazer". E realmente ele conseguiu vender o projeto para a gravadora Telarc. O Jason fez sozinho no peito e na raça. Ele é obcecado, ligava para os empresários de todos os cantores e enchia o saco. Coisa de fã mesmo.

CliqueMusic – Teve alguma gravação especial que impulsionou seu nome lá fora?
Ivan Lins
– Das minhas músicas, foram as gravações produzidas pelo Quincy. Foi o Dinorah, Dinorah, gravada pelo George Benson, que ganhou o Grammy em 81 como melhor arranjo jazz instrumental e o Velas Içadas, gravada pelo próprio Quincy, que ganhou no mesmo quesito no ano seguinte. É gozado porque o Velas Içadas aqui no Brasil só meus fãs é quem conhecem. E lá fora se eu não cantar me capam. É igual a Madalena aqui.

CliqueMusic – Você disse no ano passado numa entrevista que tinha vergonha da letra americana do Começar de Novo, gravada na ocasião por Barbra Streisand, e não cantava de jeito nenhum aquela letra em seus shows...
Ivan Lins
– Ela foi feita pela dupla Alan e Marylin Bergman que faz versões para as músicas do Michel Legrand. É uma letra hollywoodiana que não tem nada a ver com a original. Tem uma facção que detesta e outra que adora as letras que fazem para minhas músicas. O Quincy Jones, por exemplo, é um que adora. Mas no ano passado mesmo, estava discutindo com os americanos sobre esse assunto. O auge da letra americana são aquelas de Cole Porter que vão até os anos 50 e começo dos anos 60. Depois elas começaram a descambar para o pragmático, o comercial, com exceção das do pessoal do rock, que chutava o pau da barraca. Mas na música pop americana, as grandes letras acabaram com o fim dos musicais para cinema... E hoje eles consideram aquele tipo de letra cafona. Eles acham que desenvolver, brincar com o idioma é "muito Cole Porter", quer dizer, algo ultrapassado. Eles têm respeito pelo Cole Porter, mas hoje jamais colocariam uma letra daquelas.

CliqueMusic – Que outras músicas você também não gosta da versão americana?
Ivan Lins
Doce Presença. A letra é Sweet Presence de doer (risos). É uma catástrofe. É o suprassumo da cafonice. Parece fantasia do Clovis Bornay. Parece a descrição, tipo: "Agora, Clovis Bornay com sua fantasia Delírios de Amor..." (risos)

CliqueMusic – Love Dance é um de seus maiores sucessos fora do Brasil...
Ivan Lins –
Essa música é uma das que mais gosto. E Gilson (Peranzzetta) só soube que era meu parceiro mais tarde. Porque para essa música eu peguei as introduções que ele fazia para as minhas músicas e fiz uma nova. Tanto que o título provisório dela era Introductions. O Gilson é um p. compositor. As mais bonitas introduções que já ouvi para minhas músicas. Peguei as introduções e fui costurando com algumas coisas que eu fui inventando. Tanto que a segunda parte tem a ver com a do Somos Todos Iguais Nesta Noite. E a música é talvez a que mais adoraram nos Estados Unidos.

CliqueMusic – Em seu disco novo, A Cor do Pôr-do-Sol, há uma música política, Ladrão, que você emenda com uma versão de Formigueiro em rap. Tem que ter sempre uma música assim em seus discos?
Ivan Lins
– Tem que ter, eu não consigo não colocar. Fico nervoso. Tenho que dar uma p.! No disco do Noel Rosa consegui dar... até no meu disco de Natal consegui bater! (risos)

CliqueMusic – Esse disco de Natal (Um Novo Tempo) foi seu CD que mais vendeu, não é? A que você atribui o sucesso desse disco?
Ivan Lins –
É meu recorde. Consegui ganhar o primeiro disco de platina na carreira (250 mil cópias vendidas). Atribuo o sucesso à originalidade dele. Ele é totalmente diferente dos outros. Foi um disco em que puxei o Natal para o Brasil, para a cultura brasileira. Induzi compositores brasileiros a compor para o Natal, dentro de suas linhas, ligados às tradições brasileiras e não às tradições de lá de fora. E mesmo as manjadas, tipo Jingle Bells, que foi também uma forma de não assustar o consumidor – porque antes de comprar, o cara lê atrás as músicas que tem (risos) – eu gravei de forma diferente. O Jingle Bells eu gravei em xote. Dei um tratamento brasileiro a três ou quatro standards de Natal. A única americana foi o Jingle Bells, as outras são européias, litúrgicas. Porque o verdadeiro natal brasileiro vem da Europa e não dos EUA. No interior do Brasil são celebrados por folias, catiras, as pessoas batem de porta em porta. E nesse disco fiz a parceria com Celso Viáfora que fez a música-síntese do meu disco, o Papai Noel de Camiseta, que para mim é uma das músicas mais lindas dos últimos dez anos na MPB. Vi que, querendo ele ou não, ia ter que ser meu parceiro dali para frente.

CliqueMusic – Em seu novo disco, você inaugurou uma parceria com o Totonho Villeroy justamente na faixa Ladrão...
Ivan Lins –
Eu o conhecei no Sul e nem sabia que ele era gaúcho. Eu fiquei muito bem impressionado com as letras que ele fez para a Ana Carolina (ele é o autor do sucesso Garganta). A gente se falou pelo telefone e dei o título de Ladrão para ele fazer uma letra sobre a roubalheira atual do país. Uma semana depois ele veio com a letra pronta e foi me mostrar em Teresópolis, na minha casa.

CliqueMusic – Você transformou o Formigueiro em rap na mesma faixa. Foi a primeira vez que cantou um rap?
Ivan Lins –
Não. Cantei rap pela primeira vez há dois anos num show nos Estados Unidos. Cantei o Deixa Isso Pra Lá (sucesso de Jair Rodrigues na década de 60), com uma continuação da letra feita pelo Aldir Blanc que falava que a gente já fazia rap muito antes do americano. Eu brincava, dizendo: "Vocês vêm na nossa terra e roubam tudo" (risos). Os brasileiros da platéia adoraram e os americanos ficaram sem entender nada (risos).

CliqueMusic – Você compôs a canção Voa em parceria com a poeta Lêda Selma. Como surgiu essa parceria?
Ivan Lins –
Essa música era para entrar num outro projeto meu que já está pronto. Eu resolvi musicar poesias de poetas femininas contemporâneas, vivas. Um dia fui ao Centro do Rio e entrei numa livraria e comprei um monte de livros, de Olga Savary, Lia Luft, Elisa Lucinda, Neide Archanjo e também da Lêda Selma, que é goiana. Na verdade, o cantor português Paulo de Carvalho fez um projeto assim há um ano e me chamou para produzir. Daí, pedi a ele uma autorização para fazer também a mesma coisa aqui no Brasil. Só que além de musicar poemas que já existiam, eu liguei para todas as nossas letristas – Adriana Calcanhotto, Zélia Duncan, Dona Ivone Lara, Fátima Guedes, Ana Terra e outras. Ao todo eram 20 canções. Mas agora o disco vai ter 19 porque uma era essa Voa, que decidi incluir no disco.

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