Jane Duboc resgata seu primeiro disco solo

Languidez, de 1980, não tinha saído em CD até hoje; cantora relembra as gravações e o clima da época

Marco Antonio Barbosa e Mônica Loureiro
02/02/2004
As coisas eram diferentes para Jane Duboc no distante ano de 1980. A cantora ainda batalhava no circuito de casas noturnas cariocas, trabalhava em trilhas sonoras e gravações para a TV Globo e já havia estreado em disco - mas sempre como acompanhante. A vez de brilhar solo, com o primeiro LP, viria com o álbum Languidez, lançado há 23 anos pela pequena e hoje extinta gravadora Aycha. E agora, via Jam Music - selo pertencente à própria cantora - Languidez retorna às lojas, pela primeira vez em formato digital, num relançamento que coloca Jane às voltas com seu passado. "Esse projeto faz parte das comemorações dos 30 anos de minha carreira, que iniciei com meu álbum anterior, Sweet Lady Jane", fala a cantora em entrevista por telefone.

Jane relembra um pouco da fase que vivia quando gravou Languidez: "Antes do disco eu já gravava há tempos, cantando folclore, fazendo participações em trabalhos de outros artistas", diz, enumerando discos como Acalantos e Música Popular do Norte, compilações de música regional lançados pelo selo Marcus Pereira. "Em 1980 (o produtor) Raimundo Bittencourt me chamou para fazer o primeiro disco. Foi tudo feito num clima muito bom, tenho um carinho grande por aquela época e pelas pessoas que me cercavam então", completa Jane.

Ela se refere ao alentado time de acompanhantes e participações especiais incluído no disco. "O álbum é cheio de amigos de muito tempo", diz Jane, citando as inclusões de Djavan (em Para-raio, do próprio) e Oswaldo Montenegro (em Cachoeira, dele mesmo), além de uma verdadeira esquadra de feras como Sivuca (acordeom), Arthur Maia (baixo), Luis Avellar (piano), Helio Delmiro (guitarra) e Marcio Montarroyos (trompete). "Não só os músicos já conhecidos, mas a turma que tocou as cordas, os técnicos de som, todo mundo. Tudo e todos foram fabulosos, uma verdadeira orquestra. Os arranjos ficaram primorosos, chiques." Toninho Horta, Avellar, Waltel Blanco, Otavio Burnier e Alberto Arantes se encarregaram de assinar as orquestrações.

E o que, afinal, cantava Jane Duboc em 1980? A própria intérprete diz que o título do disco pode enganar um pouco o ouvinte. "Pode-se pensar que um disco só de músicas românticas, lentas. A própria música Languidez (de Irineia Maria / Sueli Correa) é um bolero, mas na verdade acabou entrando no repertório escolhida pelo (produtor) Raimundo Bittencourt", considera Jane. "Mas na época eu cantava mais blues, bossa, e isso se reflete no clima geral do disco." O ecletismo, ponto fundamental da carreira da cantora, também é um dado. "Sempre cantei de Hermeto Paschoal a rock progressivo, Jerry Adriani a Raul Seixas, cantei em teatros, bares de negros, caipiras... Eu sirvo à música, não a uso", define.

Salta aos olhos na lista de músicas Manoel, o Audaz (Fernando Brant/Toninho Horta), que acabou se tornando um dos grandes sucessos da carreira da cantora. "Vejo como os jovens adoram essa música, até hoje. Eu ouvia essa música quando era adolescente e tinha um jipe, me embrenhava pela Amazônia, era uma aventura!. Quando ouvi Manoel, pensei 'é o jipe!' Sempre quis gravá-la", diz Jane. A participação do co-autor Toninho Horta, fazendo os arranjos, foi "um sonho tornado realidade", segundo a cantora. O disco ainda traz momentos como Saudade (de Nato Gomes), defendida por Jane no festival MPB-80, da rede Globo de televisão, e o sucesso Que o Dia Amanheça (Edson / Teresinha).

Languidez teve uma história tortuosa até chegar afinal ao formato CD. Remixar e/ou remasterizar as gravações de 1980 estava fora de questão. "As fitas originais foram perdidas numa enchente nos anos 80", relembra Jane. A cantora detalha como a nova edição foi feita: "Pegamos um vinil da época, cedido pelo Pedro paulo, que é do meu fã-clube oficial - o disco estava em ótimas condições.. O som ficou muito bom, pois o técnico que gravou tudo na época foi quem coordenou a tranposição agora." No material de divulgação do CD, Jane é citada dizendo que "naquela época (1980) gravavamos os discos com verdadeiras orquestras. Nada era consertado depois". Ela explica sua afirmação: "Hoje vivemos num regime de urgência em todos os sentidos. E os estúdios refletem isso. Grava-se de qualquer jeito e depois fala-se: 'Tá bom assim, depois eu conserto..' Perde-se um pouco da onda sonora, da verdade. O vinil talvez captasse uma coisa mais humana."