João Bosco aposta num disco conceitual
Em Na Esquina, o cantor, compositor e violonista diz buscar o encontro do Brasil regionalista com o globalizado
Rodrigo Faour
04/08/2000
Hoje em dia, João Bosco é sinônimo de percussão – seja de samba, bolero ou que ritmo for – e de improvisos vocais. Essa salada vai ficando cada vez mais incrementada a cada ano que passa com as influências que o cantor vai acumulando em seu caldeirão. Mas, ao mesmo tempo que vai ficando mais saidinho pelo mundo afora, Bosco jamais se desgruda das raízes da música brasileira. Seu novo CD ganhou o nome de Na Esquina exatamente por ser a esquina um lugar indefinido, por não ser resultante de uma única via. Para ele, a cultura brasileira resulta justamente de um encontro de vias.
"Sou um compositor brasileiro em exercício, em movimento, na atividade. Esse disco esta aí para mostrar isso. É um disco que trabalha com três pontos: um deles é a brasilidade, o segundo é exatamente as referências, as influências que recebemos e o terceiro ponto é a diagonal: um lado erudito e um folclórico popular brasileiros que utilizo na minha música, nos arranjos", explica. Ele tenta exercitar em Na Esquina esse cruzamento de um Brasil regionalista com outro globalizado. "Precisamos ter a capacidade de reciclar a nossa música, mas num ponto de vista brasileiro".
Como se vê, o cantor curte um disco conceitual. E diz que sempre foi assim. "Quando eu e Aldir compúnhamos, tínhamos sempre temas. Foi assim no Galo de Briga, no Comissão de Frente... Tinha história, estética, conceito", relembra. Para auxiliá-lo em todo o trabalho de elaboração do disco, Bosco contou pela segunda vez com seu filho Francisco Bosco. Até mesmo as três versões que gravou leva a assinatura da dupla. Muitos questionam se seu filho é mesmo seu parceiro ideal atualmente. Bosco diz que sim.
"Estou fazendo com ele algo que estava esperando há um tempo para meu trabalho. Essa poética que Chico (Francisco) tem feito do As Mil e uma Aldeias (1997) para cá tem sido legal. Não sei do futuro. A palavra esquina é um lugar totalmente indefinido. Esquina é justamente isso, não tem um endereço. Não pertence a uma via nem a outra, surge do encontro de vias. Essa indefinição é instigante, nos deixa de frente para a interrogação", explica.
Reggae está entre as novidades
Uma das músicas que mais chamam a atenção da nova parceria de João e Francisco Bosco é o reggae Mama Palavra. Pela primeira vez, Bosco faz um reggae. "Não me lembro de ter trabalhado com esse braço africano, embora seja um tipo de música das mais bem-sucedidas, mas com uma levada muito constante. Por isso, talvez não tenha me enamorado tão rapidamente por ela. Acho que nesse disco, em função de algumas viagens, passei por uns reggaes e achei que era um bom momento de me exercitar neles", justifica. Ele ressalta, no entanto, a riqueza harmônica da faixa. "Tem uma primeira parte com algo do Gil Evans, e tem outra ligada a Villa-Lobos". Já sobre a letra do filho, Bosco diz que ela retrata muito bem o cotidiano da palavra em todos os seus aspectos: engraçados ou sofridos.
Bosco também assinou três versões com o filho de standards internacionais. Entre elas, a da cubana Siboney, de Ernesto Lecuona. Ele conta que é uma canção de caráter afetivo, pois ouvia muito na sua infância, em Ponte Nova (MG), no final dos anos 50, na voz da cantora ítalo-franco-alemã Caterina Valente. Acontece que ele perdeu o antigo vinil e nunca mais encontrou. "Estive na Tower Records, de Londres e havia o registro da gravação dela, mas nada do disco", lamenta. "Quando estive em Cuba, me hospedei no lugar que ficava ao lado de um hotel chamado Siboney. Tinha que cantar essa canção um dia. Falei com o Chico: essa música está incrustada na minha vida. Essa música ficou em mim e a versão que ele fez mostra isso: fala de algo que fica em você".
Outra que ganhou versão foi True Love, que virou Amar, Amar. "Não é uma canção muito badalada do Cole Porter. A versão que eu conheço é a do Elvis Presley. Quando tinha meu conjuntinho, cantávamos essa música em inglês", diz ele que depois a viu ser cantada por Bing Crosby no filme Alta Sociedade. "A letra original é completamente diferente dessa criada pelo Chico. Ela era feita num outro ambiente, fala de coisas muito sem sentido para nós no Brasil. Achei a nova letra super natalina. Se você for ouvir o True Love numa época de Natal vai ficar mais perto dela", acredita. Finalmente, incluiu uma versão de Fools Rush In, que virou Passos de Amador. "Essa o Sinatra gravou, mas a que eu mais gosto foi a que ouvi pelo Ben Gazarra, que não é cantor, é ator. Ele a cantou no filme Bufalo 66, do Vincent Gallo. Ele fazia o papel de um cantor frustrado até que sua nora insiste para que ele cante e ele vai de Fools Rush in. E tinha uma voz até muito boa".
Turnê ainda demora
João Bosco volta e meia inclui alguma canção ou referência a outros povos em seus discos. Também pudera. Desde de 1983, quando participou do Festival de Montreux ao lado de Caetano Veloso e Ney Matogrosso, ele todo ano participa dos festivais de verão europeus. É com esse lado percussivo de sua obra que ele vem abocanhando platéias cada vez mais interessadas em seu som. "É um lado de negritude, afrobrasileiro, caribenho, ibérico que vem sendo muito bem aceito. Um lado que está presente em meu disco em Mama Palavra, Beirando a Rumba e até mesmo em Passo de Amador e Flor de Ingazeira, que podem ser mais abolerados ou nordestinos, mas têm sempre uma ênfase nesse aspecto percussivo". Bosco torna a dizer que isso vem de longe em sua obra, e cita canções como Tiro de Misericórdia, Nação e Ronco da Cuíca.
É bom que os fãs ouçam o disco com calma, porque os shows ainda vão demorar um pouco. João Bosco estréia em São Paulo em outubro. No mês seguinte, chega ao Rio, e só depois seguirá pelas outras capitais do país.
"Sou um compositor brasileiro em exercício, em movimento, na atividade. Esse disco esta aí para mostrar isso. É um disco que trabalha com três pontos: um deles é a brasilidade, o segundo é exatamente as referências, as influências que recebemos e o terceiro ponto é a diagonal: um lado erudito e um folclórico popular brasileiros que utilizo na minha música, nos arranjos", explica. Ele tenta exercitar em Na Esquina esse cruzamento de um Brasil regionalista com outro globalizado. "Precisamos ter a capacidade de reciclar a nossa música, mas num ponto de vista brasileiro".
Como se vê, o cantor curte um disco conceitual. E diz que sempre foi assim. "Quando eu e Aldir compúnhamos, tínhamos sempre temas. Foi assim no Galo de Briga, no Comissão de Frente... Tinha história, estética, conceito", relembra. Para auxiliá-lo em todo o trabalho de elaboração do disco, Bosco contou pela segunda vez com seu filho Francisco Bosco. Até mesmo as três versões que gravou leva a assinatura da dupla. Muitos questionam se seu filho é mesmo seu parceiro ideal atualmente. Bosco diz que sim.
"Estou fazendo com ele algo que estava esperando há um tempo para meu trabalho. Essa poética que Chico (Francisco) tem feito do As Mil e uma Aldeias (1997) para cá tem sido legal. Não sei do futuro. A palavra esquina é um lugar totalmente indefinido. Esquina é justamente isso, não tem um endereço. Não pertence a uma via nem a outra, surge do encontro de vias. Essa indefinição é instigante, nos deixa de frente para a interrogação", explica.
Reggae está entre as novidades
Uma das músicas que mais chamam a atenção da nova parceria de João e Francisco Bosco é o reggae Mama Palavra. Pela primeira vez, Bosco faz um reggae. "Não me lembro de ter trabalhado com esse braço africano, embora seja um tipo de música das mais bem-sucedidas, mas com uma levada muito constante. Por isso, talvez não tenha me enamorado tão rapidamente por ela. Acho que nesse disco, em função de algumas viagens, passei por uns reggaes e achei que era um bom momento de me exercitar neles", justifica. Ele ressalta, no entanto, a riqueza harmônica da faixa. "Tem uma primeira parte com algo do Gil Evans, e tem outra ligada a Villa-Lobos". Já sobre a letra do filho, Bosco diz que ela retrata muito bem o cotidiano da palavra em todos os seus aspectos: engraçados ou sofridos.
Bosco também assinou três versões com o filho de standards internacionais. Entre elas, a da cubana Siboney, de Ernesto Lecuona. Ele conta que é uma canção de caráter afetivo, pois ouvia muito na sua infância, em Ponte Nova (MG), no final dos anos 50, na voz da cantora ítalo-franco-alemã Caterina Valente. Acontece que ele perdeu o antigo vinil e nunca mais encontrou. "Estive na Tower Records, de Londres e havia o registro da gravação dela, mas nada do disco", lamenta. "Quando estive em Cuba, me hospedei no lugar que ficava ao lado de um hotel chamado Siboney. Tinha que cantar essa canção um dia. Falei com o Chico: essa música está incrustada na minha vida. Essa música ficou em mim e a versão que ele fez mostra isso: fala de algo que fica em você".
Outra que ganhou versão foi True Love, que virou Amar, Amar. "Não é uma canção muito badalada do Cole Porter. A versão que eu conheço é a do Elvis Presley. Quando tinha meu conjuntinho, cantávamos essa música em inglês", diz ele que depois a viu ser cantada por Bing Crosby no filme Alta Sociedade. "A letra original é completamente diferente dessa criada pelo Chico. Ela era feita num outro ambiente, fala de coisas muito sem sentido para nós no Brasil. Achei a nova letra super natalina. Se você for ouvir o True Love numa época de Natal vai ficar mais perto dela", acredita. Finalmente, incluiu uma versão de Fools Rush In, que virou Passos de Amador. "Essa o Sinatra gravou, mas a que eu mais gosto foi a que ouvi pelo Ben Gazarra, que não é cantor, é ator. Ele a cantou no filme Bufalo 66, do Vincent Gallo. Ele fazia o papel de um cantor frustrado até que sua nora insiste para que ele cante e ele vai de Fools Rush in. E tinha uma voz até muito boa".
Turnê ainda demora
João Bosco volta e meia inclui alguma canção ou referência a outros povos em seus discos. Também pudera. Desde de 1983, quando participou do Festival de Montreux ao lado de Caetano Veloso e Ney Matogrosso, ele todo ano participa dos festivais de verão europeus. É com esse lado percussivo de sua obra que ele vem abocanhando platéias cada vez mais interessadas em seu som. "É um lado de negritude, afrobrasileiro, caribenho, ibérico que vem sendo muito bem aceito. Um lado que está presente em meu disco em Mama Palavra, Beirando a Rumba e até mesmo em Passo de Amador e Flor de Ingazeira, que podem ser mais abolerados ou nordestinos, mas têm sempre uma ênfase nesse aspecto percussivo". Bosco torna a dizer que isso vem de longe em sua obra, e cita canções como Tiro de Misericórdia, Nação e Ronco da Cuíca.
É bom que os fãs ouçam o disco com calma, porque os shows ainda vão demorar um pouco. João Bosco estréia em São Paulo em outubro. No mês seguinte, chega ao Rio, e só depois seguirá pelas outras capitais do país.